Quando
Freud pensou nos protozoários, como indivíduos com um enigma de eternidade,
pela sua composição, e os seres evoluídos com pulsão de morte, estava, talvez
sem o saber, falando que os seres evoluídos caminham para a morte porque são
habitados pelos seres unicelulares. Então se a morte dá ao homem a eternidade é
porque este contém em si algo que está “além do princípio do prazer”. O
princípio do prazer-desprazer é como o equilíbrio entre a vida e a morte, por
isso a compulsão a repetição é um “ponto de partida” nesse equilíbrio e ao
mesmo tempo ao funcionamento psíquico condicionado. Se um instinto é um impulso
determinado hereditariamente, ele não é somente inerente à vida orgânica, mas a
vida psíquica também, que tende a restaurar estados psíquicos anteriores. Assim
é possível falar não somente em uma elasticidade orgânica, mas uma elasticidade
psíquica, a resiliência. A vida orgânica é um espelho da alma. Portanto “vemos como o germe de um animal
vivo é obrigado, no curso de sua evolução, a recapitular (mesmo se de maneira
transitória e abreviada) as estruturas de todas as formas das quais se
originou, em vez de avançar rapidamente, pela via mais curta, até sua forma
final. Esse comportamento é, apenas em grau muito tênue, atribuível a causas
mecânicas, e, por conseguinte, a explicação histórica não pode ser desprezada.
Assim também o poder de regenerar um órgão perdido, fazendo crescer de novo um
outro exatamente semelhante, estende-se bem acima do reino animal” (p.48). Dessa forma a vida está sempre
se refazendo nascendo e morrendo, fluindo em um movimento de equilíbrio. As
bactérias que um dia consumirá nosso organismo já habitam dentro de nós desde o
nascimento.
Não é
possível desvincular nosso passado do passado da terra e do universo. E Freud
vai afirmar isso quando diz que “o
que deixou sua marca sobre o desenvolvimento dos organismos deve ter sido a
história da Terra em que vivemos e de sua relação com o Sol” (p.48). Assim há muito de repetição em
nossa psique. Essa “necessidade” de retorno diz respeito a uma possível
experiência primeira saudável ou a nossa queda aos instintos primitivos, que
demanda elaboração. Essa luta interna que todos os organismos fizeram em sua
evolução entre vida e morte diz respeito a uma lei do universo e da natureza,
que tudo nasce, morre e nasce. A semente de uma árvore não é a árvore, e ao
mesmo tempo é ela modificada. Como até o presente momento a ciência debate se a
vida surgiu no “caldo primitivo” ou se veio na “poeira estelar” é questão que
ainda demanda séculos. O objetivo é sempre a vida, que está “além do princípio
do prazer”. “Daí surgir a situação paradoxal de que o organismo vivo luta
com toda a sua energia contra fatos (perigos, na verdade) que poderiam
auxiliá-lo a atingir mais rapidamente seu objetivo de vida, (que é morrer)* por uma espécie de curto-circuito”
(p.50), o que é contraditório
com “além do princípio do prazer”. O enigma da vida e morte é uma interrogação
para todos, e Freud acalenta sua angústia com a afirmação de que “a totalidade do caminho do
desenvolvimento para a morte natural não é percorrido por todas as entidades
elementares que compõem o complicado corpo de um dos organismos mais elevados.
Algumas delas, as células germinais, provavelmente retêm a estrutura original
da matéria viva e, após certo tempo, com todo o seu complemento de disposições
instintuais herdadas e recentemente adquiridas, separam-se do organismo como um
todo. Essas duas características podem ser exatamente aquilo que as capacita a
ter uma existência independente. Sob condições favoráveis, começam a
desenvolver-se, isto é, a repetir o desempenho a que devem sua existência, e,
ao final, mais uma vez uma parte de sua substância leva sua evolução a um
término, ao passo que outra parte reverte novamente, como um germe residual
novo, ao início do processo de desenvolvimento. Essas células germinais,
portanto, trabalham contra a morte da substância viva e têm êxito em conseguir
para ela o que só podemos encarar como uma imortalidade potencial, ainda que
isso possa significar nada mais do que um alongamento da estrada para a morte.
Temos de considerar como significante, no mais elevado grau, o fato de essa
função da célula germinal ser reforçada, ou só tornada possível, se ela
fundir-se com outra célula similar a si mesma e, contudo, diferente dela” (p.50-51). Nesse trecho o artigo
reforça a ideia de um princípio ativo, uma substancia viva, composto de uma
energia que habita o corpo humano e que sobrevive a ele, na concepção de
eternidade, pois, ao mesmo tempo em que evolui e termina, outra parte evolui e
continua.
