26 de setembro de 2013

Trilhando o caminho do inconsciente




A vida caminha parecendo ir sempre para frente, mas o inconsciente é uma terra a ser desvendada eternamente, onde não existe o tempo como o conhecemos: passado... presente... futuro... passado... Isso Freud nos lembra nesse trecho da CARTA 101
“…Em primeiro lugar: uma pequena parte de minha autoanálise progrediu e confirmou que as fantasias são produtos de períodos posteriores e são projetadas para o passado, desde o que era então o presente até épocas mais remotas da infância; o modo como isso ocorre também emergiu — mais uma vez, um vínculo verbal.
À pergunta: “O que aconteceu nos primórdios da infância?”, a resposta é “nada”. Mas o embrião de um impulso sexual estava lá. Seria fácil e maravilhoso contar-lhe como é a coisa; mas seria necessária uma meia dúzia de páginas para eu escrever tudo isso por extenso, e por isso vou guardá-lo para nosso encontro na Páscoa, com algumas outras informações a respeito de meus primeiros anos [de vida]. Além disso, encontrei um outro elemento psíquico que considero ter significado geral e ser uma fase preliminar dos sintomas, anterior, mesmo, à fantasia”.
S. Freud

23 de setembro de 2013

“A Casa dos Loucos”

Na prática cientifica existe um discurso que diz:
 "nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma verdade talvez adormecida, mas que no entanto está somente à espera de nosso olhar para aparecer, à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela está presente aqui e em todo lugar".
Mas achamos também, e de forma tão profundamente arraigada na nossa civilização, esta ideia que repugna à ciência e a filosofia: que a verdade, como o relâmpago, não nos espera onde temos a paciência de emboscá-la e a habilidade de surpreendê-la, mas que tem instantes propícios, lugares privilegiados, não só para sair da sombra como para realmente se produzir. Se existe uma geografia da verdade, esta é a dos espaços onde reside, e não simplesmente a dos lugares onde nos colocamos para melhor observá-la. Sua cronologia a é a das conjunções que lhe permitem se produzir como um acontecimento, e não a dos momentos que devem ser aproveitados para percebê-la, como por entre duas nuvens. Poderíamos encontrar na nossa história toda uma "tecnologia" desta verdade: levantamento de suas localizações, calendário de suas ocasiões, saber dos rituais no meio dos quais se produz.
Michel Foucault - Microfísica do Poder

Esse interessante trecho do escrito de Foucault, nos incita a reflexão que por certo, a verdade a que o humano busca, seja em quais lugares e espaços: na ciência, nas religiões, nas diversas formas de terapias, no conhecimento intelectual, nas intuições, nos sintomas, é na busca das respostas ancestrais sobre sua existência e que destinos ou rumos ela pode ou deve tomar, no sentido, seja de uma qualidade de vida, espiritual, de seu autoconhecimento ou nas curas e mudanças que cada sujeito considera necessárias. Há sempre um “espaço”, onde ela reside e é necessário que nos coloquemos nos lugares existenciais para observá-la e compreendê-la. Foi assim com Édipo, e com todas as  tragédias ou provações da existência humana. “A casa dos loucos”, que habita cada um de nós diz respeito às “verdades” inexoráveis da existência. Muitas delas há que o sujeito ter recursos psíquicos para vê, pensar interpretar, aceitar e resinificar naquilo que for possível.  Confúcio lembrará: “Aquele que caminha na verdade, seu caráter é firme e forte, ordenado e claro, encontra correspondência no céu e se move com o tempo”. O caminho do meio é um percurso que se faz sobre brasas até alcançar o equilíbrio e harmonia duradoura, inabalável.

Aprender e Saber


Aprender é apropriar-se de um saber sobre si mesmo

Várias são as terminologias para o estudante que não apresenta os resultados estabelecidos desde a infância para o “sucesso e carreira profissional”: “queixa escolar”, “dificuldade de aprendizagem”, “fracasso de aprendizagem”, “fracasso escolar”. Dificuldades para que exigências e resultado no mercado de trabalho? Por que a demanda é geralmente da escola e não da criança ou adolescente? Qual o nível de pressão que a criança ou adolescente vive seja no ambiente familiar ou na comunidade para resultados de sucesso competitivo? Desde cedo as crianças são confrontadas pelo mercado de trabalho, pois as falas dizem que: “quando chegar sua vez vai ser difícil encontrar um emprego, portanto tem que começar desde cedo”. “Vivemos em um mundo competitivo”. E assim um bebê em frente ao computador é uma “questão importante”.

