Aprender é apropriar-se de um saber sobre si
mesmo
Várias são as terminologias para o estudante que não apresenta os
resultados estabelecidos desde a infância para o “sucesso e carreira
profissional”: “queixa escolar”, “dificuldade de aprendizagem”, “fracasso de
aprendizagem”, “fracasso escolar”. Dificuldades para que exigências e resultado
no mercado de trabalho? Por que a demanda é geralmente da escola e não da
criança ou adolescente? Qual o nível de pressão que a criança ou adolescente
vive seja no ambiente familiar ou na comunidade para resultados de sucesso
competitivo? Desde cedo as crianças são confrontadas pelo mercado de trabalho,
pois as falas dizem que: “quando chegar sua vez vai ser difícil encontrar um
emprego, portanto tem que começar desde cedo”. “Vivemos em um mundo
competitivo”. E assim um bebê em frente ao computador é uma “questão
importante”.
Pouco se fala
em ritmos diferentes de aprendizagem, em subjetividade. Ao educador cabe
“diagnosticar” a criança ou adolescente com “dificuldade de aprendizagem” e
encaminhá-la ao reforço escolar. Cabe apresentar para a instituição um bom
desempenho, esse é seu indicador. O que “fica de fora” do indicador deve
retornar como “dificuldade de aprendizagem”. Já se fala em “diagnóstico de
dificuldade de aprendizagem”. Por que a criança ou adolescente é o sintoma? Que
transferência está em jogo? A escola tem assumido um papel de “trabalho
pedagógico infantil” e os educadores “coordenadores de formação de indivíduos
para o trabalho”. A escola tem ao longo do tempo, com a pressão social por
sucesso, se colocado não enquanto um lugar de saber, mas de trabalho, o
significado enquanto instituição que “prepara” para o trabalho, exerce sobre as
crianças e adolescentes um desprazer pouco compreendido, como se o estudar
acadêmico fosse a “única” forma de prazer possível para essa forma de relação .
Aprende-se pela repetição e não pela aquisição de um saber permeado pela
compreensão conceitual e abstrata das realidades vivenciadas. As crianças e
adolescentes não sabem por que estão estudando determinados conteúdos. Que o
recurso da projeção é exaustivamente utilizado nos grupos sociais, onde é
preciso eleger um sintoma e dar um diagnóstico para que todas as ansiedades se
acalmem e finalmente seja dado um lugar aquele “não saber” é visível.
Aprender é algo que pertence ao saber. Saber
que começa ao nascer. O bebê se apropria de um saber sobre o mamar, sobre as
funções excretoras, engatinhar, andar, sobre as diferenças anatômicas entre
meninos e meninas. O saber sobre o lugar na relação com os pais, e o saber
acadêmico. Assim o saber é algo que se desenvolve de forma dialética com as
vivências e o desenvolvimento físico-emocional. Sabemos que o recém-nascido tem
a tendência para evitar a dor, e fixar-se nas experiências prazerosas. Durante
o desenvolvimento a disciplina e autodisciplina pelo processo da educação, não
exclui a tendência para evitar a dor e o psiquismo continua a regular-se num
equilíbrio entre dor e prazer mesmo no adulto.
Não cabe aqui ser localizacionista sobre funções cerebrais até porque
depois das últimas descobertas da neurociência sobre a plasticidade neuronal,
as chamadas zonas cerebrais cada vez mais se expandem. As questões que se
apresentam não são para diagnósticos individuais, dizem sim respeito ao
processo do viver. Existe a dificuldade de se lidar com o diferente, pois isso
é o padrão de valores da sociedade “moderna”, mas levar as “traquinices”
próprias da infância a serem inseridas como “distúrbios” é não considerar a
história de cada sujeito e tornar a criança adulta “antes do tempo”, sem a
infância.
Há que interrogar sobre adequação de
conteúdos, de metodologia e a pressão por resultados e o amadurecimento
emocional dos profissionais e cuidadores para lidar com questão tão complexa
que é o educar. O lar e a escola são espaços do educar. Gerar nomenclaturas é
induzir uma demanda generalizada de mercado e de medicamentos. Se vivemos em
uma sociedade com diz Ferenczi “a humanidade é atualmente educada para uma
cegueira introspectiva”; (p.41) é por que não escutamos o outro, seja esse
outro nós mesmos e o outro sujeito separado de nós companheiros(as), filhos,
pais, amigos etc. Escutar é compreender as representações, os significantes que
nos habita do inconsciente ao consciente de forma dialética. Essa escuta supõe
que existe um sujeito que “já sabe sobre si próprio”. Isso implica a
cuidadores, educadores, profissionais, “sair” do lugar de “sujeito suposto
saber”.
