“Minha
palestra com o poeta ocorreu no verão antes da guerra. Um ano depois, irrompeu
o conflito que lhe subtraiu o mundo de suas belezas. Não só destruiu a beleza
dos campos que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu caminho,
como também destroçou nosso orgulho pelas realizações de nossa civilização,
nossa admiração por numerosos filósofos e artistas, e nossas esperanças quanto
a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as raças. Maculou a
elevada imparcialidade da nossa ciência, revelou nossos instintos em toda a sua
nudez e soltou de dentro de nós os maus espíritos que julgávamos terem sido
domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação pelas mais nobres
mentes. Amesquinhou mais uma vez nosso país e tornou o resto do mundo bastante
remoto. Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou-nos quão efêmeras eram
inúmeras coisas que consideráramos imutáveis”.
A vida e tudo que a compõe são transitórias. Seja em um sentido de
termino, de mudança de ciclo, de acontecimentos trágicos, que mudam o rumo de
pessoas, países, e continentes. O ciclo nascimento, crescimento e morte são
universais no que diz respeito ao universo e a tudo que nele existe, mas pelos
indícios da astronomia tudo caminha no sentido da transformação e expansão. No
cotidiano não sentimos muito esse impacto e por vezes a vida parece lenta, “o
tempo que não passa”. Muitas vezes o lugar ocupado, já pertence a uma “zona de
conforto intocável”, até serem acometidas por turbulências que pareciam
impossíveis, mas que sempre estiveram ali. É assim que objetos, circunstancias,
lugares, muitas vezes admiradas, podem perder o valor, ao perceberem e
realizarem-se transitórias. O certo é que grande parte de tudo que vivemos é
transitório. Mas isso não é razão para desalento ou rebelião. No percorrer seu
caminho, todas as sensações vivenciadas serão lapidadas pelo tempo: as
experiências, os aprendizados, como o carvão que se transforma ao longo de
bilhões de anos. O “tempo” humano? Não sabemos. Mas as sensações e impressões vão
esmaecer no transcurso de uma época, até mesmo as referências teóricas.
O que é a escuta do real senão, o seu representante. Assim no
encadeamento das representações realizamos a imortalidade tão sonhada, no
contraponto do imediato cotidiano. Ansiedade pela imortalidade, continuidade,
principalmente aquilo que se compreende e sente como belo faz parte da
desventura do humano. Então o “valor da transitoriedade é o valor da escassez
no tempo”. A uma estação, segue-se outra, o inverno é a semente da primavera e
sucessivamente, as marés, a noite, o dia, os astros no céu, etc. assim “nossa
vida pode ser considerada eterna”, e não é seu “pouco” tempo, que a destitui de
beleza e possibilidades. “Uma flor que dura apenas uma noite nem por isso nos
parece menos bela”. O que guardamos é o significado para nossa existência e é
assim que sobrevive a nós. O que nos dá o sentido do real na transitoriedade é
a morte e com ela todos os objetos e investimentos de nossas vidas.
Inexoravelmente perecerão. Permanecendo aquilo que de nós elevou da nossa
condição de humanos.
Por certo o mundo em que vivemos é complexo, conflituoso, mesmo depois
de uma segunda grande guerra, 98 anos depois de Freud ter escrito o artigo
sobre transitoriedade, ainda nos vemos diante dos mesmos enigmas. O luto, esse
“grande enigma”, é então uma vivência, que se inicia ao nascer. Nosso destino
de amor seja, por nosso próprio ego ou aos objetos que amamos, uma vez
perdidos, é muito sofrido. Esse investimento afetivo há que transcender para
sobreviver num movimento espontâneo de substituição por outros objetos iguais
ou mais preciosos. Resta-nos a ilusão de que a ancestralidade nos dará a
condição que tanto almejamos, diante da finitude.
E assim na entrevista O VALOR DA VIDA concedida ao jornalista
G.S.Viereck, com Tradução de Paulo Cesar Souza, Freud com sua inigualável
sabedoria diz: “A velhice, com suas agruras, chega para todos. Eu não me rebelo
contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para
comer. Apreciei muitas coisas - a companhia de minha mulher, meus filhos, o
pôr-do-sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive
uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quase me
compreendeu. Que mais posso querer?”
Referência
FREUD, S. - SOBRE A TRANSITORIEDADE (1916
[1915]). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro,
Imago-1996.
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