O retorno
do reprimido, pela compulsão a repetição, apesar de apresentar-se como prazer,
ao contato com a realidade sob comando do superego, assume sua essência que é o
desprazer, pois refere-se a impulsos instintuais reprimidos e que precisam ser
drenados. O que é interessante, por demandar cura, é que mesmo as experiências
dolorosas, destituídas de prazer, estão submetidas à compulsão a repetição,
como via, a ser interpretadas e renunciadas em seu processo de cura. A primazia
da vida passa por essa repetição, por esse retorno. Se essa compulsão a
repetição conflui em uma compulsão do destino, de uma história, é porque não
foi esgotada, exaurida em sua energia, possibilitando novos significados. Então
as percepções do mundo exterior, as vivências, as falas, os sentimentos,
encontram ressonâncias nesses resíduos mnêmicos. É dessa forma que assume
importância pensar em um sistema pré-consciente, que fica em uma suposta
ausência, mas também no comando, possui recursos de extensão, que está atenta
às marcas mnêmicas, embora em sua maioria estas não acessem a consciência.
Quando uma
lembrança torna-se consciente, pode deixar atrás de si um traço de memória em
seu intrincado sistema, por onde passam as excitações que recebem, como
representação. O que faz uma lembrança deixar atrás de si um traço de memória
ou não ainda é uma incógnita. Como o pensamento é a essência da alma, a
consciência surge como uma apropriação de si mesmo. A especulação sobre a
localização da consciência passa pelos processos excitatórios. É como se algo
tivesse, constantemente, que estimular determinado campo do pensamento para que
fosse possível a manutenção da consciência. Freud descreve isso da seguinte
forma: “o sistema nervoso
central se origina do ectoderma; a matéria cinzenta do córtex permanece um
derivado da camada superficial primitiva do organismo e pode ter herdado
algumas de suas propriedades essenciais. Seria então fácil supor que, como
resultado do impacto incessante de estímulos
externos sobre a superfície da vesícula, sua
substância, até uma certa profundidade, pode ter sido permanentemente
modificada, de maneira que os processos excitatórios nela seguem um curso
diferente do seguido nas camadas mais profundas. Formar-se-ia então uma crosta
que acabaria por ficar tão inteiramente ‘calcinada’ pela estimulação, que
apresentaria as condições mais favoráveis possíveis para a recepção de
estímulos e se tornaria incapaz de qualquer outra modificação. Em termos do
sistema Consciente. Isso significa que seus elementos não poderiam mais
experimentar novas modificações permanentes pela passagem da excitação, porque
já teriam sido modificados, a esse respeito, até o ponto mais amplo possível;
agora, contudo, se teriam tornado capazes de dar origem à consciência. É
possível formar várias ideias, que não podem, de momento, ser verificadas,
quanto à natureza dessa modificação da substância e do processo excitatório.
Pode-se supor que, ao passar de determinado elemento para outro, a excitação
tem de vencer uma resistência e que é a diminuição da resistência assim
alcançada que deixa um traço permanente da excitação, isto é, uma facilitação”
(p.37). A hipótese orgânica aqui, é que, essa camada interna de tão
calcinada, seria mais receptiva aos estímulos, formando a consciência, como um
escudo protetor. Mas mesmo na consciência, que não é um órgão, haverá também
uma resistência psíquica, para aquilo que é insuportável para o sujeito, ou que
é difícil elaborar.
Quando
pensamos em como o corpo humano constrói a si mesmo, em sua pulsão, vida e
morte temos “a vesícula viva,
com sua camada cortical receptiva. Esse pequeno fragmento de substância viva
acha-se suspenso no meio de um mundo externo carregado com as mais poderosas
energias, e seria morto pela estimulação delas emanadas, se não dispusesse de
um escudo protetor contra os estímulos. Ele adquire esse escudo da seguinte
maneira: sua superfície mais externa deixa de ter a estrutura apropriada à
matéria viva, torna-se até certo ponto inorgânica e, daí por diante, funciona
como um envoltório ou membrana especial, resistente aos estímulos. Em
consequência disso, as energias do mundo externo só podem passar para as
camadas subjacentes seguintes, que permaneceram vivas, com um fragmento de sua
intensidade original, e essas camadas podem dedicar-se, por trás do escudo
protetor, à recepção das quantidades de estímulo que este deixou passar”(p.38). Esse “até certo ponto inorgânica” deve
ser compreendido como uma metáfora, pois o mais apropriado seria pensar que
essa camada externa, de tanto receber e barrar os estímulos, tornou-se
insensível a estes, e ao mesmo tempo, protegeu as camadas mais internas. Então
como continua Freud “através
de sua morte a camada exterior salvou todas as camadas mais profundas de um
destino semelhante, a menos que os estímulos que a atinjam sejam tão fortes que
atravessem o escudo protetor”. Assim
tão importante quanto receber estímulos, é proteger-se contra os mesmos. A
questão da “morte” aqui, também, constitui-se uma metáfora, a sequência da
frase assim levanta a hipótese. Fortes cargas de energia sempre existirão, e em
virtude de sua quantidade e qualidade poderia representar uma ameaça à
existência, ou à estrutura psíquica.
Referência
FREUD, S. ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER (1920).
Obras Completas de Psicanálise - volume XVIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
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