29 de novembro de 2014

Poesia - O deserto


Minh’ alma caminha,
na lembrança, a aridez do deserto,
nas feridas, as dores que não cicatrizaram,
nas dores, a solidão da saudade,
nenhuma nuvem, nenhuma chuva
o vento traz a areia,
que toca a alma,
ranhuras que vão se incrustando,
uma ostra no fundo do mar,
um carvão no centro da terra,
uma poeira estelar,
que continua andar pela dor,
ao retornar o caminho,
uma luz suave,
leva sua vestimenta,
necessita dormir por um tempo,
que não é um tempo, 
a luz vai e volta,
e assim a alegria aos poucos retorna,
pela presença amorosa,
e a suavidade sopra seus ventos
trazendo o frescor da chuva
em gotas de safiras.
Myriam’aya

23 de novembro de 2014

“A Concepção Quantitativa” e o Equilíbrio de Energia

Deriva diretamente das observações clínicas patológicas, especialmente no que diz respeito a ideias excessivamente intensas — na histeria e nas obsessões, nas quais, como veremos, a característica quantitativa emerge com mais clareza do que seria normal. Processos, como estímulos, substituição, conversão e descarga que tiveram de ser ali descritos (em conexão com esses distúrbios), sugeriram diretamente a concepção da excitação neuronal como uma quantidade em estado de fluxo. Parecia lícito tentar generalizar o que ali se comprovou. Partindo dessa consideração, pôde-se estabelecer um princípio básico da atividade neuronal em relação à quantidade, que prometia ser extremamente elucidativo, visto que parecia abranger toda a função. Esse é o princípio de inércia neuronal: os neurônios tendem a se livrar de quantidade. A estrutura e o desenvolvimento, bem como as funções (dos neurônios), devem ser compreendidos com base nisso.
Em primeiro lugar, o princípio da inércia explica a dicotomia estrutural (dos neurônios) em motores e sensoriais, como um dispositivo destinado a neutralizar a recepção de quantidade, através de sua descarga. O movimento reflexo torna-se compreensível agora como uma forma estabelecida de efetuar essa descarga: a origem da ação fornece o motivo para o movimento reflexo. Se retrocedermos ainda mais, poderemos, em primeira instância, vincular o sistema nervoso, como herdeiro da irritabilidade geral do protoplasma, com a superfície externa irritável (de um organismo), que é interrompida por extensões consideráveis de superfície não irritável. Um sistema nervoso primário se vale dessa quantidade, assim adquirida, para descarregá-la nos mecanismos musculares através das vias correspondentes, e desse modo se mantém livre do estímulo. Essa descarga representa a função primária do sistema nervoso. Aqui existe espaço para o desenvolvimento de uma função secundária. Pois, entre as vias de descarga, são preferidas e conservadas aquelas que envolvem a cessação do estímulo: fuga do estímulo. Em geral, aqui se verifica uma proporção entre a Q de excitação e o esforço requerido para a fuga do estímulo, de modo que o princípio da inércia não seja abalado por isso.
Desde o início, porém, o princípio da inércia é rompido por outra circunstância. À proporção que (aumenta) a complexidade interior (do organismo), o sistema nervoso recebe estímulos do próprio elemento somático — os estímulos endógenos — que também têm que ser descarregados. Esses estímulos se originam nas células do corpo e criam as grandes necessidades: como, respiração, sexualidade. Deles, ao contrário do que faz com os estímulos externos, o organismo não pode esquivar-se; não pode empregar a quantidade deles para a fuga do estímulo. Eles cessam apenas mediante certas condições, que devem ser realizadas no mundo externo. (por exemplo, a necessidade de nutrição.) Para efetuar essa ação (que merece ser qualificada de “específica”), requer-se um esforço que seja independente da quantidade endógena e, em geral, maior, já que o indivíduo se acha sujeito a condições que podem ser descritas como as exigências da vida. Em consequência, o sistema nervoso é obrigado a abandonar sua tendência original à inércia (isto é, a reduzir o nível da quantidade a zero). Precisa tolerar (a manutenção de) um acúmulo de quantidade suficiente para satisfazer as exigências de uma ação específica. Mesmo assim, a maneira como realiza isso demonstra que a mesma tendência persiste modificada pelo empenho de ao menos manter a quantidade no mais baixo nível possível e de se resguardar contra qualquer aumento da mesma — ou seja, mantê-la constante. Todas as funções do sistema nervoso podem ser compreendidas sob o aspecto das funções primária ou secundária impostas pelas exigências da vida. 