 Pouco se fala em ritmos diferentes de aprendizagem, em subjetividade. Ao educador cabe “diagnosticar” a criança ou adolescente com “dificuldade de aprendizagem” e encaminhá-la ao reforço escolar. Cabe apresentar para a instituição um bom desempenho, esse é seu indicador. O que “fica de fora” do indicador deve retornar como “dificuldade de aprendizagem”. Já se fala em “diagnóstico de dificuldade de aprendizagem”. Por que a criança ou adolescente é o sintoma? Que transferência está em jogo? A escola tem assumido um papel de “trabalho pedagógico infantil” e os educadores “coordenadores de formação de indivíduos para o trabalho”. A escola tem ao longo do tempo, com a pressão social por sucesso, se colocado não enquanto um lugar de saber, mas de trabalho, o significado enquanto instituição que “prepara” para o trabalho, exerce sobre as crianças e adolescentes um desprazer pouco compreendido, como se o estudar acadêmico fosse a “única” forma de prazer possível para essa forma de relação . Aprende-se pela repetição e não pela aquisição de um saber permeado pela compreensão conceitual e abstrata das realidades vivenciadas. As crianças e adolescentes não sabem por que estão estudando determinados conteúdos. Que o recurso da projeção é exaustivamente utilizado nos grupos sociais, onde é preciso eleger um sintoma e dar um diagnóstico para que todas as ansiedades se acalmem e finalmente seja dado um lugar aquele “não saber” é visível.

Aprender é algo que pertence ao saber. Saber que começa ao nascer. O bebê se apropria de um saber sobre o mamar, sobre as funções excretoras, engatinhar, andar, sobre as diferenças anatômicas entre meninos e meninas. O saber sobre o lugar na relação com os pais, e o saber acadêmico. Assim o saber é algo que se desenvolve de forma dialética com as vivências e o desenvolvimento físico-emocional. Sabemos que o recém-nascido tem a tendência para evitar a dor, e fixar-se nas experiências prazerosas. Durante o desenvolvimento a disciplina e autodisciplina pelo processo da educação, não exclui a tendência para evitar a dor e o psiquismo continua a regular-se num equilíbrio entre dor e prazer mesmo no adulto.

Não cabe aqui ser localizacionista sobre funções cerebrais até porque depois das últimas descobertas da neurociência sobre a plasticidade neuronal, as chamadas zonas cerebrais cada vez mais se expandem. As questões que se apresentam não são para diagnósticos individuais, dizem sim respeito ao processo do viver. Existe a dificuldade de se lidar com o diferente, pois isso é o padrão de valores da sociedade “moderna”, mas levar as “traquinices” próprias da infância a serem inseridas como “distúrbios” é não considerar a história de cada sujeito e tornar a criança adulta “antes do tempo”, sem a infância.

Há que interrogar sobre adequação de conteúdos, de metodologia e a pressão por resultados e o amadurecimento emocional dos profissionais e cuidadores para lidar com questão tão complexa que é o educar. O lar e a escola são espaços do educar. Gerar nomenclaturas é induzir uma demanda generalizada de mercado e de medicamentos. Se vivemos em uma sociedade com diz Ferenczi “a humanidade é atualmente educada para uma cegueira introspectiva”; (p.41) é por que não escutamos o outro, seja esse outro nós mesmos e o outro sujeito separado de nós companheiros(as), filhos, pais, amigos etc. Escutar é compreender as representações, os significantes que nos habita do inconsciente ao consciente de forma dialética. Essa escuta supõe que existe um sujeito que “já sabe sobre si próprio”. Isso implica a cuidadores, educadores, profissionais, “sair” do lugar de “sujeito suposto saber”.

Se o problema da aprendizagem é um sintoma cabe interrogar o que o sujeito não quer saber ou de que forma ele não quer saber? A questão é de que sujeito se trata, ou sob qual olhar vemos o sujeito. Esse sujeito possui uma história e se apropria dela de que forma? como diz Ferenezi compreender “os sentimentos e as ideias assim reprimidos, nem por isso foram suprimidos, e no decorrer do processo educativo, eles se multiplicam, se avolumam, aglomeram-se” (p.40) e demandam uma escuta, uma resinificação. Que os processos emocionais inconscientes interferem substancialmente nos processos intelectuais conscientes não há dúvida. Mas de que forma, as transferências, a personalidade dos educadores influencia? Em que estas bloqueiam ou facilitam o aprendizado? É certo que estudantes imaginam simpatias e antipatias que provavelmente não existam ou que existam. Ao darem ênfase na submissão provocam oposição. Que os estudantes sejam inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los, faz parte da ambivalência para atitudes contraditórias.