Se o problema da aprendizagem é um sintoma
cabe interrogar o que o sujeito não quer saber ou de que forma ele não quer
saber? A questão é de que sujeito se trata, ou sob qual olhar vemos o sujeito.
Esse sujeito possui uma história e se apropria dela de que forma? como diz
Ferenezi compreender “os sentimentos e as ideias assim reprimidos, nem por isso
foram suprimidos, e no decorrer do processo educativo, eles se multiplicam, se
avolumam, aglomeram-se” (p.40) e demandam uma escuta, uma resinificação. Que
os processos emocionais inconscientes interferem substancialmente nos processos
intelectuais conscientes não há dúvida. Mas de que forma, as transferências, a
personalidade dos educadores influencia? Em que estas bloqueiam ou facilitam o
aprendizado? É certo que estudantes imaginam simpatias e antipatias que
provavelmente não existam ou que existam. Ao darem ênfase na submissão provocam
oposição. Que os estudantes sejam inclinados a amá-los e a odiá-los, a
criticá-los e a respeitá-los, faz parte da ambivalência para atitudes
contraditórias.
Importante refletir que quando a criança nasce
ela já vem sendo inserida no contexto familiar desde a concepção, em suas
expectativas, ansiedade. Esse pai e essa mãe são detentores de uma história
familiar que comporta desejos, estrutura moral, funções, expectativas
masculinas e/ou femininas, possuem uma estrutura psíquica. É nesse e em tantos
outros contextos que a criança será inserida. A qualidade das relações da
criança com as pessoas do sexo oposto e do próprio sexo será permeada
inicialmente nos primeiros seis anos pelas experiências de seus cuidadores. Que
ela dará um destino, transformando-as em suas direções é certo. Assim pais
irmãos e suas formas de funcionamento estarão irremediavelmente ligados à
criança e adolescente. Quando a criança atinge a idade escolar outras relações
passarão a fazer parte de seu universo - são os professores. E assim as imagens
que a criança tem dos pais, irmãos ou cuidadores serão uma primeira extensão
dessa herança emocional, defrontando-se com simpatias, antipatias. Mas, não só
isso, as escolhas de amizades e amor seguem as lembranças desses primeiros
tempos da infância. Para cada dificuldade apresentada por uma criança, caberá a
pergunta: que subjetividade, determinações e forma de relacionamento ela traz
em sua vida que a faz agir assim?
No percurso do desenvolvimento os pais amados
são um modelo a ser imitado, mas também a ser eliminado para que a autonomia
seja construída. Os impulsos afetuosos e hostis convivem lado a lado, às vezes
até o fim da vida. Nessa existência de sentimentos contrários, muitas vezes não
compreendidos por pais e professores que surgem os conflitos. Que é mais fácil
dizer a um professor o que não pode dizer ao pai ou a mãe é certo. Como também
é muitas vezes mais fácil ao professor dizer ao aluno o que não pode dizer aos
pais ou filhos é também possível. E assim as relações de transferências vão
sendo construídas e os conflitos internos de cada um não vão sendo elaborados.
Os pais e professores vão se deparar com a criança, o jovem de hoje e com a
criança que um dia eles foram e as crianças vão descobrir que os pais não são
os mais poderosos e sábios, que possuem equívocos, mentem, quando dizem para
eles não mentirem, colaram em provas quando falaram para eles estudarem, não
são leais quando exigem deles lealdade incondicional. Então esse jovem
revela-lhe isso e assim é inscrito como jovem desrespeitoso, aluno com falta de
atenção, indisciplinado etc. Nesse desligamento dos pais e professores ideais,
como pais e professores que muitas vezes não se apropriaram do saber sobre seu
si próprio, fica esse jovem insatisfeito, aprende a criticá-lo sem compreender
qual seu lugar na sociedade; em geral age de forma a que “paguem” pelo
desapontamento que lhe causou. A elaboração dessas frustrações, do desligamento
dos pais tão importantes na vida da criança, do jovem irá habitar a forma de
ser do adulto.
Os professores e alunos são de certa forma
pais e filhos substitutos e os colegas possíveis irmãos ou até sentimentos
relativos aos pais. Transferindo para eles respeito e expectativas da infância
e começam a tratá-los, confrontando com as ambivalências existentes nas
famílias. Há que os pais, cuidadores e professores se apropriarem de suas
subjetividades, infâncias, histórias acolherem seus sofrimentos,
resinificá-los para o pleno exercício de suas funções e talvez assim o
processo educacional valorizará não a “cegueira introspectiva”, mas a “verdade
interior que liberta”.