Considerações sobre o texto de Freud “Primeiro Teorema Principal: A Concepção Quantitativa” do artigo Projeto para uma Psicologia cientifica. Imagem de Mark F. Bear, Barry W. Connors, Michael A. Paradiso – Neurociências (Desvendando o Sistema Nervoso) pg. 61  

As ideias intensas requer uma grande quantidade de energia, que impulsiona uma excitação neuronal. A quantidade e qualidade dessa carga e descarga de energia, deve ser mantida sob equilíbrio, uma vez que tanto a quantidade de carga, quanto a qualidade no sentido da afinidade com a estrutura psíquica, potencializa os sintomas de defesa e funcionamento do sujeito. Nas células a comunicação entre o líquido intersticial e o citosol, deve ser, para manter o equilíbrio, entre os íons de sódio (+) e de fosfato (-) e os íons de cloreto (-) e os íons de potássio (+), para que se mantenha o equilíbrio celular. De forma semelhante funciona o fluxo de energia psíquica. O princípio da inércia visa o equilíbrio, entre carga e descarga.
Se as superfícies, irritável e não irritável do sistema nervoso, necessita descarregar a quantidade de energia adquirida, para se manter livre do estímulo, interrompendo-o ou imprimindo uma descarga pois visa o, necessário, equilíbrio. Interrogar o que faz uma superfície neuronal ou psíquica, ser mais ou menos irritável é a interrogação da “escolha” de funcionamento, ou seja, está submetido a determinadas leis que ainda desconhecemos.
É assim que a psique diante das exigências da vida tem que “dar conta” de si mesma e dos mecanismos celulares que possuem funcionamentos específicos, e não funciona independente da psique.
A psique deve manter a quantidade de energia o mais baixo possível “e se resguardar contra qualquer aumento da mesma”. Isso é mantê-la constante e ao mesmo tempo trabalhar no sentido da extensão da consciência e diminuição do inconsciente. Uma batalha difícil que vai requerer alguns séculos de estudo e autoconhecimento.

FREUD, S.  – [1] (a) Primeiro Teorema Principal: A Concepção Quantitativa  (1950 [1895]), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

16 de novembro de 2014

O Corpo e a “Introdução do Ego”


“Com efeito, porém, com a hipótese da “atração de desejo” e da propensão ao recalcamento, já abordamos um estado de neurônios impermeáveis, que ainda não foi discutido. Pois esses dois processos indicam que em sistema de neurônios impermeáveis se formou uma organização cuja presença interfere nas passagens (de quantidade) que, na primeira vez, ocorreram de determinada maneira (isto é, acompanhadas de satisfação ou dor). Essa organização se chama “ego”. Pode ser facilmente descrito se considerarmos que a recepção sistematicamente repetida de quantidade endógena em certos neurônios (do núcleo) e o consequente efeito facilitador produzem um grupo de neurônios que é constantemente catexizado (pg. 368 e 424-5) e que, desse modo, corresponde ao veículo da reserva requerido pela função secundária (pg. 406). O ego deve, portanto, ser definido como a totalidade das catexias de neurônios impermeáveis existentes em determinado momento, nas quais cumpre diferenciar um componente permanente e outro mutável (pg. 380, adiante). É fácil ver que as facilitações entre os neurônios impermeáveis fazem parte dos domínios do ego, já que representam possibilidades, se o ego for alterado, de determinar a sua extensão nos momentos seguintes”.
“Embora esse ego deva esforçar-se por se livrar de suas catexias pelo método da satisfação, isso não pode acontecer de nenhuma outra maneira senão por ele influenciar a repetição das experiências de dor e dos afetos, e pelo método seguinte, que é geralmente descrito como inibição”.
“Uma quantidade que irrompe em um neurônio a partir de um ponto qualquer continuará em direção à barreira de contacto que estiver mais facilitada, estabelecendo uma corrente nessa direção. Explicando com mais precisão: a corrente de quantidade se dividirá na direção das diversas barreiras de contacto na proporção inversa de suas resistências; e, em tal caso, quando uma fração se choca contra uma barreira de contacto cuja resistência é inferior a ela (barreira de contacto), não passará praticamente nada por esse ponto. Essa relação pode facilmente conduzir-se para cada quantidade no neurônio, pois poderão surgir frações que sejam superiores também ao limiar de outras barreiras de contacto. Assim, o curso adotado dependerá das quantidades e da relação das facilitações. Já conhecemos, porém, o terceiro fator poderoso (pg. 370-1). Quando um neurônio adjacente é simultaneamente catexizado, isso atua como uma facilitação temporária da barreira de contacto existente entre os dois, modificando o curso (da corrente), que, de outro modo, teria tomado a direção de uma barreira de contacto facilitada. Assim, pois, uma catexia colateral atua como uma inibição do curso da quantidade. Imaginemos o ego como uma rede de neurônios catexizados e bem facilitados entre si.”
“Suponhamos que uma quantidade penetrasse no neurônio a vindo do exterior para um sistema de neurônios permeáveis, então, se não fosse influenciada, ela passaria para o neurônio b; mas ela é tão influenciada pela catexia colateral - que libera apenas uma fração para b, e talvez nem sequer chegue de todo a b. Logo, se o ego existe, ele deve inibir os processos psíquicos primários”.
“Uma inibição desse tipo representa, porém, uma vantagem decisiva para o sistema de neurônios impermeáveis. Suponhamos que a seja uma imagem mnêmica hostil e b, um neurônio-chave para o desprazer (pg. 372). Então, se é despertado, o desprazer primariamente será liberado, o que talvez fosse inútil e que o é, de qualquer modo, (quando ele é liberado) em sua totalidade. Com a ação inibitória, a liberação de desprazer ficará muito reduzida e o sistema nervoso será poupado, sem qualquer outro dano, do desenvolvimento e da descarga de quantidade. Agora se torna fácil imaginar como o ego, com o auxílio de um mecanismo que atrai sua atenção para a nova catexia iminente da imagem mnêmica hostil, pode conseguir inibir a passagem da quantidade de uma imagem mnêmica para a liberação do desprazer por meio de uma copiosa catexia colateral que pode ser reforçada de acordo com as necessidades. E, realmente, se admitirmos que a liberação inicial de desprazer é captada da quantidade pelo próprio ego, teremos nessa mesma liberação a fonte do dispêndio que a catexia colateral inibidora exige do ego. Nesse caso, quanto mais intenso for o desprazer, mais forte será a defesa primária”.

