8 de maio de 2013

Direitos Humanos e Saúde Mental

Há que se pensar a questão de Direitos Humanos e Saúde Mental nas categorias do outro dialético, constituído de responsabilidade e liberdade, que é a condição da razão. Se há prejuízo em sua capacidade de julgamento e contato com o real, há liberdade e responsabilidade. O sujeito não está destituído de sua subjetividade e seus afetos. O problema ético é de direção clínica. A crise e seus sintomas sejam eles delírios, manias, depressão, alucinação, processos obsessivos compulsivos, uso de substancias psicoativas, ansiedade, angústia, sadismo, masoquismo, etc. Que em muitos sujeitos podem estar “colados” ao ego como parte integrante deste, não pode prescindir da alteridade do sujeito, sua autonomia e respeito. Se os sintomas de defesa são incapacitantes para o trabalho ou para a autonomia, há que resgatá-los para facilitar o processo transferencial necessário às associações inconscientes em um tratamento humanizado, de acolhimento, escuta “fina”, resgate da história do sujeito para que seja possível a simbolização de seu mundo interno e ele não seja morto simbolicamente. Só assim é possível contrapor a estigmatização, (que abrange negros, mulheres, crianças, desempregados, pobres, pessoas com dificuldades, idosos, "doentes mentais") que se apoia em uma “condição original” e anula a condição humana. O direito ao atendimento médico-psicológico em liberdade, a falar em vez de calar com o medicamento (a medicação é necessária em alguns casos, mas não como clínica), pois como clínica aliena o sujeito a si próprio, ao trabalho e moradia, ao acompanhamento das famílias, para que sejam preparadas a cuidar de quem precisa de cuidados específicos. As situações mais graves dizem respeito às crianças e adolescentes que são colocadas em instituições para medicalização.
  
A lei de internamento compulsório, ou seja, de um internamento judicial ou um sistema que se estabelece de controle judicial de internamento e assim de limpeza higiênica histórica da sociedade? Lembremo-nos dos leprosos dos tempos remotos e as leis que os segregavam. Esta tem sido a história da humanidade. Se a família não consegue lidar com os sintomas de seus membros cabe essa transferência no sentido psicanalítico ao Estado de Direito? Como é possível construir uma “clínica da cura” com segregação? Seja no sentido do preconceito, da higienização ou do “status” do “lugar de poder” em que o profissional se coloca? Afinal “há um outro”, doente, no sentido a que Lacan se refere, onde não há implicação dos profissionais e do próprio Estado. No mundo em que vivemos precisamos como os Médicos Sem Fronteiras de Psicólogos Sem Fronteiras.

Quando são noticiados os casos de refugiados, prisioneiros, trabalho escravo, moradores de rua, miséria, não há palavras articulando Direitos Humanos e Saúde Mental, destas categorias constituintes do Estados de Direito. Qual ética está sendo articulada? O direito a liberdade para uma saúde mental que já possui seus comprometimentos, é o direito de falar, de significar, reconstruir a subjetividade, a identidade, um ideal de ego. Então podemos interrogar: como matar um sujeito que leva o diagnóstico de “doente mental”? Pelo diagnóstico, pelo tratamento sem humanização, sem acolhimento e  escuta. É a morte simbólica por que a palavra está ausente, já se matou a palavra. A morte física é uma decorrência, para um sujeito em que “não existe para a sociedade”, ele é invisível. Mas que dizer da infinidade de diagnósticos “autismo”, “síndromes” diversas, “espectros” diversos, “dificuldades” diversas, etc. que aflige a condição humana e que é tratado de forma “política” sem levar em consideração suas subjetividades, desejos, sexualidade, alteridade, autonomia, como se na arquitetura psíquica desses sujeitos não houvesse um id, ego, superego? Todos sabemos que a “clínica política” da ritalina, com status para  convencimento dos pais, amordaça o sujeito. A medicalização é um suporte terapêutico em determinado momento, afora isso como clínica ela anestesia o sujeito e fomenta a indústria farmacêutica, que é das mais rentáveis do mundo. Suportar a dor das violências vivenciadas na infância ou em circunstancias da vida sem a palavra que inclui o acolhimento, a compreensão, a interpretação e resinificação das histórias e significantes não é tarefa fácil.
  
Dessa forma o que vemos nas categorias abordadas acima é a morte civil do sujeito, a loucura “fabricada”, produzida. Há que se interrogar: se as circunstancias e vicissitudes fossem outras mesmo a despeito da filogenética, quais seriam os destinos desses sujeitos? Os medicamentos? Os erros de diagnóstico? Existe diagnóstico diferencial ou a grande maioria são enquadrados em uma sigla? no Iêmen, imigrantes são libertados  de contrabandistas: "A maioria dos imigrantes referidos para o hospital de Al-Mazraq foram vítimas de tráfico de pessoas e submetidos a trabalho análogo à escravidão. Eles apresentavam sintomas de tortura e abusos verbal, físico e sexual. Alguns deles tiveram suas unhas arrancadas ou suas línguas parcialmente cortadas; outros levaram surras. A equipe de MSF também tratou pessoas com doenças graves que podem ameaçar suas vidas, como pneumonia, malária grave ou dengue". http://www.msf.org.br/noticias/1649/no-iemen-imigrantes-sao-libertados-de-contrabandistas

