5 de maio de 2013

O ideal do ego e a formação de valores

“a propriedade de ser consciente ou não constitui, em última análise, o nosso único farol na treva da psicologia profunda”. Freud

O ideal seja em relação às quais objetos e experiências, perseguem nossa curta existência na terra. Desejamos uma vida ideal, uma casa ideal, uma família ideal, um país ideal um amor ideal, um planeta ideal. Nosso psiquismo também deseja um ideal. Mas não é fácil, é tarefa árdua e de infindáveis séculos. No que diz respeito ao processo de defesa, o ego funciona como um guerreiro com superpoderes para agir em todos os flancos. Mas a vida é para guerreiros e somos todos guerreiros em nossa vida diária.

Construído ao longo da história do homem desde a concepção em seu processo neuronal, foi projetado para lidar com  situações de extrema pressão. Reconhece o perigo real, e reconhecendo-o decide se dá passagem e renuncia a satisfação instintual ou convence-se de que não há razão para o medo, rejeitando assim a realidade e mantendo a satisfação a despeito do perigo real. Essa defesa depende do tipo de funcionamento psíquico de cada sujeito. O conflito com o qual o ego se depara é da seguinte forma:
1. Rejeitar a realidade e qualquer proibição;
2. Reconhece o perigo da realidade, assume o medo e tenta livra-se do medo. Ou seja, coloca-se em grande dificuldade.

Permitir a satisfação ou mostrar um “respeito pela realidade” tem um custo psíquico alto que é o desencadeamento de uma cisão no ego que segundo Freud “nunca se cura” e que “aumenta à medida que o tempo passa”. Essas reações diferentes e contrarias ao conflito com o qual o ego se depara é o ponto central da divisão. Não podemos esquecer que a despeito dessa cisão há uma função sintética no ego. é a partir dessa função sintética que supomos possível a cura.

E o inconsciente, o que podemos falar sobre ele? Que se manifesta principalmente pelo consciente preenchendo determinadas lacunas desse conflito, que é o conflito do real, imaginário e fantasia. Aqui vai situar-se a representação, instancia reprimida e instancia repressora, onde o que é reprimido possui maior vinculação com o inconsciente e a repressão com o consciente. Mas o inconsciente faz parte do ego e grande parte desse é inconsciente. Aqui retomamos o conceito de pré-consciente (também possui conteúdos inconsciente) de Freud como uma instancia que facilita a mobilidade dos conteúdos inconsciente-consciente.

“Estar consciente” é algo extremamente móvel, pois uma ideia não permanece consciente por muito tempo, pode ser rápida sua permanência na consciência, podendo ficar latente (inconsciente), e voltar à consciência. Existem experiências infantis que são muito impactantes, que podem nunca vir a se tornar conscientes, podendo gerar processos mentais poderosos, produzindo efeitos que podem tornar-se conscientes como ideias, embora as experiências em si não se tornem conscientes, pois uma barreira, como defesa, resistência, os impede, e uma vez reveladas aumenta a cisão do ego e compromete a saúde mental.

É genial e intuitivo quando Freud obtém o conceito de inconsciente, colocando que os filósofos o chamariam de “psicóide”.  É complexa a percepção do que é consciente e do que é inconsciente, bem como a organização coerente de processos mentais. Pela vastidão em que se pode conceber o inconsciente, haverá sempre experiências as quais as lembranças não voltarão à consciência nem como representações, como real ou mesmo como delírio. Sabemos que o inconsciente não coincide com o reprimido e tudo que é reprimido é inconsciente, mas nem tudo que é  inconsciente é reprimido, pois é parte do ego, embora a maior parte seja inconsciente. O inconsciente que habita o ego não está em estado latente, mais difícil de tornar-se consciente do que os conteúdos do pré-consciente. A questão é se existe como coloca Freud um “terceiro inconsciente” que não é reprimido. Quando Freud pensa a topografia mental ele o faz a luz das experiências perceptivas externas e internas. Suas interrogações surgem quando se depara com o enigma: Os processos internos (pensamentos, sentimentos) avançam gerando a consciência ou a consciência abre caminho até eles? E assim ele coloca uma  terceira alternativa: o inconsciente é efetuado em algum material que permanece desconhecido, enquanto o pré-consciente é colocado em vinculação com representações verbais, que são resíduos de lembranças.

