“Para tais
pessoas, a utilização de uma terminologia mitológica ou folclórica com
referência a fatos psicológicos é inteiramente "anticientífica".
Com este
preconceito as pessoas barram o próprio acesso à Psicologia e o caminho para um
ulterior desenvolvimento do homem interior cujo fracasso intelectual e moral é
uma das mais dolorosas constatações de nossa época. Quem tem alguma coisa a
dizer, fala em "dever-se-ia" ou em "seria preciso", sem
reparar que lastimosa situação de desamparo está ele, assim, confessando. Todos
os meios que recomenda são justamente aqueles que fracassaram. Em sua compreensão mais profunda, a
Psicologia é autoconhecimento. Mas como este último não pode ser fotografado,
calculado, contado, pesado e medido, é anticientífico. Mas, o homem psíquico,
ainda bastante desconhecido, que se ocupa com a ciência é também
"anticientífico" e, por isso, não é digno de posterior investigação? Se o mito não caracteriza o
homem psíquico, então seria preciso negar o ninho ao pardal e o canto ao
rouxinol. Temos motivos suficientes para admitir que o homem em geral tem uma
profunda aversão ao conhecer alguma coisa a mais sobre si mesmo, e que é aí que
se encontra a verdadeira causa de não haver avanço e melhoramento interior, ao
contrário do progresso exterior”.
JUNG, C.
G. - A NATUREZA DA PSIQUE (Prefácio) - Obras
Completas, Volume VIII/2 5ª Edição - Editora Vozes, Petrópolis, 2000
Essa
reflexão de Jung nos traz uma breve reflexão da clínica em psicologia na
atualidade. Procurar ajuda psicológica é difícil, pois a noção de incapacidade,
“autonomia”, o narcisismo, vaidade, a arrogância são impeditivos de
resistência. Quando muitas vezes essa demanda acontece, ou seja, a busca
terapêutica para um sofrimento psíquico, os valores vigentes na sociedade de
consumo são expressos como se essa busca terapêutica fosse um produto de
prateleira, onde assim que ocorre o acolhimento a escuta, os sintomas se atenuam,
a ansiedade e angústia reduz, abandona-se o percurso terapêutico, pois o
sofrimento foi minorado. A clínica em psicologia revela esse sintoma de consumo
da sociedade atual. Exige-se competência, experiência, espaço terapêutico
confortável, a um custo de R$15,00 a R$ 20,00 por sessão, e contraditoriamente
a visão de que esse valor diz respeito a inexperiência dos profissionais,
validado pelas universidades em nome do que se chama de “clínica social”. Mas
alcançar a nota do curso exigida pelo MEC (ENADE) é uma articulação de valor de
mercado, onde não existe uma articulação com a política de saúde mental, tão
pouco com o compromisso e competência dos profissionais. Há que lembrarmos não
fosse as incursões de Lacan, permanece, desde Breuer, Jung, Freud, um
abismo na articulação teórico-prática. A ideia que se tem é de uma clínica
conceitual. Repetem-se os conceitos como se isso revelasse o domínio
teórico-prático. Diagnóstico diferencial, não se fala. Recorre-se ao DSM. Se as
clínicas de psicologia universitárias, não dão conta da demanda e terceiriza
profissionais recém-formados por valores incompatíveis para se manter as
despesas de um consultório, o profissional vai sobreviver de que? Será que
estamos diante da chamada terceirização dos profissionais de psicologia em
clínica? Assim os cursos não valorizam os profissionais que formam. Essa lógica
que cerca esses serviços, em psicologia, não considera o número de pacientes
que frequentam e não pagam as consultas, o número de pacientes que marcam e não
comparece, o número de pacientes que não comparecem. Tão pouco articula suas
razões clínicas. Há os psicólogos que mantém uma sala alugada e tem poucos
pacientes, podendo cobrar acima da tabela do CRP, pois possuem outras fontes de
rendimentos (Empregos). Os profissionais que fazem opção pelo
mestrado/doutorado dedicam-se a academia ou ao Serviço Público. As estatísticas
de psicólogos que sobrevivem da clínica é trabalharem 14 horas por dia de
segunda a sábado. Em relação aos que trabalham com operadoras de saúde
necessitam atender pelo menos 10 pacientes por dia para sobreviverem.
Esse é apenas um levantamento superficial com alguns profissionais sobre as
dificuldades da clínica em psicologia, que está bem longe do glamour propalado
por profissionais, instituições e universidades. A realidade é de muito estudo,
dedicação, trabalho extenuante. Onde fica a trilogia análise
pessoal-supervisão-estudo? De glamour não tem nada, a não ser a fantasia e o
marketing dos cursos e de profissionais que não precisam da clínica para
sobreviver.
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