Da dicotomia loucura-razão é possível interditar-se um sujeito, com abordagens “técnicas”, subjetivas, "jurídicas". É muito comum ouvir dos pacientes internados em instituições psiquiátricas: “se quiser sair daqui tem que se comportar como eles querem”. Assim muitas têm sido as Declarações de Direitos Humanos e Saúde Mental, citamos aqui alguns trechos nos endereços abaixo:
 
O direito ao consentimento informado completo 
Divulgação completa de todos os riscos documentados de qualquer droga ou “tratamento” proposto. 
O direito de ser informado de todos os tratamentos médicos disponíveis, que não incluem a administração de um medicamento ou tratamento psiquiátrico. 
O direito de recusar qualquer tratamento que o paciente considere prejudicial. 
Não pode ser administrada a nenhuma pessoa tratamento psiquiátrico ou psicológico contra a sua vontade. 
A nenhuma pessoa, homem, mulher ou criança, pode ser negada a sua liberdade pessoal devido a suposta doença, mental sem um julgamento justo pela justiça e com representação legal apropriada. 
O paciente tem: 
O direito a ser tratado com dignidade como ser humano. 
O direito a ter um exame físico e clínico completo por um médico de medicina geral registrado e competente de escolha pessoal, para assegurar que a condição mental de uma pessoa não é causada por qualquer doença física, ferimento ou defeito, não detectada e sem tratar e o direito a procurar uma segunda opinião médica da sua escolha. 
O direito a instalações médicas totalmente equipadas e pessoal médico treinado de forma apropriada nos hospitais, para que possam ser executados exames clínicos e físicos competentes. 
O direito a escolher o gênero ou tipo de terapia a ser utilizado e o direito a discutir isto com um médico de medicina geral, ou de escolha pessoal. 
O direito a que todos os efeitos secundários de qualquer tratamento oferecido sejam tornados conhecidos e compreensíveis para o paciente, por escrito e na língua materna do paciente. 
O direito de aceitar ou recusar tratamento, mas em particular, o direito de recusar a esterilização, tratamento de eletrochoque, choque de insulina, a lobotomia (ou qualquer outra operação cerebral psicocirúrgica), terapia de aversão, narcoterapia, terapia de sono profundo e quaisquer drogas que produzem efeitos secundários indesejados. 
O direito a fazer queixas oficiais, sem represálias, a um quadro independente, que é composto por pessoal não psiquiátrico, advogados e leigos. As queixas podem abranger quaisquer tratamentos ou punições tortuosos, cruéis, desumanos ou degradantes recebidos enquanto sob cuidado psiquiátrico. 
 O direito a ter aconselhamento privado e individual. 
O direito a se libertar de uma instalação psiquiátrica em qualquer altura e a estar livre sem confinamentos. 
O direito a gerir a sua própria propriedade e assuntos com um conselheiro legal, se necessário, ou se considerado incompetente por um tribunal, a ter um advogado executor nomeado pelo Estado para gerir tais propriedades até ser considerado competente. Tal executor é responsável perante a família próxima do paciente, ou conselheiro legal ou tutor. 
O direito a ver e a possuir os registros hospitalares pessoais e a agir legalmente de acordo a qualquer informação falsa aí contida que possa ser prejudicial para a reputação pessoal. 
O direito a procurar ação criminal, com a ajuda plena de agentes da autoridade, contra qualquer psiquiatra, psicólogo ou pessoal hospitalar no caso de qualquer abuso, falsa detenção, agressão como resultado do tratamento, abuso ou violação sexual, ou qualquer violação da saúde mental ou de outra lei. E o direito a uma lei de saúde mental que não indeniza ou modifica as penas para o tratamento criminoso, abusivo ou negligente de pacientes, cometido por qualquer psiquiatra, psicólogo ou pessoal hospitalar. 
O direito a processar os psiquiatras, as suas associações e faculdades, a instituição, ou o pessoal por detenção ilegal, relatórios falsos ou tratamento prejudicial. 
O direito à educação ou treino para capacitar uma pessoa a ganhar o seu sustento quando recebe alta e o direito de escolha quanto ao tipo de educação ou treino que é recebido. 
O direito a receber visitas e um ministro da sua fé. 
O direito de fazer e receber telefonemas e o direito à privacidade respeitante a toda a correspondência de e para qualquer pessoa. 
O direito a associar–se livremente ou não com qualquer grupo ou pessoa numa instituição, hospital ou instalação psiquiátrica. 
O direito a um ambiente seguro sem ter nesse ambiente pessoas quer foram colocadas aí por razões de crime. 
O direito a estar com outras pessoas do seu grupo etário. 
O direito a usar roupas pessoais, a ter pertences pessoais e a ter um lugar seguro onde os colocar. 
O direito a uma dieta e nutrição apropriada e a três refeições diárias. 
O direito a instalações higiênicas e não superlotadas, e a tempo de lazer e descanso suficiente e imperturbável.
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