16 de novembro de 2014

O Corpo e a “Introdução do Ego”


“Com efeito, porém, com a hipótese da “atração de desejo” e da propensão ao recalcamento, já abordamos um estado de neurônios impermeáveis, que ainda não foi discutido. Pois esses dois processos indicam que em sistema de neurônios impermeáveis se formou uma organização cuja presença interfere nas passagens (de quantidade) que, na primeira vez, ocorreram de determinada maneira (isto é, acompanhadas de satisfação ou dor). Essa organização se chama “ego”. Pode ser facilmente descrito se considerarmos que a recepção sistematicamente repetida de quantidade endógena em certos neurônios (do núcleo) e o consequente efeito facilitador produzem um grupo de neurônios que é constantemente catexizado (pg. 368 e 424-5) e que, desse modo, corresponde ao veículo da reserva requerido pela função secundária (pg. 406). O ego deve, portanto, ser definido como a totalidade das catexias de neurônios impermeáveis existentes em determinado momento, nas quais cumpre diferenciar um componente permanente e outro mutável (pg. 380, adiante). É fácil ver que as facilitações entre os neurônios impermeáveis fazem parte dos domínios do ego, já que representam possibilidades, se o ego for alterado, de determinar a sua extensão nos momentos seguintes”.
“Embora esse ego deva esforçar-se por se livrar de suas catexias pelo método da satisfação, isso não pode acontecer de nenhuma outra maneira senão por ele influenciar a repetição das experiências de dor e dos afetos, e pelo método seguinte, que é geralmente descrito como inibição”.
“Uma quantidade que irrompe em um neurônio a partir de um ponto qualquer continuará em direção à barreira de contacto que estiver mais facilitada, estabelecendo uma corrente nessa direção. Explicando com mais precisão: a corrente de quantidade se dividirá na direção das diversas barreiras de contacto na proporção inversa de suas resistências; e, em tal caso, quando uma fração se choca contra uma barreira de contacto cuja resistência é inferior a ela (barreira de contacto), não passará praticamente nada por esse ponto. Essa relação pode facilmente conduzir-se para cada quantidade no neurônio, pois poderão surgir frações que sejam superiores também ao limiar de outras barreiras de contacto. Assim, o curso adotado dependerá das quantidades e da relação das facilitações. Já conhecemos, porém, o terceiro fator poderoso (pg. 370-1). Quando um neurônio adjacente é simultaneamente catexizado, isso atua como uma facilitação temporária da barreira de contacto existente entre os dois, modificando o curso (da corrente), que, de outro modo, teria tomado a direção de uma barreira de contacto facilitada. Assim, pois, uma catexia colateral atua como uma inibição do curso da quantidade. Imaginemos o ego como uma rede de neurônios catexizados e bem facilitados entre si.”
“Suponhamos que uma quantidade penetrasse no neurônio a vindo do exterior para um sistema de neurônios permeáveis, então, se não fosse influenciada, ela passaria para o neurônio b; mas ela é tão influenciada pela catexia colateral - que libera apenas uma fração para b, e talvez nem sequer chegue de todo a b. Logo, se o ego existe, ele deve inibir os processos psíquicos primários”.
“Uma inibição desse tipo representa, porém, uma vantagem decisiva para o sistema de neurônios impermeáveis. Suponhamos que a seja uma imagem mnêmica hostil e b, um neurônio-chave para o desprazer (pg. 372). Então, se é despertado, o desprazer primariamente será liberado, o que talvez fosse inútil e que o é, de qualquer modo, (quando ele é liberado) em sua totalidade. Com a ação inibitória, a liberação de desprazer ficará muito reduzida e o sistema nervoso será poupado, sem qualquer outro dano, do desenvolvimento e da descarga de quantidade. Agora se torna fácil imaginar como o ego, com o auxílio de um mecanismo que atrai sua atenção para a nova catexia iminente da imagem mnêmica hostil, pode conseguir inibir a passagem da quantidade de uma imagem mnêmica para a liberação do desprazer por meio de uma copiosa catexia colateral que pode ser reforçada de acordo com as necessidades. E, realmente, se admitirmos que a liberação inicial de desprazer é captada da quantidade pelo próprio ego, teremos nessa mesma liberação a fonte do dispêndio que a catexia colateral inibidora exige do ego. Nesse caso, quanto mais intenso for o desprazer, mais forte será a defesa primária”.

Considerações sobre o texto de Freud [14] Introdução do Ego do artigo Projeto para uma Psicologia cientifica. Do desenho de Freud, propomos a imagem acima: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/28/artigo116936-2.asp
O Ego, o Eu, esse estado de consciência, que nos abrange revelando as histórias mais secretas da existência; esse ego que somos nós de forma tangencial, mas que nem por isso pertence a uma escala hierárquica psíquica, quando pensamos em superego e inconsciente, é pura energia. Para existir de forma integrada terá que recalcar os conflitos mais íntimos. Essa energia trafega pelo corpo através da rede neuronal permeável e impermeável, em intensidade e quantidade, que define o prazer ou a dor, permitindo que haja, sempre, uma reserva, reinvestida, no sentido do prazer e que essa reserva pode ser mobilizada. O ego é uma catexia, uma energia, mutável e para tanto percorre caminhos permeáveis e impermeáveis, (com ou sem bainha de mielina) a depender da frequência (quantidade/qualidade). O fundamental da liberação dessa energia é que ela passa pelo prazer e pela dor: “Embora esse ego deva esforçar-se por se livrar de suas catexias pelo método da satisfação, isso não pode acontecer de nenhuma outra maneira senão por ele influenciar a repetição das experiências de dor e dos afetos, e pelo método seguinte, que é geralmente descrito como inibição”.  Por certo que a ciência do século XX muito revelou sobre a neuroquímica complexa do cérebro, mas há muito que percorrer no refinamento dessa materialidade, transcendendo em um conhecimento a priori. Embora Freud afirme que “a corrente de quantidade se dividirá na direção das diversas barreiras de contacto na proporção inversa de suas resistências”, ou seja, onde possui mais resistência à entrada de determinada energia é menor. Por isso o curso e a entrada de energia dependerão das facilidades/dificuldades. A questão é quais facilidades/dificuldades, pois a energia em curso sofre múltiplas influências, que pode chegar atenuada, potencializada ou não chegar a seu destino. Se o ego inibe assim os processos primários ou não, acredito que não seja possível demonstrar ainda, pois se a energia que chega até ele é primária, primitiva, ou em processo de evolução, supomos que irá potencializá-lo a depender de suas circunstancias.  É assim que nos processos de memória é possível uma lembrança de sofrimento energizada, ser inibida, através de uma energia que entra e a atravessa. Esse funcionamento do sistema de defesa visa o equilíbrio do ego e a harmonia das pulsões, bem como a autocura.

Referência

FREUD, S.  – [14] INTRODUÇÃO DO EGO (1950 [1895]), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

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