Considerações sobre o texto de Freud [14] Introdução do Ego do artigo Projeto para uma Psicologia cientifica. Do desenho de Freud, propomos a imagem acima: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/28/artigo116936-2.asp
O Ego, o Eu, esse estado de consciência, que nos abrange revelando as histórias mais secretas da existência; esse ego que somos nós de forma tangencial, mas que nem por isso pertence a uma escala hierárquica psíquica, quando pensamos em superego e inconsciente, é pura energia. Para existir de forma integrada terá que recalcar os conflitos mais íntimos. Essa energia trafega pelo corpo através da rede neuronal permeável e impermeável, em intensidade e quantidade, que define o prazer ou a dor, permitindo que haja, sempre, uma reserva, reinvestida, no sentido do prazer e que essa reserva pode ser mobilizada. O ego é uma catexia, uma energia, mutável e para tanto percorre caminhos permeáveis e impermeáveis, (com ou sem bainha de mielina) a depender da frequência (quantidade/qualidade). O fundamental da liberação dessa energia é que ela passa pelo prazer e pela dor: “Embora esse ego deva esforçar-se por se livrar de suas catexias pelo método da satisfação, isso não pode acontecer de nenhuma outra maneira senão por ele influenciar a repetição das experiências de dor e dos afetos, e pelo método seguinte, que é geralmente descrito como inibição”.  Por certo que a ciência do século XX muito revelou sobre a neuroquímica complexa do cérebro, mas há muito que percorrer no refinamento dessa materialidade, transcendendo em um conhecimento a priori. Embora Freud afirme que “a corrente de quantidade se dividirá na direção das diversas barreiras de contacto na proporção inversa de suas resistências”, ou seja, onde possui mais resistência à entrada de determinada energia é menor. Por isso o curso e a entrada de energia dependerão das facilidades/dificuldades. A questão é quais facilidades/dificuldades, pois a energia em curso sofre múltiplas influências, que pode chegar atenuada, potencializada ou não chegar a seu destino. Se o ego inibe assim os processos primários ou não, acredito que não seja possível demonstrar ainda, pois se a energia que chega até ele é primária, primitiva, ou em processo de evolução, supomos que irá potencializá-lo a depender de suas circunstancias.  É assim que nos processos de memória é possível uma lembrança de sofrimento energizada, ser inibida, através de uma energia que entra e a atravessa. Esse funcionamento do sistema de defesa visa o equilíbrio do ego e a harmonia das pulsões, bem como a autocura.

