3 de abril de 2014

O Autoconhecimento e a Clínica em Psicologia

“Para tais pessoas, a utilização de uma terminologia mitológica ou folclórica com referência a fatos psicológicos é inteiramente "anticientífica".
Com este preconceito as pessoas barram o próprio acesso à Psicologia e o caminho para um ulterior desenvolvimento do homem interior cujo fracasso intelectual e moral é uma das mais dolorosas constatações de nossa época. Quem tem alguma coisa a dizer, fala em "dever-se-ia" ou em "seria preciso", sem reparar que lastimosa situação de desamparo está ele, assim, confessando. Todos os meios que recomenda são justamente aqueles que fracassaram. Em sua compreensão mais profunda, a Psicologia é autoconhecimento. Mas como este último não pode ser fotografado, calculado, contado, pesado e medido, é anticientífico. Mas, o homem psíquico, ainda bastante desconhecido, que se ocupa com a ciência é também "anticientífico" e, por isso, não é digno de posterior investigação? Se o mito não caracteriza o homem psíquico, então seria preciso negar o ninho ao pardal e o canto ao rouxinol. Temos motivos suficientes para admitir que o homem em geral tem uma profunda aversão ao conhecer alguma coisa a mais sobre si mesmo, e que é aí que se encontra a verdadeira causa de não haver avanço e melhoramento interior, ao contrário do progresso exterior”.
JUNG, C. G. -  A NATUREZA DA PSIQUE (Prefácio) - Obras Completas, Volume VIII/2 5ª Edição - Editora Vozes, Petrópolis, 2000

Essa reflexão de Jung nos traz uma breve reflexão da clínica em psicologia na atualidade. Procurar ajuda psicológica é difícil, pois a noção de incapacidade, “autonomia”, o narcisismo, vaidade, a arrogância são impeditivos de resistência. Quando muitas vezes essa demanda acontece, ou seja, a busca terapêutica para um sofrimento psíquico, os valores vigentes na sociedade de consumo são expressos como se essa busca terapêutica fosse um produto de prateleira, onde assim que ocorre o acolhimento a escuta, os sintomas se atenuam, a ansiedade e angústia reduz, abandona-se o percurso terapêutico, pois o sofrimento foi minorado. A clínica em psicologia revela esse sintoma de consumo da sociedade atual. Exige-se competência, experiência, espaço terapêutico confortável, a um custo de R$15,00 a R$ 20,00 por sessão, e contraditoriamente a visão de que esse valor diz respeito a inexperiência dos profissionais, validado pelas universidades em nome do que se chama de “clínica social”. Mas alcançar a nota do curso exigida pelo MEC (ENADE) é uma articulação de valor de mercado, onde não existe uma articulação com a política de saúde mental, tão pouco com o compromisso e competência dos profissionais. Há que lembrarmos não fosse as incursões de Lacan, permanece, desde Breuer, Jung, Freud, um abismo na articulação teórico-prática. A ideia que se tem é de uma clínica conceitual. Repetem-se os conceitos como se isso revelasse o domínio teórico-prático. Diagnóstico diferencial, não se fala. Recorre-se ao DSM. Se as clínicas de psicologia universitárias, não dão conta da demanda e terceiriza profissionais recém-formados por valores incompatíveis para se manter as despesas de um consultório, o profissional vai sobreviver de que? Será que estamos diante da chamada terceirização dos profissionais de psicologia em clínica? Assim os cursos não valorizam os profissionais que formam. Essa lógica que cerca esses serviços, em psicologia, não considera o número de pacientes que frequentam e não pagam as consultas, o número de pacientes que marcam e não comparece, o número de pacientes que não comparecem. Tão pouco articula suas razões clínicas. Há os psicólogos que mantém uma sala alugada e tem poucos pacientes, podendo cobrar acima da tabela do CRP, pois possuem outras fontes de rendimentos (Empregos). Os profissionais que fazem opção pelo mestrado/doutorado dedicam-se a academia ou ao Serviço Público. As estatísticas de psicólogos que sobrevivem da clínica é trabalharem 14 horas por dia de segunda a sábado. Em relação aos que trabalham com operadoras de saúde  necessitam atender pelo menos 10 pacientes por dia para sobreviverem. Esse é apenas um levantamento superficial com alguns profissionais sobre as dificuldades da clínica em psicologia, que está bem longe do glamour propalado por profissionais, instituições e universidades. A realidade é de muito estudo, dedicação, trabalho extenuante. Onde fica a trilogia análise pessoal-supervisão-estudo? De glamour não tem nada, a não ser a fantasia e o marketing dos cursos e de profissionais que não precisam da clínica para sobreviver.

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