Importante refletir que quando a criança nasce ela já vem sendo inserida no contexto familiar desde a concepção, em suas expectativas, ansiedade. Esse pai e essa mãe são detentores de uma história familiar que comporta desejos, estrutura moral, funções, expectativas masculinas e/ou femininas, possuem uma estrutura psíquica. É nesse e em tantos outros contextos que a criança será inserida. A qualidade das relações da criança com as pessoas do sexo oposto e do próprio sexo será permeada inicialmente nos primeiros seis anos pelas experiências de seus cuidadores. Que ela dará um destino, transformando-as em suas direções é certo. Assim pais irmãos e suas formas de funcionamento estarão irremediavelmente ligados à criança e adolescente. Quando a criança atinge a idade escolar outras relações passarão a fazer parte de seu universo - são os professores. E assim as imagens que a criança tem dos pais, irmãos ou cuidadores serão uma primeira extensão dessa herança emocional, defrontando-se com simpatias, antipatias. Mas, não só isso, as escolhas de amizades e amor seguem as lembranças desses primeiros tempos da infância. Para cada dificuldade apresentada por uma criança, caberá a pergunta: que subjetividade, determinações e forma de relacionamento ela traz em sua vida que a faz agir assim?

No percurso do desenvolvimento os pais amados são um modelo a ser imitado, mas também a ser eliminado para que a autonomia seja construída. Os impulsos afetuosos e hostis convivem lado a lado, às vezes até o fim da vida. Nessa existência de sentimentos contrários, muitas vezes não compreendidos por pais e professores que surgem os conflitos. Que é mais fácil dizer a um professor o que não pode dizer ao pai ou a mãe é certo. Como também é muitas vezes mais fácil ao professor dizer ao aluno o que não pode dizer aos pais ou filhos é também possível. E assim as relações de transferências vão sendo construídas e os conflitos internos de cada um não vão sendo elaborados. Os pais e professores vão se deparar com a criança, o jovem de hoje e com a criança que um dia eles foram e as crianças vão descobrir que os pais não são os mais poderosos e sábios, que possuem equívocos, mentem, quando dizem para eles não mentirem, colaram em provas quando falaram para eles estudarem, não são leais quando exigem deles lealdade incondicional. Então esse jovem revela-lhe isso e assim é inscrito como jovem desrespeitoso, aluno com falta de atenção, indisciplinado etc. Nesse desligamento dos pais e professores ideais, como pais e professores que muitas vezes não se apropriaram do saber sobre seu si próprio, fica esse jovem insatisfeito, aprende a criticá-lo sem compreender qual seu lugar na sociedade; em geral age de forma a que “paguem” pelo desapontamento que lhe causou. A elaboração dessas frustrações, do desligamento dos pais tão importantes na vida da criança, do jovem irá habitar a forma de ser do adulto.

Os professores e alunos são de certa forma pais e filhos substitutos e os colegas possíveis irmãos ou até sentimentos relativos aos pais. Transferindo para eles respeito e expectativas da infância e começam a tratá-los, confrontando com as ambivalências existentes nas famílias. Há que os pais, cuidadores e professores se apropriarem de suas subjetividades, infâncias, histórias acolherem seus sofrimentos, resinificá-los para o pleno exercício de suas funções e talvez assim o processo educacional valorizará não a “cegueira introspectiva”, mas a “verdade interior que liberta”. 

