4 de abril de 2014

Reflexões sobre Comoção Psíquica - Trauma

Para falar sobre trauma, há que nos lembramos do excelente filme “Separados pelo Destino”, baseado no romance “Aftershock” de Zhang Ling e dirigido por Feng Xiaogang. Não vamos aqui fazer uma análise da subjetividade que envolve seus personagens na tragédia, mesmo por que “sobreviver é apenas o começo”. Vários estudiosos pensaram na concepção de trauma. Freud em seus diversos escritos utilizou essa concepção, mas ao estudar a sexualidade infantil implicou o sujeito em sua história e de certa forma retira da expressão “trauma” a concepção de um sujeito que não se implica, seja pelo masoquismo ou pelo sadismo. Ferenczi, amigo estimado de Freud, centra muito dos seus estudos na questão do trauma. O trauma é então tido como um “choque”, “é equivalente à aniquilação do sentimento de si, da capacidade de resistir, agir e pensar com vistas à defesa do si mesmo” (p. 125). Ocasiona um impacto psíquico, que faz também seu sintoma no corpo e um impacto no corpo, pois para a preservação de si mesmo os órgãos reduzem suas atividades. É então que surge a expressão “comoção psíquica”, ou seja, o trauma é então semelhante a algo que desmorona, desagrega. Ocorre de forma “imprevista”. Quando algo “parecia” seguro, desmorona e a confiança nas pessoas, situações, é abalada. Os noticiários enfatizam as diversas tragédias humanas, sejam no âmbito familiar, da sociedade, nos países ou na natureza. Vivemos na sociedade da insegurança, do medo e da ameaça. Assim é como se “de repente”, algo pudesse inesperadamente causar uma comoção física, psíquica. Há sempre uma reação de defesa, pois o corpo e o psiquismo possuem sempre estruturas de defesa, sejam quais forem. Como diz Ferenczi, “até a minhoca se empina”. Mesmo diante da morte os órgãos lutam até a última de suas forças para viver, para evitar o choque, a comoção, que inexoravelmente virá.

Diante dessa maior comoção psíquica e física, que é a morte, muitos sentimentos que a antecipam ainda permanecem no plano da vida material. Muitos relatam que teriam dedicado mais tempo aos amigos, à família, que teriam trabalhado menos, viajado mais, teriam feito o trabalho que sonharam, mas difícil alguém expressar, que teria amado mais do que odiado, teria servido mais do que exigido, teria tido menos ressentimentos, teria buscado o autoconhecimento, teria disputado menos, teria ajudado mais, teria procurado ser mais justo, teria sido menos vaidoso, arrogante. Teria sublimado mais os impulsos e instintos primitivos, teria sido mais fiel aos princípios e virtudes, mesmo os que não estivessem na moda. Teria buscado uma vida com mais sublimidade espiritual. Não teria machucado ninguém, magoado. Teria tido tempo para sempre ouvir e uma palavra amiga confortadora. Teria tido compreensão e compaixão para com todos.

Assim diante de uma comoção psíquica a angústia é inevitável. Como não é possível uma imediata transformação do mundo circundante, é possível uma representação, uma “reação substitutiva” em relação a uma mudança futura num sentido favorável. É o que de certa forma faz com que se suporte o desprazer. Fugir das lembranças, do sofrimento mudo, através de lugares ou representações é um alento para evitar a autodestruição. E “o mais fácil de destruir em nós é a consciência, a coesão das formações psíquicas numa entidade: é assim que nasce a desorientação psíquica” (Ferenczi, p.127). A desorientação psíquica possibilita um escape do sofrimento, suspende a percepção possibilitando a junção de alguns fragmentos de princípio de prazer.

Todo esse mecanismo de defesa funciona no sentido de barrar a inevitável angústia traumática, que possibilita o medo da loucura. Essa configuração é visível nas pessoas que são vítimas de manias de perseguição. Elas tentam proteger-se de perigos que imagina acontecer consigo ou com seus afetos, através de um sentimento de onipotência, de tudo “poder destruir” ou evitar. Em relação aos traumas que acontece na mais tenra idade, há por parte dos adultos uma  exigência a criança, no sentido dela ser capaz de conviver com a situação traumática seja por uma atitude heroica ou pelo silêncio, que a aliena dos significados do ocorrido e de suas possibilidades de reelaboração e ressignificação. É função da análise abrir caminho e percorrer esses labirintos do inconsciente, de forma articulada com os sintomas. Fica a sugestão:  “Separados pelo Destino”.
Referência
FERENCZI, Sándor – PSICANÁLISE IV (1928). Obras Completas – São Paulo, Martins Fontes, 2011


https://www.youtube.com/watch?v=3yFbdrNlw2U 

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