23 de novembro de 2014

“A Concepção Quantitativa” e o Equilíbrio de Energia

Deriva diretamente das observações clínicas patológicas, especialmente no que diz respeito a ideias excessivamente intensas — na histeria e nas obsessões, nas quais, como veremos, a característica quantitativa emerge com mais clareza do que seria normal. Processos, como estímulos, substituição, conversão e descarga que tiveram de ser ali descritos (em conexão com esses distúrbios), sugeriram diretamente a concepção da excitação neuronal como uma quantidade em estado de fluxo. Parecia lícito tentar generalizar o que ali se comprovou. Partindo dessa consideração, pôde-se estabelecer um princípio básico da atividade neuronal em relação à quantidade, que prometia ser extremamente elucidativo, visto que parecia abranger toda a função. Esse é o princípio de inércia neuronal: os neurônios tendem a se livrar de quantidade. A estrutura e o desenvolvimento, bem como as funções (dos neurônios), devem ser compreendidos com base nisso.
Em primeiro lugar, o princípio da inércia explica a dicotomia estrutural (dos neurônios) em motores e sensoriais, como um dispositivo destinado a neutralizar a recepção de quantidade, através de sua descarga. O movimento reflexo torna-se compreensível agora como uma forma estabelecida de efetuar essa descarga: a origem da ação fornece o motivo para o movimento reflexo. Se retrocedermos ainda mais, poderemos, em primeira instância, vincular o sistema nervoso, como herdeiro da irritabilidade geral do protoplasma, com a superfície externa irritável (de um organismo), que é interrompida por extensões consideráveis de superfície não irritável. Um sistema nervoso primário se vale dessa quantidade, assim adquirida, para descarregá-la nos mecanismos musculares através das vias correspondentes, e desse modo se mantém livre do estímulo. Essa descarga representa a função primária do sistema nervoso. Aqui existe espaço para o desenvolvimento de uma função secundária. Pois, entre as vias de descarga, são preferidas e conservadas aquelas que envolvem a cessação do estímulo: fuga do estímulo. Em geral, aqui se verifica uma proporção entre a Q de excitação e o esforço requerido para a fuga do estímulo, de modo que o princípio da inércia não seja abalado por isso.
Desde o início, porém, o princípio da inércia é rompido por outra circunstância. À proporção que (aumenta) a complexidade interior (do organismo), o sistema nervoso recebe estímulos do próprio elemento somático — os estímulos endógenos — que também têm que ser descarregados. Esses estímulos se originam nas células do corpo e criam as grandes necessidades: como, respiração, sexualidade. Deles, ao contrário do que faz com os estímulos externos, o organismo não pode esquivar-se; não pode empregar a quantidade deles para a fuga do estímulo. Eles cessam apenas mediante certas condições, que devem ser realizadas no mundo externo. (por exemplo, a necessidade de nutrição.) Para efetuar essa ação (que merece ser qualificada de “específica”), requer-se um esforço que seja independente da quantidade endógena e, em geral, maior, já que o indivíduo se acha sujeito a condições que podem ser descritas como as exigências da vida. Em consequência, o sistema nervoso é obrigado a abandonar sua tendência original à inércia (isto é, a reduzir o nível da quantidade a zero). Precisa tolerar (a manutenção de) um acúmulo de quantidade suficiente para satisfazer as exigências de uma ação específica. Mesmo assim, a maneira como realiza isso demonstra que a mesma tendência persiste modificada pelo empenho de ao menos manter a quantidade no mais baixo nível possível e de se resguardar contra qualquer aumento da mesma — ou seja, mantê-la constante. Todas as funções do sistema nervoso podem ser compreendidas sob o aspecto das funções primária ou secundária impostas pelas exigências da vida. 



Considerações sobre o texto de Freud “Primeiro Teorema Principal: A Concepção Quantitativa” do artigo Projeto para uma Psicologia cientifica. Imagem de Mark F. Bear, Barry W. Connors, Michael A. Paradiso – Neurociências (Desvendando o Sistema Nervoso) pg. 61  

As ideias intensas requer uma grande quantidade de energia, que impulsiona uma excitação neuronal. A quantidade e qualidade dessa carga e descarga de energia, deve ser mantida sob equilíbrio, uma vez que tanto a quantidade de carga, quanto a qualidade no sentido da afinidade com a estrutura psíquica, potencializa os sintomas de defesa e funcionamento do sujeito. Nas células a comunicação entre o líquido intersticial e o citosol, deve ser, para manter o equilíbrio, entre os íons de sódio (+) e de fosfato (-) e os íons de cloreto (-) e os íons de potássio (+), para que se mantenha o equilíbrio celular. De forma semelhante funciona o fluxo de energia psíquica. O princípio da inércia visa o equilíbrio, entre carga e descarga.
Se as superfícies, irritável e não irritável do sistema nervoso, necessita descarregar a quantidade de energia adquirida, para se manter livre do estímulo, interrompendo-o ou imprimindo uma descarga pois visa o, necessário, equilíbrio. Interrogar o que faz uma superfície neuronal ou psíquica, ser mais ou menos irritável é a interrogação da “escolha” de funcionamento, ou seja, está submetido a determinadas leis que ainda desconhecemos.
É assim que a psique diante das exigências da vida tem que “dar conta” de si mesma e dos mecanismos celulares que possuem funcionamentos específicos, e não funciona independente da psique.
A psique deve manter a quantidade de energia o mais baixo possível “e se resguardar contra qualquer aumento da mesma”. Isso é mantê-la constante e ao mesmo tempo trabalhar no sentido da extensão da consciência e diminuição do inconsciente. Uma batalha difícil que vai requerer alguns séculos de estudo e autoconhecimento.

FREUD, S.  – [1] (a) Primeiro Teorema Principal: A Concepção Quantitativa  (1950 [1895]), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

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