22 de setembro de 2013

Saúde Mental - Sobrevivendo nos conflitos de guerra

O fato de estarmos diante do conflito na síria, bem descrito no artigo: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/09/1342442-horror-na-siria-vai-muito-alem-das-armas-quimicas-diz-presidente-de-comissao-da-onu.shtml leva-nos inevitavelmente à reflexão entre direitos humanos e saúde mental. Das milhares de morte, assassinatos, armas químicas, execuções de pessoas, comunidades, torturas de adultos, crianças, idosos por todas as partes envolvidas no conflitos parece tão grave quanto aos fatos da segunda guerra com judeus, negros, ciganos, homossexuais. A forma de concepção “religião-guerra” é uma questão difícil. São muitos interesses políticos, econômicos, religiosos, estratégicos no jogo do poder. Compreender as origens de um ódio que se estende de geração a geração e marcas traumáticas que alimentam esse ódio, constrói e estruturam o perverso é compreender que algo para além de um obstáculo externo, alcança um obstáculo interno de satisfação, na construção de uma moralidade e dignidade pela vida. Se o superego cultural é esmagado é porque a consciência interna está fragmentada. Qual a história de frustração narcísica dos grupos envolvidos no sentido de construção e irrupção de um Estado doentio? As disposições e os fatores precipitantes sempre estiveram nos sujeitos, grupos envolvidos, e as influências do mundo externo presentes desde o nascimento. É possível que esses sujeitos, grupos tenham sido saudáveis enquanto suas necessidades de amor foram satisfeitas e na perda desse(s) objeto(s) não foi possível substitutos. Assim se não é possível para o destino possibilitar uma cura, há que se pensar no quanto esses sujeitos necessitam de acolhimento, escuta e tratamento, que atendam suas  demandas, cujo cotidiano é marcado pela tragédia, e facilitador a instalação de patologias.

O processo de frustração continuada, dos conflitos armados, e o quanto um sujeito pode tolerar de tensão psíquica e que saída ou recursos psíquicos dispõe para lidar com isso é a questão. Um dos recursos possíveis é transformar a tensão psíquica em “energia ativa”, através de ações que possibilitem permanecerem voltados, para o mundo externo, ou “resolver” a tensão psíquica sublimando. A questão das sucessivas frustrações pode impulsionar o sujeito a virar às costas para a realidade, pois esta perde o seu valor e volta-se para uma perspectiva de fantasia, construindo novas estruturas de desejo, através dos traços mnêmicos esquecidos e alimenta, por exemplo, a ilusão de que nos campos ou nos países em que serão refugiados a realidade pode ser menos ameaçadora. Como confluir subjetividades, identidades, histórias tão diversas entre si, diante do teste de realidade e suas expectativas? O fato é que as frustrações com a realidade vivenciada é considerável. Portanto os sintomas são inevitáveis sejam no nível dos sujeitos ou dos grupos, uma vez que não são possíveis substitutos satisfatórios.

Para os sujeitos que estão envolvidos em conflitos de guerra, a realidade externa é tão adversa, que para manter sua “saúde” é necessário um esforço interno para conseguir a satisfação, que pode não lhe ser acessível pela realidade externa. Mas se esse esforço não é suficiente, em quantidade de energia desprendida, por dificuldades internas insuperáveis, o sujeito adoece, por tentar adaptar-se à realidade. Guerrear pode ter inúmeros significados. Toda guerra por maiores que sejam os interesses econômicos, políticos, religiosos, começa internamente em cada sujeito, pois não é possível diluir este enquanto conjunto. Mas a questão do poder e do ódio inevitavelmente estão envolvidos e diz respeito a uma estrutura perversa. Se a mudança externa é difícil, longa, exige talvez séculos, a mudança interna. 

Uma mudança interna dá-se através de sintomas, que pode ou não, ao renunciar a satisfação cair doente pela incapacidade de reagir. Ou levar a busca de uma resinificação, de “cura”, que sucumbe se não houver flexibilidade. O conflito para permanecer como se é e para modificar-se é inevitável e exige grande dispêndio de energia e aproximações e afastamentos da realidade. Se as escolhas forem incompatíveis, fixações surgirão como consequência de frustrações externas. Essas fixações podem dizer respeito a locais e eventos passados, presentes ou futuros e pode ser tão fortes que impossibilite descolamentos, o que é um ponto importante no destino da saúde mental do sujeito. Transpor as demandas instintivas  e buscar um ideal ético, também pode levar a frustrações devido à incapacidade de correspondência com a realidade externa, que frustra as possibilidades de satisfação, de sentir-se seguro.

Se há confluência entre determinadas tendências do ego e a realidade externa a formação de sintomas é maior, pois já habitavam o sujeito. As experiências adversas e traumáticas da realidade potencializam a formação de sintomas de acordo com o funcionamento estrutural do sujeito. Quando essas exigências ocorrem nos anos da infância, quando ainda não há um amadurecimento emocional, um ser integral, os efeitos na idade adulta ou no sujeito idoso, podem cronificar-se. Pensar a saúde mental nos conflitos armados é pensar a saúde mental de todos os sujeitos envolvidos. Assim talvez sejam possíveis os prognósticos dos enlaces em questão, para os diversos grupos e características etárias. Portanto os efeitos para uma criança, um adulto e um idoso, possam apresentar-se diversos, ou em alguns casos inversos, se o debilitamento do ego fizer parte da disposição do sujeito, facilitando os conflitos internos. Nestas situações a arquitetura psíquica busca estabelecer uma constelação de defesas que preservem o sujeito, ante as ameaças internas e externas, tentando acomodar a individualidade do sujeito as suas condições de vida. Nossa solidariedade aos refugiados de todos os conflitos armados no mundo. O exílio é sempre algo doloroso, pois exige de quem o vive, o desenvolvimento de recursos psíquicos nem sempre disponíveis ou difíceis de serem construídos.  
Referência
FREUD, S.   TIPOS DE DESENCADEAMENTO DA NEUROSE (1912)  Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