Referência

FREUD, S.  – [14] INTRODUÇÃO DO EGO (1950 [1895]), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

1 de novembro de 2014

“Tratamento da Alma” – “corte epistemológico”

Se pensássemos em uma cronologia metodológica esse seria o primeiro escrito a ser publicado nesse espaço. Mas lidamos com a livre associação e só agora foi possível esse texto. Muito se fala e escreve sobre tratamento psíquico. Importante relembrarmos que a psicanálise é uma concepção de pensar e tratar os fenômenos patológicos da alma ou de parte da alma, pela palavra ou linguagem e que atua em primeiro lugar na alma. Então “Psyche” uma palavra grega traduzida do alemão significa alma. Assim não é necessário rever a concepção de matéria, para concebermos a existência de uma alma. E como a palavra, a linguagem é um meio de representação, de acesso, cura, não deixa de ser mágica, misteriosa, cheia de significados e significantes. Em função dos grandes avanços, descobertas, na compreensão do corpo humano, foi delegada à filosofia a compreensão da alma.  Já faz um século que os médicos se preocupam com o tratamento desta.

Os estudos da medicina até então, com exceção de determinadas áreas da Psiquiatria, que continuam as pesquisas separando o físico do anímico, ou seja, mantendo a concepção de que as causas das doenças começam e terminam no físico, tem evoluído no sentido do que Freud tentou esboçar de uma metapsicologia. A relação entre o físico e o anímico é recíproca, embora em muitas circunstancias o anímico possa determinar o físico. São conhecidas pesquisas envolvendo conflitos psíquicos, e o desenvolvimento de doenças orgânicas. Há uma “variedade multiforme do quadro patológico; não podem fazer nenhum trabalho intelectual, em consequência de dores de cabeça ou insuficiência da atenção, seus olhos doem durante a leitura, suas pernas se cansam ao andar, ficando pesadas, doloridas ou dormentes, sua digestão é perturbada por sensações dolorosas, eructações ou espasmos gástricos, a defecação não se dá sem a ajuda de laxativos, o sono é abolido etc. Eles podem ter todos esses males simultaneamente ou em sucessão, ou sofrer apenas de uma seleção deles” (p.271-273). Esses sintomas falam de ansiedades, angústias, medos, que uma vez reelaborados terminam sem deixar nenhum vestígio. São as dores da alma que falam. Até o momento não foi possível encontrar relação entre esses sintomas e doenças no sistema nervoso como um todo, ou anomalias cerebrais. Em grande parte a influência da vida anímica, coloca-se como causa, possibilitando a interrogação do tempo e lugar dessa(s) causa(s).

O caminho de compreensão do normal pelo patológico é o viés de compreensão da mudança pelo sofrimento. Ao expressar as emoções, o humano, manifesta sua essência anímica. Assim as manifestações físicas das emoções muitas vezes revelam intenções, pensamentos que estão muito escondidos. E não há outra forma de dizer que “em certos estados anímicos chamados de “afetos”, a participação do corpo é tão evidente e intensa que alguns estudiosos da alma chegaram até a pensar que a essência do afeto consistiria apenas nessas suas exteriorizações físicas. São genericamente conhecidas as extraordinárias mudanças na expressão facial, na circulação sanguínea, nas secreções e nos estados de excitação da musculatura voluntária sob a influência, por exemplo, do medo, da cólera, da dor psíquica e do deleite sexual. Menos conhecidos, embora estabelecidos com plena certeza, são outros efeitos físicos dos afetos que já não são próprios da expressão deles. Os estados afetivos persistentes de natureza penosa, ou, como se costuma dizer, “depressiva”, tais como desgosto, a preocupação e a tristeza, abatem a nutrição do corpo como um todo, causam o embranquecimento dos cabelos, fazem a gordura desaparecer e provocam alterações patológicas nas paredes dos vasos sanguíneos. Inversamente, sob a influência de excitações mais alegres, da “felicidade”, vê-se o corpo inteiro desabrochar e a pessoa recuperar muitos sinais de juventude. Evidentemente, os grandes afetos têm muito a ver com a capacidade de resistência às doenças infecciosas;” (p.274-275). As frustrações, derrotas, perdas, vulnerabiliza a saúde e o sistema imunológico, pelo estresse que causam, potencializando pré-disposições. Assim como a doença pode ser agravada por conflitos e afetos desagradáveis pode também obter melhoras significativas por afetos agradáveis, como o amor.

