“O amor de
Freud pela natureza determinou sua escolha profissional e seu futuro. Ele se
mostrou um estudante brilhante quando ingressou no curso médio da escola local,
ou Gymnasium oferecia um ensino rigoroso do grego e do latim clássicos
preparando os rapazes para a universidade e carreiras proeminentes. Era a
educação ideal para um colecionador de antiguidades. As gramáticas grega e
latina eram consideradas essenciais para o desenvolvimento do pensamento
lógico, o estudo da literatura clássica formava o gosto pelo belo, e a
filosofia e a história antiga serviam para despertar sentimentos nobres e
heroicos.”
“Foi na
escola que teve origem o amor de Freud pela arte e pela arqueologia, quando ele
vislumbrou pela primeira vez as civilizações antigas que mais tarde lhe trariam
“incomparável consolo nas batalhas da vida”. Freud leu A Ilíada e A Odisseia em
grego. Quando estava com nove anos, começou a estudar latim, inclusive Eneida
de Virgílio e Metamorfose de Ovídio. Eneida forneceu o mote para A interpretação
dos sonhos – “Se eu não conseguir dobrar as forças maiores, incitarei as
regiões infernais” -, e Metamorfose foi um livro seminal de mitologia com a
transformação mágica por tema. Freud também estudou matemática e ciências,
aprendeu inglês e Francês e, com seu dom para os idiomas, estudou sozinho o
espanhol e o italiano. Aulas de religião também fizeram parte de seu currículo.”
“No seu
último ano de escola, Freud planejava estudar direito, um atalho para ingressar
na política, seguindo o destino sugerido pelo poeta no Prater, quando
compareceu a uma conferência na qual foi lido o ensaio de Goethe, “Sobre a
Natureza”. Assim começa:
Natureza!
Estamos cercados e envolvidos por ela; impotentes para penetrar além dela. Sem
pedir ou alertar, ela nos puxa para sua dança giratória e nos faz rodopiar até
ficarmos cansados e cairmos de seus braços. Ela está sempre criando novas
formas. Ela é completa, mas nunca está concluída...Ela se esconde sob milhares
de nomes e frases, e é sempre a mesma.”
Esta ode
efusiva e animista agradou ao jovem Freud das florestas, à criança que venerava
a natureza e que ansiava por restabelecer seu contato rico e intenso com ela.
Goethe retratou a natureza como uma força feminina bacante, desinibida,
inspiradora e imprudente, interpretando o eterno ciclo da destruição e
renovação. A própria terra é imaginada como o corpo da deusa, encantador e
irresistível. Freud reagiu a todas essas emoções em março de 1873. Seu retorno
a Freiberg ocorrera no verão precedente, uma época em que seus sentimentos
sobre o mundo natural estavam particularmente sensíveis. Foi também, graças a
sua paixão por Gisela Fluss, um período de excitação sexual, de primeiro amor,
de desgosto e saudades. Ele declarou a seu irmão Emil: “Resolvi estudar
ciências naturais e, portanto, desobrigo-o da promessa de me deixar cuidar de
todos os seus processos jurídicos. Isso não é mais necessário. Vou adquirir
conhecimento nos velhos dossiês da natureza, talvez até espreitar seus
processos naturais, e partilharei minhas descobertas com qualquer um que queira
aprender. Ele não pode ter sido capaz de retornar à floresta, mas conseguiu
encontrar um atalho por meio do estudo."
O livro
DEUSES DE FREUD – A coleção de arte do pai da psicanálise - de Janine Burke foi
entregue a mim como um presente. Fiquei a interrogar como esse jovem, de tão
jovem, poderia escolher um livro que falava da alma. Mais do que a alma de
Freud, minha própria alma, mais do que a minha, do caminho de sua própria alma.
Penso, enfim, que apesar de sua tão pouca idade, é intuitivo, e que sua alma
também possui inúmeras interrogações, que por certo, durante sua vida o levará a
profundas reflexões e mudanças.
Dito isso,
como um eterno agradecimento, faz-se importante a reflexão sobre a
desmistificação que a escritora Janine Burke faz sobre Freud. E isso só é
possível porque ela percorre com sensibilidade a alma desse grande cientista.
Em um mundo materialista, a alma do pai da psicanálise foi sendo desconstruída,
na exegese de sua obra, onde muitas análises e referências de seus escritos
parecem estéreis. Refere-se a um Freud desvinculado da arte, da religião, mesmo
sendo judeu e em algumas interpretações sua obra é citada como materialista.
Talvez pelo desconhecimento do quanto Freud se implicou em tudo que escreveu.
É assim
que a ode de Goethe, “Sobre a Natureza”: “Natureza!
Estamos cercados e envolvidos por ela; impotentes para penetrar além dela. Sem
pedir ou alertar, ela nos puxa para sua dança giratória e nos faz rodopiar até
ficarmos cansados e cairmos de seus braços. Ela está sempre criando novas
formas. Ela é completa, mas nunca está concluída...Ela se esconde sob milhares
de nomes e frases, e é sempre a mesma”; Revela
a força masculina e ao mesmo tempo feminina da natureza, que encantou Freud ao
longo de sua vida e que nós do mundo tecnológico nos distanciamos, esquecemos que nós não somos parte da natureza, nós somos a natureza: humana. O cosmo (e nós) é pura vida pulsante, em um movimento de renascimento, na
pulsão a qual, tanto Freud se referiu. O que nossa mônada divina deseja é se religar.
Referência
BURKE,
Janine – DEUSES DE FREUD – A coleção de arte do pai da psicanálise – (2006 –
2010), Rio de janeiro, Editora Record LTDA
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