9 de setembro de 2013

Diálogo entre Almas


...o vento sempre me traz...a melodia de sua voz,
...ouço...sinto sua alma, estarei sempre com você,
...estamos ligados  pelos mesmos caminhos,
...minh ‘alma desde sempre ama você,
...nos desviamos, nos afastamos,
...nos perdemos, mas, sempre estive com você,
...sei que sente minha falta...
...vi seus sofrimentos... seus erros... sua dedicação...sua mudança,
...é difícil está separado de mim,
...por que é difícil  está do outro lado... separada de você,
...sinto falta de seu abraço... de abraçar você,
...do calor de sua alma...de sua amorosidade,
...de ser envolvida em meu manto,
...amo você com devoção,
...um dia... em um tempo,
...meu amor eterno... incondicional,
....já estamos juntos, por toda a eternidade...
Myriam’aya

8 de setembro de 2013

“O valor da transitoriedade”

 “Minha palestra com o poeta ocorreu no verão antes da guerra. Um ano depois, irrompeu o conflito que lhe subtraiu o mundo de suas belezas. Não só destruiu a beleza dos campos que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu caminho, como também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa civilização, nossa admiração por numerosos filósofos e artistas, e nossas esperanças quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as raças. Maculou a elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossos instintos em toda a sua nudez e soltou de dentro de nós os maus espíritos que julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação pelas mais nobres mentes. Amesquinhou mais uma vez nosso país e tornou o resto do mundo bastante remoto. Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou-nos quão efêmeras eram inúmeras coisas que consideráramos imutáveis”.

A vida e tudo que a compõe são transitórias. Seja em um sentido de termino, de mudança de ciclo, de acontecimentos trágicos, que mudam o rumo de pessoas, países, e continentes. O ciclo nascimento, crescimento e morte são universais no que diz respeito ao universo e a tudo que nele existe, mas pelos indícios da astronomia tudo caminha no sentido da transformação e expansão. No cotidiano não sentimos muito esse impacto e por vezes a vida parece lenta, “o tempo que não passa”. Muitas vezes o lugar ocupado, já pertence a uma “zona de conforto intocável”, até serem acometidas por turbulências que pareciam impossíveis, mas que sempre estiveram ali. É assim que objetos, circunstancias, lugares, muitas vezes admiradas, podem perder o valor, ao perceberem e realizarem-se transitórias. O certo é que grande parte de tudo que vivemos é transitório. Mas isso não é razão para desalento ou rebelião. No percorrer seu caminho, todas as sensações vivenciadas serão lapidadas pelo tempo: as experiências, os aprendizados, como o carvão que se transforma ao longo de bilhões de anos. O “tempo” humano? Não sabemos. Mas as sensações e impressões vão esmaecer no transcurso de uma época, até mesmo as referências teóricas.

O que é a escuta do real senão, o seu representante. Assim no encadeamento das representações realizamos a imortalidade tão sonhada, no contraponto do imediato cotidiano. Ansiedade pela imortalidade, continuidade, principalmente aquilo que se compreende e sente como belo faz parte da desventura do humano. Então o “valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo”. A uma estação, segue-se outra, o inverno é a semente da primavera e sucessivamente, as marés, a noite, o dia, os astros no céu, etc. assim “nossa vida pode ser considerada eterna”, e não é seu “pouco” tempo, que a destitui de beleza e possibilidades. “Uma flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela”. O que guardamos é o significado para nossa existência e é assim que sobrevive a nós. O que nos dá o sentido do real na transitoriedade é a morte e com ela todos os objetos e investimentos de nossas vidas. Inexoravelmente perecerão. Permanecendo aquilo que de nós elevou da nossa condição de humanos.

