Para falar sobre trauma, há que nos
lembramos do excelente filme “Separados pelo Destino”, baseado no romance “Aftershock”
de Zhang Ling e dirigido por Feng Xiaogang. Não vamos aqui fazer uma análise da
subjetividade que envolve seus personagens na tragédia, mesmo por que “sobreviver
é apenas o começo”. Vários estudiosos pensaram na concepção de trauma. Freud em
seus diversos escritos utilizou essa concepção, mas ao estudar a sexualidade
infantil implicou o sujeito em sua história e de certa forma retira da
expressão “trauma” a concepção de um sujeito que não se implica, seja pelo
masoquismo ou pelo sadismo. Ferenczi, amigo estimado de Freud, centra muito dos
seus estudos na questão do trauma. O trauma é então tido como um “choque”, “é equivalente à aniquilação do sentimento
de si, da capacidade de resistir, agir e pensar com vistas à defesa do si
mesmo” (p. 125). Ocasiona um impacto psíquico, que faz também seu sintoma
no corpo e um impacto no corpo, pois para a preservação de si mesmo os órgãos
reduzem suas atividades. É então que surge a expressão “comoção psíquica”, ou
seja, o trauma é então semelhante a algo que desmorona, desagrega. Ocorre de
forma “imprevista”. Quando algo “parecia” seguro, desmorona e a confiança nas
pessoas, situações, é abalada. Os noticiários enfatizam as diversas tragédias
humanas, sejam no âmbito familiar, da sociedade, nos países ou na natureza.
Vivemos na sociedade da insegurança, do medo e da ameaça. Assim é como se “de
repente”, algo pudesse inesperadamente causar uma comoção física, psíquica. Há
sempre uma reação de defesa, pois o corpo e o psiquismo possuem sempre
estruturas de defesa, sejam quais forem. Como diz Ferenczi, “até a minhoca se
empina”. Mesmo diante da morte os órgãos lutam até a última de suas forças para
viver, para evitar o choque, a comoção, que inexoravelmente virá.
Diante dessa maior comoção
psíquica e física, que é a morte, muitos sentimentos que a antecipam ainda
permanecem no plano da vida material. Muitos relatam que teriam dedicado mais
tempo aos amigos, à família, que teriam trabalhado menos, viajado mais, teriam
feito o trabalho que sonharam, mas difícil alguém expressar, que teria amado
mais do que odiado, teria servido mais do que exigido, teria tido menos
ressentimentos, teria buscado o autoconhecimento, teria disputado menos, teria
ajudado mais, teria procurado ser mais justo, teria sido menos vaidoso,
arrogante. Teria sublimado mais os impulsos e instintos primitivos, teria sido
mais fiel aos princípios e virtudes, mesmo os que não estivessem na moda. Teria
buscado uma vida com mais sublimidade espiritual. Não teria machucado ninguém,
magoado. Teria tido tempo para sempre ouvir e uma palavra amiga confortadora.
Teria tido compreensão e compaixão para com todos.
Assim diante de uma comoção psíquica a
angústia é inevitável. Como não é possível uma imediata transformação do mundo
circundante, é possível uma representação, uma “reação substitutiva” em relação
a uma mudança futura num sentido favorável. É o que de certa forma faz com que
se suporte o desprazer. Fugir das lembranças, do sofrimento mudo, através de
lugares ou representações é um alento para evitar a autodestruição. E “o mais fácil de destruir em nós é a
consciência, a coesão das formações psíquicas numa entidade: é assim que nasce
a desorientação psíquica” (Ferenczi, p.127). A desorientação psíquica possibilita
um escape do sofrimento, suspende a percepção possibilitando a junção de alguns
fragmentos de princípio de prazer.
Todo esse mecanismo de defesa
funciona no sentido de barrar a inevitável angústia traumática, que possibilita
o medo da loucura. Essa configuração é visível nas pessoas que são vítimas de
manias de perseguição. Elas tentam proteger-se de perigos que imagina acontecer
consigo ou com seus afetos, através de um sentimento de onipotência, de tudo “poder
destruir” ou evitar. Em relação aos traumas que acontece na mais tenra idade,
há por parte dos adultos uma exigência a
criança, no sentido dela ser capaz de conviver com a situação traumática seja
por uma atitude heroica ou pelo silêncio, que a aliena dos significados do
ocorrido e de suas possibilidades de reelaboração e ressignificação. É função
da análise abrir caminho e percorrer esses labirintos do inconsciente, de forma
articulada com os sintomas. Fica a sugestão: “Separados pelo Destino”.
Referência
FERENCZI, Sándor – PSICANÁLISE IV
(1928). Obras Completas – São Paulo, Martins Fontes, 2011
https://www.youtube.com/watch?v=3yFbdrNlw2U
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