JUDICIÁRIO - Legalidade, Finalidade e Bem Comum
Muitos têm
sido os escritos sobre estatutos, códigos, leis que versam sobre o Estado de
Direito e Legalidade. Mas quando vemos o judiciário que deve ser uma
instituição de aplicação da justiça humana, tornar-se motivo de
investigação por “aplicação” de injustiças, ou seja, podemos afirmar que temos
uma instituição legal para execução das injustiças? Por certo que não, mas é
possível interrogar, pois na inquisição também tínhamos uma instituição que se
autodenominava com o direito de aplicar a justiça Divina. Há que se pensar que
ao examinar as práticas que possuem por base a legalidade, e os códigos de
ética refletir sobre a “finalidade” da retidão moral, do agir “por dever”, da
“boa intenção”, que para Kant é o “estado” transcendental para onde
caminha o “espírito” humano. É necessário pontuar as reflexões sobre o que é
possível conhecer e fazer que esteja no plano da razão pura ou prática: “O
nosso conhecimento representa o produto da elaboração de uma série harmônica de
sensações com as ajudas necessárias da inteligência”... “Só enquanto podemos
experimentar as impressões que nos facultam; encontram aplicação os princípios
fundamentais da razão”... “Tendo como realista a orientação que parte das
coisas e por idealista a que assenta nas ideias”... “A vontade moral quando não
colide com qualquer fim secundário diante de si mesma; é aquela que pratica o
bem pelo prazer de praticá-lo. Nem no universo nem fora dele, poderemos
imaginar o que possa considerar-se, sem qualquer limitação, como bom; mas é
possível a algo impor-se como uma boa intenção. Cumpramos o dever pelo próprio
dever”... “A reta intenção o que de mais elevado existe no universo, todos os
seres humanos devem ser tratados com respeito”... (Crp. – p.10, 11,12). Que
alguns “juristas” possam ter “esquecido” o que “aprenderam” na academia ou nos
estudos para os concursos públicos é da ordem da memória ou da estrutura
psíquica e de caráter do sujeito que exerce o jurídico? É uma passagem ao ato
no campo do perverso na medida em que se “burla” a lei? Se a lei é um
imperativo, os homens de “razão incorruptível” irão agir de acordo com a lei. E
esta razão para ser incorruptível correlaciona os princípios da vontade em uma ação consigo mesma, ou
seja, a priori, assim os motivos determinantes da vontade,
possibilitam a construção de uma lei para todos os seres racionais. É possível
interrogar aqui que juízos os homens articulam sobre a correlação de suas ações
à lei? Como no homem a lei é um imperativo, a razão incorruptível é por si
mesma um imperativo, e considerada como prática a priori. Mas nessa
vontade há interferência de causas sensíveis, portanto como diz Kant “não
pode supor nela uma vontade santa”. Só a vontade santa transforma a lei
moral, num imperativo. Assim quando a relação da vontade com a lei é de
dependência, é denominado dever. Quando não há correspondência da vontade com a lei o arbítrio é “patologicamente
afetado” o que são os casos dos noticiários sobre corrupção no judiciário, em
função das causas subjetivas. Necessita-se então de uma coação interna,
estabelecida pela lei, que se efetiva no sujeito, cujas representações são
objetos da razão.