Tudo o que é produzido pelas experiências infantis, sejam através de vivências, ou do imaginário para tornar-se consciente devem ligar-se a percepções externas presentes. Para Freud as lembranças residuais estão contidas próximas ao consciente, e sua energia pode estender-se para o consciente. Quando uma lembrança é revivida sua energia permanece na lembrança, enquanto que uma alucinação que não é distinguível de uma percepção pode surgir quando a energia se transfere inteiramente para o pré-consciente, sem se estender pelas lembranças. Se em análise aflora através de vínculos, que vai ser denominada de “associação livre”. As vivências infantis barradas pelo inconsciente, tidas como desprazeirosas, no transcurso do desenvolvimento em um sentido de mudança, de descarga, ou seja, há um aumento da necessidade de liberação necessitando da construção de vínculos representações para se tornarem conscientes. Podemos pensar em um ego móvel. O ego infantil não é o mesmo de um jovem e na sequencia de um adulto ou idoso, mas em cada um há traços de seu desenvolvimento e marcas dos conflitos e sofrimentos pelos quais passou. Esse movimento do psiquismo é abrangente, pois durante o sono sejam através dos sonhos ou não complexas elaborações e ações estão a se processar.

Na construção e desenvolvimento da estrutura psíquica o processo de identificação (ideal do ego) com o pai ou com a mãe, é uma operação do ego, mas não só com um ego do aqui, agora. É uma possibilidade de o inconsciente abandonar seus objetos e estabelecer a relação com o outro. Então é possível o ego assumir as características do objeto desejado pelo inconsciente, criando uma ilusão de satisfação para o inconsciente. Na origem do ideal do ego há a identificação com os pais e suas escolhas objetais, bem como as escolhas do próprio sujeito. Dessas identificações e no contexto dessa relação triangular ocorre a formação de precipitados no ego que o modifica, confrontando-o com outros conteúdos do ego como um ideal do ego ou superego, assim o ideal do ego tem a missão de reprimir os instintos.

Não há garantias de que quanto mais cedo os desejos e fantasias infantis sucumbirem ao superego, estarão “a salvo” de um retorno deslocado da realidade, depende do poder (da quantidade, intensidade e qualidade) dos desejos que habitam o ser da criança. A diferenciação do superego a partir do ego não é obra do acaso, pois na natureza nada é obra do acaso, é resultado do desenvolvimento da espécie humana em seu processo de evolução e perpetuação. Sem o desenvolvimento das tendências morais e estéticas do ego não seria possível incentivar a repressão. Portanto na medida em que as civilizações “perdem” suas tendências morais, éticas e estéticas, os “portões” da repressão afrouxam e as tendências instintuais primitivas dominam. O ideal do ego permitiu ao ego dominar as situações edipianas podendo “barrar” o id. Vimos no artigo http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/04/arquitetura-psiquica.html que o ego é o representante do mundo externo e o superego representante do mundo interno, do id, mas essa dinâmica é dialética, pois existem conteúdos do id representados no superego, uma vez que é no mundo externo que o ego e o id se representam. Quando o ego forma o superego a partir do id, pode estar revivendo traços de antigos egos. Por certo as longas experiências do ego parecem perder-se no tempo da herança, pensamos que nunca vamos reencontrá-las, mas quando insistem em se repetir com intensidade em cada sujeito e suas sucessivas gerações passamos a vê-las como experiências do id, preservadas “por herança”. Assim Freud nos lembra dos resíduos das existências de incontáveis egos, que se encontram no id.

A comunicação entre o ideal e os impulsos instintuais do Ics. revela como é que o próprio ideal pode permanecer inconsciente e inacessível ao ego, o combate nos estratos mais profundos da mente, e quanto longe está de chegar ao fim. Podemos dizer que sem o ideal do ego não saberíamos onde estaríamos na escala da evolução, pois ele contém o “germe do autojulgamento” em que se produz o sentimento de humildade. O ideal do ego sob a forma de consciência  exerce a censura moral. Mas os vínculos maiores pertencem à herança filogenética, a herança arcaica, ou seja, em nosso processo de evolução a parte inferior da vida mental vai sendo transformado pela formação do ideal “no que é mais elevado na mente humana pela nossa escala de valores”.

Referencia
 FREUD, S. - A DIVISÃO DO EGO NO PROCESSO DE DEFESA (1940 [1938]). Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ O Ego e o Id (1923). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

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