“Com
efeito, porém, com a hipótese da “atração de desejo” e da propensão ao
recalcamento, já abordamos um estado de neurônios impermeáveis, que ainda não
foi discutido. Pois esses dois processos indicam que em sistema de neurônios
impermeáveis se formou uma organização cuja presença interfere nas passagens
(de quantidade) que, na primeira vez, ocorreram de determinada maneira (isto é,
acompanhadas de satisfação ou dor). Essa organização se chama “ego”. Pode ser
facilmente descrito se considerarmos que a recepção sistematicamente repetida
de quantidade endógena em certos neurônios (do núcleo) e o consequente efeito
facilitador produzem um grupo de neurônios que é constantemente catexizado (pg.
368 e 424-5) e que, desse modo, corresponde ao veículo da reserva requerido
pela função secundária (pg. 406). O ego deve, portanto, ser definido como a
totalidade das catexias de neurônios impermeáveis existentes em determinado
momento, nas quais cumpre diferenciar um componente permanente e outro mutável
(pg. 380, adiante). É fácil ver que as facilitações entre os neurônios
impermeáveis fazem parte dos domínios do ego, já que representam
possibilidades, se o ego for alterado, de determinar a sua extensão nos
momentos seguintes”.
“Embora
esse ego deva esforçar-se por se livrar de suas catexias pelo método da
satisfação, isso não pode acontecer de nenhuma outra maneira senão por ele
influenciar a repetição das experiências de dor e dos afetos, e pelo método
seguinte, que é geralmente descrito como inibição”.
“Uma
quantidade que irrompe em um neurônio a partir de um ponto qualquer continuará
em direção à barreira de contacto que estiver mais facilitada, estabelecendo
uma corrente nessa direção. Explicando com mais precisão: a corrente de
quantidade se dividirá na direção das diversas barreiras de contacto na
proporção inversa de suas resistências; e, em tal caso, quando uma fração se
choca contra uma barreira de contacto cuja resistência é inferior a ela
(barreira de contacto), não passará praticamente nada por esse ponto. Essa
relação pode facilmente conduzir-se para cada quantidade no neurônio, pois
poderão surgir frações que sejam superiores também ao limiar de outras
barreiras de contacto. Assim, o curso adotado dependerá das quantidades e da
relação das facilitações. Já conhecemos, porém, o terceiro fator poderoso (pg.
370-1). Quando um neurônio adjacente é simultaneamente catexizado, isso atua
como uma facilitação temporária da barreira de contacto existente entre os
dois, modificando o curso (da corrente), que, de outro modo, teria tomado a
direção de uma barreira de contacto facilitada. Assim, pois, uma catexia
colateral atua como uma inibição do curso da quantidade. Imaginemos o ego como
uma rede de neurônios catexizados e bem facilitados entre si.”
“Suponhamos
que uma quantidade penetrasse no neurônio a vindo do exterior para um sistema
de neurônios permeáveis, então, se não fosse influenciada, ela passaria para o
neurônio b; mas ela é tão influenciada pela catexia colateral - que libera
apenas uma fração para b, e talvez nem sequer chegue de todo a b. Logo, se o
ego existe, ele deve inibir os processos psíquicos primários”.
“Uma
inibição desse tipo representa, porém, uma vantagem decisiva para o sistema de
neurônios impermeáveis. Suponhamos que a seja uma imagem mnêmica hostil e b, um
neurônio-chave para o desprazer (pg. 372). Então, se é despertado, o desprazer
primariamente será liberado, o que talvez fosse inútil e que o é, de qualquer
modo, (quando ele é liberado) em sua totalidade. Com a ação inibitória, a
liberação de desprazer ficará muito reduzida e o sistema nervoso será poupado,
sem qualquer outro dano, do desenvolvimento e da descarga de quantidade. Agora
se torna fácil imaginar como o ego, com o auxílio de um mecanismo que atrai sua
atenção para a nova catexia iminente da imagem mnêmica hostil, pode conseguir
inibir a passagem da quantidade de uma imagem mnêmica para a liberação do
desprazer por meio de uma copiosa catexia colateral que pode ser reforçada de
acordo com as necessidades. E, realmente, se admitirmos que a liberação inicial
de desprazer é captada da quantidade pelo próprio ego, teremos nessa mesma
liberação a fonte do dispêndio que a catexia colateral inibidora exige do ego.
Nesse caso, quanto mais intenso for o desprazer, mais forte será a defesa
primária”.
Considerações sobre o texto de Freud [14] Introdução do Ego do artigo
Projeto para uma Psicologia cientifica. Do desenho de Freud, propomos a imagem
acima: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/28/artigo116936-2.asp
O Ego, o Eu, esse estado de consciência, que nos abrange revelando as
histórias mais secretas da existência; esse ego que somos nós de forma
tangencial, mas que nem por isso pertence a uma escala hierárquica psíquica,
quando pensamos em superego e inconsciente, é pura energia. Para existir de
forma integrada terá que recalcar os conflitos mais íntimos. Essa energia
trafega pelo corpo através da rede neuronal permeável e impermeável, em
intensidade e quantidade, que define o prazer ou a dor, permitindo que haja,
sempre, uma reserva, reinvestida, no sentido do prazer e que essa reserva pode
ser mobilizada. O ego é uma catexia, uma energia, mutável e para tanto percorre
caminhos permeáveis e impermeáveis, (com ou sem bainha de mielina) a depender
da frequência (quantidade/qualidade). O fundamental da liberação dessa energia
é que ela passa pelo prazer e pela dor: “Embora
esse ego deva esforçar-se por se livrar de suas catexias pelo método da
satisfação, isso não pode acontecer de nenhuma outra maneira senão por ele
influenciar a repetição das experiências de dor e dos afetos, e pelo método
seguinte, que é geralmente descrito como inibição”. Por certo que a ciência do
século XX muito revelou sobre a neuroquímica complexa do cérebro, mas há muito
que percorrer no refinamento dessa materialidade, transcendendo em um
conhecimento a priori. Embora Freud afirme que “a corrente de quantidade se
dividirá na direção das diversas barreiras de contacto na proporção inversa de
suas resistências”, ou seja, onde possui mais resistência à entrada de
determinada energia é menor. Por isso o curso e a entrada de energia dependerão
das facilidades/dificuldades. A questão é quais facilidades/dificuldades, pois
a energia em curso sofre múltiplas influências, que pode chegar atenuada, potencializada
ou não chegar a seu destino. Se o ego inibe assim os processos primários ou
não, acredito que não seja possível demonstrar ainda, pois se a energia que
chega até ele é primária, primitiva, ou em processo de evolução, supomos que
irá potencializá-lo a depender de suas circunstancias. É assim que nos
processos de memória é possível uma lembrança de sofrimento energizada, ser
inibida, através de uma energia que entra e a atravessa. Esse funcionamento do
sistema de defesa visa o equilíbrio do ego e a harmonia das pulsões, bem como a
autocura.
Referência
FREUD, S. – [14]
INTRODUÇÃO DO EGO (1950 [1895]), Obras Completas de Psicanálise -
volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
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