Essa
distância entre, a aplicação da lei e a finalidade diz respeito aos deveres do
direito. E esse direito objetiva prevenir todo tipo de maldade entre os homens,
mas não impede que elas sejam realizadas. Ele existe para o erro, porque se
este não existisse, enquanto inclinação, não seria necessário a lei, o direito;
e estar-se-ia diante de uma “inteligência bastante a si mesma”, ou seja do
“conceito de santidade acima de todas as leis práticas”. Como a santidade da
vontade que conduz ao bem comum é algo de mais elevado que a razão pura prática
acima das leis práticas, a legalidade é a representação de um caminho que deve
ser percorrido no caminho para autonomia do livre-arbítrio. Pode-se supor que
em várias circunstâncias a vocação do Estado é conflitiva com a vocação do
sujeito (com o livre arbítrio), estado em que a finalidade não se configura em
“imperativo categórico” no plano do sujeito. Para o “servidor público” o
espectro deve ser o cumprimento do dever, enquanto lei moral, pois esta exprime
a liberdade e a autonomia da razão, estando contidas todas as máximas. Se não o
for este sujeito não impõe o objeto de desejo, à vontade, à lei o que seria o
livre-arbítrio, e segue impulsos e inclinações peregrinando por máximas,
suposições do senso comum, leis patológicas, que jamais serão legislação
universal ou terá legalidade. Kant na Paz Perpétua, fala da complexidade dessa
questão: “Mais incerto ainda é um direito das gentes, supostamente
estabelecido sobre estatutos redigidos segundo planos ministeriais, que na
verdade é apenas uma palavra sem conteúdo e repousa sobre contratos que no
próprio ato de sua conclusão contém igualmente a cláusula secreta de sua
transgressão”(TS –p.146). Assim o dever nas leis é possibilitar o próprio
bem-estar (amor-próprio, que pressupõe a preservação da vida) e o bem-estar dos
outros. Essa lei não é um objeto do livre arbítrio, mas indica a forma de
universalidade necessária pela razão como condição de valor da
própria lei, objetiva à máxima do amor próprio e chega a ser o fundamento
determinante da vontade. Se há o desejo a finalidade do bem comum, há que se
pensar no dever descrito por Kant: “O que se deva fazer, segundo o princípio
da autonomia do livre arbítrio, é facílimo de intuir sem qualquer vacilação,
até para a mais vulgar das inteligências; mas o que se deva fazer debaixo da
suposição da heteronomia do mesmo é difícil, exigindo conhecimento do mundo, ou
seja, o que é dever se apresenta por si mesmo a cada um... A lei moral, porém
ordena a cada um o mais pontual dos cumprimentos... Satisfazer o mandato
categórico da moralidade está, a qualquer tempo, na faculdade de cada um;
satisfazer, porém, o preceito empírico da felicidade condicionada não é dado a
cada um, sendo possível apenas raras vezes, ainda quando em relação a uma única
intenção. No primeiro só se trata da máxima que deve ser verdadeira e pura; no
segundo, todavia, tratamos também das forças e da potencialidade física de
produzir realmente um objeto desejado. Seria insensatez um mandato segundo o
qual cada um deve tratar de tornar-se feliz, porque nunca se ordena que alguém
faça o que por si mesmo indefectivelmente deseje” (Crp. – p.66 – 67). Ordenar,
a moralidade sob o nome de dever é razoável, pois onde os sujeitos em seus
preceitos não desejam a vivência da lei, vendo na mesma um contraste às suas
inclinações. Dever-se-ia ordenar-lhe, ou antes, facultar-lhe, as medidas que
tem de tomar, porque o sujeito não pode tudo o que quer. Mas qual a finalidade
da lei? Falar de finalidade é falar de “perpetuidade obrigatória do esforço
moral”, da vontade inteiramente boa independente de todas as influências das
contingências que a experiência possibilita. E o percurso da perpetuidade
obrigatória é o dever, a legalidade, o “imperativo categórico”. Estar-se-á
diante da constante luta entre a pureza das intenções e as inclinações humanas.
E neste trânsito entre a pureza das intenções e as inclinações humanas
encontram-se a legalidade e o direito, pois para todo dever há um direito.
Então a máxima da prudência aconselha que a lei da moralidade seja
determinante.
Referência
KANT,
Immanuel. Crítica da Razão Prática – 1788. Tradução de
Bertagnoli, Afonso. 3ª edição. Edições e Publicações Brasil Editora S.A – São
Paulo 1959.
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