Por certo
que em todos os revezes do homem no planeta, entre avanços e recuos, há em sua
maioria uma necessidade de evoluir, de realização intelectual e “sublimação
ética” e, portanto moral. Muitas atrocidades têm sido cometidas na história
humana entre os homens. Mas há sempre um instinto, uma pulsão, uma energia para
a sublimação da alma, em contraposição a instintos primitivos. Essas cargas de
energia contrárias estarão em luta, onde os instintos para sublimação terão que
ser maiores, para que a compulsão a repetição, passe a se dar com um fluir
contínuo de energia. Se o corpo em seu incessante renovar de células aponta uma
questão de imortalidade é porque como diz Fliess (1906) em “sua morte estão vinculados à
conclusão de períodos fixos, os quais expressam a dependência de dois tipos de
substância viva (um masculino e outro feminino) quanto ao ano solar” (p.55). A concepção biológica de imortalidade
se dá pela compreensão através das células germinais, seu plasma germinal e as
forças que operam nele, e por ser um fluido traz uma herança de renovação da
vida.
A vida e
morte na terra são uma adaptação e uma evolução dos seres multicelulares. Esse
ciclo, morrer e viver são o ciclo corpo e plasma. Se a imortalidade dos
protozoários pode ser experimentalmente demonstrável na medida em que é
introduzido em seu fluido nutrientes enriquecedores, a imortalidade dos seres
multicelulares diz respeito ao plasma, e a morte ao nível de toxinas que
deterioram o corpo. “Nesse
ponto, bem pode surgir em nosso espírito a dúvida quanto, a saber, se servimos
a algum objetivo ao tentar solucionar o problema da morte natural a partir do
estudo dos protozoários. A organização primitiva dessas criaturas pode
ocultar-nos condições importantes que, embora de fato presentes nelas também,
só se tornam visíveis nos animais superiores, quando podem encontrar expressão
morfológica. E, se abandonarmos o ponto de vista morfológico e adotarmos o
dinâmico, torna-se-nos completamente indiferente poder demonstrar se a morte
natural ocorre ou não nos protozoários. A substância que posteriormente é
reconhecida como imortal, neles não se separou ainda da mortal” (p. 59-60). Se no humano a
substancia imortal separou-se da mortal, o corpo, então é possível acreditar
que a morte, pode fazer parte do ciclo da vida, e o desejo de viver está ligada
a quantidade de energia que circunda o ser humano. Quando as descobertas
cientificas aprofundarem as pesquisas sobre o plasma, que no momento são
restritas ao plasma sanguíneo e não a quantidade de energia que o compõe, ao
plasma que compõe as células, continuaremos no campo da hipótese, quanto a
pulsão de vida e morte.
Essa
pulsão de vida remonta aos primórdios da humanidade e torna-se uma provação,
quando a energia é direcionada em função do instinto sexual. Então é importante
remontar na história a hipótese de como “Platão
colocou na boca de Aristófanes no Symposium e que trata não apenas da origem do
instinto sexual, mas também da mais importante de suas variações em relação ao
objeto. ‘A natureza humana original não era semelhante à atual, mas diferente.
Em primeiro lugar, os sexos eram originalmente em número de três, e não dois,
como são agora; havia o homem, a mulher, e a união dos dois (…)’ Tudo nesses
homens primevos era duplo: tinham quatro mãos e quatro pés, dois rostos, duas
partes pudendas, e assim por diante. Finalmente, Zeus decidiu cortá-los em
dois, ‘como uma sorva que é dividida em duas metades para fazer conserva’.
Depois de feita a divisão, ‘as duas partes do homem, cada uma desejando sua
outra metade, reuniram-se e lançaram os braços uma em torno da outra, ansiosas
por fundir-se” (p.68). Os
estudos apontam que é possível que Platão remontasse esses escritos aos
Upanishads. “Assim a passagem
encontrada no “Brihadâranyaka-upanhishad, onde a origem do mundo a partir do
Atman (o Eu, ou Ego) é assim descrita: “Mas não sentiu deleite. Assim também um
homem que está solitário não sente deleite. Desejou ter um segundo. Era um
homem tão grande quanto marido e mulher juntos. Fez então o seu Eu tombar em
dois e surgiram então esposo e esposa. Assim Yagñavalkya disse “Nós somos assim
(cada um de nós) como a metade de uma concha”. E dessa maneira o vazio que
havia foi preenchido pela esposa” (p.68).
O elemento de verdade que possivelmente Platão viu nesses escritos indianos foi
a divisão da substancia viva do corpo.
A
substancia viva, essa energia está vinculada ao princípio da vida em construção
de sua identidade, e que está “além do princípio do prazer”. Mas essa
construção passa por vivências, passagens de sofrimentos. Esses sofrimentos e a
energia deles descartada pode libertar o “aparelho mental de excitações”,
primárias, do começo da vida mental, e outras sequenciais, secundárias,
experimentando, assim, uma sensação de alivio. Nossa consciência e nosso
superego são vigilantes dedicados. Então o prazer, o desprazer e a tensão
interna, quando pressionam por revelar-se, passa pela censura, com inúmeros
véus de significantes até serem elaborados novamente.
*Grifos
Nossos
Referência
FREUD, S.
ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER (1920). Obras Completas de Psicanálise - volume
XVIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
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