19 de julho de 2015

Fragmentos Freudianos

“O amor de Freud pela natureza determinou sua escolha profissional e seu futuro. Ele se mostrou um estudante brilhante quando ingressou no curso médio da escola local, ou Gymnasium oferecia um ensino rigoroso do grego e do latim clássicos preparando os rapazes para a universidade e carreiras proeminentes. Era a educação ideal para um colecionador de antiguidades. As gramáticas grega e latina eram consideradas essenciais para o desenvolvimento do pensamento lógico, o estudo da literatura clássica formava o gosto pelo belo, e a filosofia e a história antiga serviam para despertar sentimentos nobres e heroicos.”
“Foi na escola que teve origem o amor de Freud pela arte e pela arqueologia, quando ele vislumbrou pela primeira vez as civilizações antigas que mais tarde lhe trariam “incomparável consolo nas batalhas da vida”. Freud leu A Ilíada e A Odisseia em grego. Quando estava com nove anos, começou a estudar latim, inclusive Eneida de Virgílio e Metamorfose de Ovídio. Eneida forneceu o mote para A interpretação dos sonhos – “Se eu não conseguir dobrar as forças maiores, incitarei as regiões infernais” -, e Metamorfose foi um livro seminal de mitologia com a transformação mágica por tema. Freud também estudou matemática e ciências, aprendeu inglês e Francês e, com seu dom para os idiomas, estudou sozinho o espanhol e o italiano. Aulas de religião também fizeram parte de seu currículo.”
“No seu último ano de escola, Freud planejava estudar direito, um atalho para ingressar na política, seguindo o destino sugerido pelo poeta no Prater, quando compareceu a uma conferência na qual foi lido o ensaio de Goethe, “Sobre a Natureza”. Assim começa:
Natureza! Estamos cercados e envolvidos por ela; impotentes para penetrar além dela. Sem pedir ou alertar, ela nos puxa para sua dança giratória e nos faz rodopiar até ficarmos cansados e cairmos de seus braços. Ela está sempre criando novas formas. Ela é completa, mas nunca está concluída...Ela se esconde sob milhares de nomes e frases, e é sempre a mesma.”
Esta ode efusiva e animista agradou ao jovem Freud das florestas, à criança que venerava a natureza e que ansiava por restabelecer seu contato rico e intenso com ela. Goethe retratou a natureza como uma força feminina bacante, desinibida, inspiradora e imprudente, interpretando o eterno ciclo da destruição e renovação. A própria terra é imaginada como o corpo da deusa, encantador e irresistível. Freud reagiu a todas essas emoções em março de 1873. Seu retorno a Freiberg ocorrera no verão precedente, uma época em que seus sentimentos sobre o mundo natural estavam particularmente sensíveis. Foi também, graças a sua paixão por Gisela Fluss, um período de excitação sexual, de primeiro amor, de desgosto e saudades. Ele declarou a seu irmão Emil: “Resolvi estudar ciências naturais e, portanto, desobrigo-o da promessa de me deixar cuidar de todos os seus processos jurídicos. Isso não é mais necessário. Vou adquirir conhecimento nos velhos dossiês da natureza, talvez até espreitar seus processos naturais, e partilharei minhas descobertas com qualquer um que queira aprender. Ele não pode ter sido capaz de retornar à floresta, mas conseguiu encontrar um atalho por meio do estudo."

O livro DEUSES DE FREUD – A coleção de arte do pai da psicanálise - de Janine Burke foi entregue a mim como um presente. Fiquei a interrogar como esse jovem, de tão jovem, poderia escolher um livro que falava da alma. Mais do que a alma de Freud, minha própria alma, mais do que a minha, do caminho de sua própria alma. Penso, enfim, que apesar de sua tão pouca idade, é intuitivo, e que sua alma também possui inúmeras interrogações, que por certo, durante sua vida o levará a profundas reflexões e mudanças.
Dito isso, como um eterno agradecimento, faz-se importante a reflexão sobre a desmistificação que a escritora Janine Burke faz sobre Freud. E isso só é possível porque ela percorre com sensibilidade a alma desse grande cientista. Em um mundo materialista, a alma do pai da psicanálise foi sendo desconstruída, na exegese de sua obra, onde muitas análises e referências de seus escritos parecem estéreis. Refere-se a um Freud desvinculado da arte, da religião, mesmo sendo judeu e em algumas interpretações sua obra é citada como materialista. Talvez pelo desconhecimento do quanto Freud se implicou em tudo que escreveu.
É assim que a ode de Goethe, “Sobre a Natureza”: “Natureza! Estamos cercados e envolvidos por ela; impotentes para penetrar além dela. Sem pedir ou alertar, ela nos puxa para sua dança giratória e nos faz rodopiar até ficarmos cansados e cairmos de seus braços. Ela está sempre criando novas formas. Ela é completa, mas nunca está concluída...Ela se esconde sob milhares de nomes e frases, e é sempre a mesma”; Revela a força masculina e ao mesmo tempo feminina da natureza, que encantou Freud ao longo de sua vida e que nós do mundo tecnológico nos distanciamos, esquecemos que nós não somos parte da natureza, nós somos a natureza: humana. O cosmo (e nós) é pura vida pulsante, em um movimento de renascimento, na pulsão a qual, tanto Freud se referiu. O que nossa mônada divina deseja é se religar. 

Referência
BURKE, Janine – DEUSES DE FREUD – A coleção de arte do pai da psicanálise – (2006 – 2010), Rio de janeiro, Editora Record LTDA

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