Os afetos são independentes do corpo, embora encontrem correspondência nesse. Os estados d’alma, como os pensamentos são afetivos e não necessitam de manifestações físicas. O estado psíquico assertivo, alegre, motivado para um objetivo, tranquilizador, pode influenciar em processos físicos de doenças. Mesmo que a dor não encontre um correspondente físico, ela não deixa de ser real, podendo ser reduzida ou elevada dependendo do limiar de dor do sujeito ou de sua resiliência. Dessa forma, frente a uma doença, os sentimentos do sujeito relativos à vontade de viver, de curar-se, a busca da espiritualidade, como demonstra estudos científicos http://www.scielo.br/pdf/rpc/v34s1/a02v34s1.pdf http://scholar.google.com.br/scholar?q=psiquiatria+e+espiritualidade&hl=pt-BR&as_sdt=0&as_vis=1&oi=scholart&sa=X&ei=UBRVVLnyEY-eyATKooLQAQ&ved=0CBoQgQMwAA  contribui no processo de cura ou agravamento da doença. Uma doença que é recebida com afetos de raiva, ódio e revolta, desanimo, agregam componentes tóxicos ao organismo. De forma geral adoecem com mais frequências às pessoas que possuem medo de adoecer. Mas quando diante de uma doença há uma posição de aceitação, aprendizado, assertividade, confiança na cura, as expectativas de melhoras são muito maiores. Então não é prudente “recusar crédito a essas curas milagrosas e pretender explicar os relatos feitos sobre elas através de uma combinação de engodo devoto e observação inexata. Por mais que essa tentativa de explicação possa amiúde justificar-se, ainda assim não tem o poder de descartar por completo o fato das curas miraculosas. Elas realmente ocorrem, deram-se em todas as épocas e dizem respeito não só às doenças de origem anímica, ou seja, àquelas que se fundamentam na “imaginação” e podem justamente ser afetadas de maneira especial pelas circunstâncias da romaria, mas também aos estados patológicos fundamentados no “orgânico” e até então resistentes a todos os esforços médicos.” (p.277). O poder da fé recebe forças pulsionais, independente da concepção religiosa. A arte medicinal vem deste os primórdios da humanidade e tem passado por várias concepções, principalmente se compreendermos as diferenças entre ocidente e oriente.

Os profissionais de saúde que concebem sua atividade como um sacerdócio, do servir, uma arte, adentra ao estudo do espírito humano, sua essência e desenvolve uma relação de empatia com seus pacientes, que contribui e muito na melhora destes. Desde os tempos mais remotos, se busca a cura para os problemas da alma. Se o tratamento psíquico possibilita estados de alma favorecedores a cura, só resgatamos o que a humanidade faz a milhões de anos. Vários foram os métodos que o homem utilizou ao longo de sua história em busca de cura: desde os banhos com ervas para purificar, os oráculos, a meditação, as práticas de elevação espiritual, “só podem ter-se tornado curativos por via psíquica”. Assim há uma transferência da arte curativa das mãos dos sacerdotes e espiritualistas para os médicos e profissionais de saúde e nos tempos atuais vários grupos profissionais, principalmente de saúde mental retoma essa discussão pela via da espiritualidade, principalmente as pesquisas da psiquiatria e neurociência, o retorno aos estudos de Jung e os estudos da psicologia transpessoal, e da física quântica.

Nesse mundo “mágico” que é a psique, a “magia” das palavras assume um lugar de mediação do vínculo terapêutico. Como a palavra provoca modificações no sujeito ao serem faladas, pois ele se escuta e ao mesmo tempo essas palavras encontram ressonância no terapeuta e é por esse “devolvida” como interrogação, interpretação, reflexão, contribuindo para resinificar sofrimentos, eliminando sintomas patológicos. A possibilidade de não possuir o direito de escolher livremente seu médico, terapeuta, seja pela configuração do sistema de saúde pública ou pela configuração do sistema privado de saúde, somente sendo possível em atendimento particular, “aniquila-se uma importante precondição para influenciar o sujeito que sofre em termos anímicos”. Inexoravelmente, o “destino muitas vezes cura as doenças através das grandes emoções de alegria, da satisfação das necessidades e da realização dos desejos, com os quais o médico, amiúde impotente fora de sua arte, não pode rivalizar” (p.280). Seja qual for a abordagem terapêutica, o fundamental é o vínculo de confiança, estima e amorosidade que potencializa a relação de transferência, fundamental para a direção clínica, pois não é tarefa fácil o sujeito renunciar a seus sofrimentos, sintomas e gozos.

Referência
FREUD, S.  – TRATAMENTO PSÍQUICO (OU ANÍMICO) (1905), Obras Completas de Psicanálise - volume VII. Rio de Janeiro, Imago - 1996.