Por certo o mundo em que vivemos é complexo, conflituoso, mesmo depois de uma segunda grande guerra, 98 anos depois de Freud ter escrito o artigo sobre transitoriedade, ainda nos vemos diante dos mesmos enigmas. O luto, esse “grande enigma”, é então uma vivência, que se inicia ao nascer. Nosso destino de amor seja, por nosso próprio ego ou aos objetos que amamos, uma vez perdidos, é muito sofrido. Esse investimento afetivo há que transcender para sobreviver num movimento espontâneo de substituição por outros objetos iguais ou mais preciosos. Resta-nos a ilusão de que a ancestralidade nos dará a condição que tanto almejamos, diante da finitude.

E assim na entrevista O VALOR DA VIDA concedida ao jornalista G.S.Viereck, com Tradução de Paulo Cesar Souza, Freud com sua inigualável sabedoria diz: “A velhice, com suas agruras, chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas - a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr-do-sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?”
Referência
 FREUD, S.  - SOBRE A TRANSITORIEDADE (1916 [1915]). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.

3 de setembro de 2013

A CARTA 56: Divisão da Consciência e Dor


“…Aliás, que diria você se eu lhe contasse que toda aquela minha história da histeria, história original e novinha em folha, já era conhecida e tinha sido publicada repetidamente uma centena de vezes — há alguns séculos? Você se lembra de que eu sempre disse que a teoria medieval da possessão pelo demônio, sustentada pelos tribunais eclesiásticos, era idêntica à nossa teoria de um corpo estranho e de uma divisão (splitting) da consciência? Mas por que é que o diabo, que se apossava das pobres bruxas, invariavelmente as desonrava, e de forma revoltante? Por que as confissões delas sob tortura tanto se assemelham às comunicações feitas por meus pacientes em tratamento psíquico? Dentro em breve, precisarei pesquisar a bibliografia do assunto. Aliás, as crueldades possibilitam o entendimento de alguns sintomas da histeria, que até agora têm permanecido obscuros. Os alfinetes que aparecem das formas mais surpreendentes, as agulhas que fazem com que as pobres criaturas tenham seus seios operados, e que são invisíveis aos raios X, embora possam ser encontradas na história de sua sedução… Mais uma vez, os inquisidores espetam agulhas para descobrir os estigmas do demônio, e, numa situação parecida, as vítimas inventam a mesma cruel e velha história (ajudadas, talvez, pelos disfarces do sedutor). Assim, não só as vítimas, mas também os seus algozes, relembram nisso os primórdios de sua adolescência”.

Quando falamos em dor recordamos que em algumas de suas cartas, Freud inquietou-se com a crueldade da inquisição e seus representantes psíquicos. Dentre eles a tortura, dor. Nesta carta enigmática sugere que a suposta possessão alegada pelos meios eclesiásticos, seria um processo de divisão de consciência, processo ao qual, as mulheres poderiam desenvolver em função da opressão a que estavam submetidas na época. Recusar a relação com um homem ou ter habilidades que lhes desse autonomia, era motivo para serem encarceradas, possuídas, queimadas. As agulhas enquanto instrumento de tortura, possibilitavam os estigmas que procuravam os inquisidores, para possuí-las, encarcerá-las e queimá-las.

Assim “uma bruxa disfarçada, era enviada para o calabouço, fogueira”, seu ego dividido, como consequência da tortura. Necessário que fossem “bruxas”, mulheres com autonomia diferenciada, que ao recusarem ser “possuídas”, eram possuídas pelos mandatários eclesiásticos e então alvo fácil da inquisição. Como iriam possuir essas mulheres, encarcera-las e queimá-las, se não tivesse a designação de “bruxas”? “Bruxas” seriam as que passaram por um processo de desagregação da consciência pela “possessão”, de que? Lembremos o filme “Sombras de Goya”, 2007 de Milos Forman ao narrar à inquisição espanhola. 

1 de setembro de 2013

Percorrendo o Caminho do Meio


Curvar-se permite a plenitude
Submeter-se permite a retidão
Esvaziar-se permite o preenchimento
Romper permite a renovação
Possuir pouco permite a aquisição
Possuir muito permite a ganância
Por isso, o Homem Sagrado abraça a unidade
Tornando-a o modelo sob o céu
Não julga por si, por isso é óbvio
Não vê por si, por isso é resplandecente
Não se vangloria, por isso há realização
Não se exalta, por isso cresce
Só por não disputar, nada pode disputar com ele
Antigamente se dizia: “Curvar-se permite a plenitude”
Como poderiam ser palavras vazias?
Assim, ao alcançar a plenitude encontra-se o retorno
TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng