Deriva
diretamente das observações clínicas patológicas, especialmente no que diz
respeito a ideias excessivamente intensas — na histeria e nas obsessões, nas
quais, como veremos, a característica quantitativa emerge com mais clareza do
que seria normal. Processos, como estímulos, substituição, conversão e descarga
que tiveram de ser ali descritos (em conexão com esses distúrbios), sugeriram
diretamente a concepção da excitação neuronal como uma quantidade em estado de
fluxo. Parecia lícito tentar generalizar o que ali se comprovou. Partindo dessa
consideração, pôde-se estabelecer um princípio básico da atividade neuronal em
relação à quantidade, que prometia ser extremamente elucidativo, visto que
parecia abranger toda a função. Esse é o princípio de inércia neuronal: os
neurônios tendem a se livrar de quantidade. A estrutura e o desenvolvimento,
bem como as funções (dos neurônios), devem ser compreendidos com base nisso.
Em
primeiro lugar, o princípio da inércia explica a dicotomia estrutural (dos
neurônios) em motores e sensoriais, como um dispositivo destinado a neutralizar
a recepção de quantidade, através de sua descarga. O movimento reflexo torna-se
compreensível agora como uma forma estabelecida de efetuar essa descarga: a
origem da ação fornece o motivo para o movimento reflexo. Se retrocedermos
ainda mais, poderemos, em primeira instância, vincular o sistema nervoso, como
herdeiro da irritabilidade geral do protoplasma, com a superfície externa
irritável (de um organismo), que é interrompida por extensões consideráveis de
superfície não irritável. Um sistema nervoso primário se vale dessa quantidade,
assim adquirida, para descarregá-la nos mecanismos musculares através das vias
correspondentes, e desse modo se mantém livre do estímulo. Essa descarga
representa a função primária do sistema nervoso. Aqui existe espaço para o
desenvolvimento de uma função secundária. Pois, entre as vias de descarga, são
preferidas e conservadas aquelas que envolvem a cessação do estímulo: fuga do estímulo. Em geral,
aqui se verifica uma proporção entre a Q de excitação e o esforço requerido
para a fuga do estímulo, de modo que o princípio da inércia não seja abalado por isso.
Desde o
início, porém, o princípio da inércia é rompido por outra circunstância. À
proporção que (aumenta) a complexidade interior (do organismo), o sistema
nervoso recebe estímulos do próprio elemento somático — os estímulos endógenos
— que também têm que ser descarregados. Esses estímulos se originam nas células
do corpo e criam as grandes necessidades: como, respiração, sexualidade. Deles,
ao contrário do que faz com os estímulos externos, o organismo não pode
esquivar-se; não pode empregar a quantidade deles para a fuga do estímulo. Eles
cessam apenas mediante certas condições, que devem ser realizadas no mundo
externo. (por exemplo, a necessidade de nutrição.) Para efetuar essa ação (que
merece ser qualificada de “específica”), requer-se um esforço que seja
independente da quantidade endógena e, em geral, maior, já que o indivíduo se
acha sujeito a condições que podem ser descritas como as exigências da vida. Em
consequência, o sistema nervoso é obrigado a abandonar sua tendência original à inércia (isto é, a reduzir o nível da quantidade a
zero). Precisa tolerar (a manutenção de) um acúmulo de quantidade suficiente
para satisfazer as exigências de uma ação específica. Mesmo assim, a maneira
como realiza isso demonstra que a mesma tendência persiste modificada pelo
empenho de ao menos manter a quantidade no mais baixo nível possível e de se
resguardar contra qualquer aumento da mesma — ou seja, mantê-la constante.
Todas as funções do sistema nervoso podem ser compreendidas sob o aspecto das
funções primária ou secundária impostas pelas exigências da vida.
Considerações sobre o texto de Freud “Primeiro Teorema Principal: A
Concepção Quantitativa” do artigo
Projeto para uma Psicologia cientifica. Imagem de Mark F. Bear, Barry W.
Connors, Michael A. Paradiso – Neurociências (Desvendando o Sistema Nervoso)
pg. 61
As ideias intensas requer uma grande quantidade de energia, que
impulsiona uma excitação neuronal. A quantidade e qualidade dessa carga e
descarga de energia, deve ser mantida sob equilíbrio, uma vez que tanto a
quantidade de carga, quanto a qualidade no sentido da afinidade com a estrutura
psíquica, potencializa os sintomas de defesa e funcionamento do sujeito. Nas
células a comunicação entre o líquido intersticial e o citosol, deve ser, para
manter o equilíbrio, entre os íons de sódio (+) e de fosfato (-) e os íons de
cloreto (-) e os íons de potássio (+), para que se mantenha o equilíbrio
celular. De forma semelhante funciona o fluxo de energia psíquica. O princípio
da inércia visa o equilíbrio, entre carga e descarga.
Se as superfícies, irritável e não irritável do sistema nervoso,
necessita descarregar a quantidade de energia adquirida, para se manter livre
do estímulo, interrompendo-o ou imprimindo uma descarga pois visa o,
necessário, equilíbrio. Interrogar o que faz uma superfície neuronal ou
psíquica, ser mais ou menos irritável é a interrogação da “escolha” de
funcionamento, ou seja, está submetido a determinadas leis que ainda
desconhecemos.
É assim que a psique diante das exigências da vida tem que “dar conta”
de si mesma e dos mecanismos celulares que possuem funcionamentos específicos,
e não funciona independente da psique.
A psique deve manter a quantidade de energia o mais baixo possível “e
se resguardar contra qualquer aumento da mesma”. Isso é mantê-la constante e ao
mesmo tempo trabalhar no sentido da extensão da consciência e diminuição do
inconsciente. Uma batalha difícil que vai requerer alguns séculos de estudo e
autoconhecimento.
FREUD, S. – [1] (a)
Primeiro Teorema Principal: A Concepção Quantitativa (1950 [1895]), Obras Completas de Psicanálise -
volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
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