22 de setembro de 2013

Saúde Mental - Sobrevivendo nos conflitos de guerra

O fato de estarmos diante do conflito na síria, bem descrito no artigo: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/09/1342442-horror-na-siria-vai-muito-alem-das-armas-quimicas-diz-presidente-de-comissao-da-onu.shtml leva-nos inevitavelmente à reflexão entre direitos humanos e saúde mental. Das milhares de morte, assassinatos, armas químicas, execuções de pessoas, comunidades, torturas de adultos, crianças, idosos por todas as partes envolvidas no conflitos parece tão grave quanto aos fatos da segunda guerra com judeus, negros, ciganos, homossexuais. A forma de concepção “religião-guerra” é uma questão difícil. São muitos interesses políticos, econômicos, religiosos, estratégicos no jogo do poder. Compreender as origens de um ódio que se estende de geração a geração e marcas traumáticas que alimentam esse ódio, constrói e estruturam o perverso é compreender que algo para além de um obstáculo externo, alcança um obstáculo interno de satisfação, na construção de uma moralidade e dignidade pela vida. Se o superego cultural é esmagado é porque a consciência interna está fragmentada. Qual a história de frustração narcísica dos grupos envolvidos no sentido de construção e irrupção de um Estado doentio? As disposições e os fatores precipitantes sempre estiveram nos sujeitos, grupos envolvidos, e as influências do mundo externo presentes desde o nascimento. É possível que esses sujeitos, grupos tenham sido saudáveis enquanto suas necessidades de amor foram satisfeitas e na perda desse(s) objeto(s) não foi possível substitutos. Assim se não é possível para o destino possibilitar uma cura, há que se pensar no quanto esses sujeitos necessitam de acolhimento, escuta e tratamento, que atendam suas  demandas, cujo cotidiano é marcado pela tragédia, e facilitador a instalação de patologias.

O processo de frustração continuada, dos conflitos armados, e o quanto um sujeito pode tolerar de tensão psíquica e que saída ou recursos psíquicos dispõe para lidar com isso é a questão. Um dos recursos possíveis é transformar a tensão psíquica em “energia ativa”, através de ações que possibilitem permanecerem voltados, para o mundo externo, ou “resolver” a tensão psíquica sublimando. A questão das sucessivas frustrações pode impulsionar o sujeito a virar às costas para a realidade, pois esta perde o seu valor e volta-se para uma perspectiva de fantasia, construindo novas estruturas de desejo, através dos traços mnêmicos esquecidos e alimenta, por exemplo, a ilusão de que nos campos ou nos países em que serão refugiados a realidade pode ser menos ameaçadora. Como confluir subjetividades, identidades, histórias tão diversas entre si, diante do teste de realidade e suas expectativas? O fato é que as frustrações com a realidade vivenciada é considerável. Portanto os sintomas são inevitáveis sejam no nível dos sujeitos ou dos grupos, uma vez que não são possíveis substitutos satisfatórios.

Para os sujeitos que estão envolvidos em conflitos de guerra, a realidade externa é tão adversa, que para manter sua “saúde” é necessário um esforço interno para conseguir a satisfação, que pode não lhe ser acessível pela realidade externa. Mas se esse esforço não é suficiente, em quantidade de energia desprendida, por dificuldades internas insuperáveis, o sujeito adoece, por tentar adaptar-se à realidade. Guerrear pode ter inúmeros significados. Toda guerra por maiores que sejam os interesses econômicos, políticos, religiosos, começa internamente em cada sujeito, pois não é possível diluir este enquanto conjunto. Mas a questão do poder e do ódio inevitavelmente estão envolvidos e diz respeito a uma estrutura perversa. Se a mudança externa é difícil, longa, exige talvez séculos, a mudança interna. 

Uma mudança interna dá-se através de sintomas, que pode ou não, ao renunciar a satisfação cair doente pela incapacidade de reagir. Ou levar a busca de uma resinificação, de “cura”, que sucumbe se não houver flexibilidade. O conflito para permanecer como se é e para modificar-se é inevitável e exige grande dispêndio de energia e aproximações e afastamentos da realidade. Se as escolhas forem incompatíveis, fixações surgirão como consequência de frustrações externas. Essas fixações podem dizer respeito a locais e eventos passados, presentes ou futuros e pode ser tão fortes que impossibilite descolamentos, o que é um ponto importante no destino da saúde mental do sujeito. Transpor as demandas instintivas  e buscar um ideal ético, também pode levar a frustrações devido à incapacidade de correspondência com a realidade externa, que frustra as possibilidades de satisfação, de sentir-se seguro.

Se há confluência entre determinadas tendências do ego e a realidade externa a formação de sintomas é maior, pois já habitavam o sujeito. As experiências adversas e traumáticas da realidade potencializam a formação de sintomas de acordo com o funcionamento estrutural do sujeito. Quando essas exigências ocorrem nos anos da infância, quando ainda não há um amadurecimento emocional, um ser integral, os efeitos na idade adulta ou no sujeito idoso, podem cronificar-se. Pensar a saúde mental nos conflitos armados é pensar a saúde mental de todos os sujeitos envolvidos. Assim talvez sejam possíveis os prognósticos dos enlaces em questão, para os diversos grupos e características etárias. Portanto os efeitos para uma criança, um adulto e um idoso, possam apresentar-se diversos, ou em alguns casos inversos, se o debilitamento do ego fizer parte da disposição do sujeito, facilitando os conflitos internos. Nestas situações a arquitetura psíquica busca estabelecer uma constelação de defesas que preservem o sujeito, ante as ameaças internas e externas, tentando acomodar a individualidade do sujeito as suas condições de vida. Nossa solidariedade aos refugiados de todos os conflitos armados no mundo. O exílio é sempre algo doloroso, pois exige de quem o vive, o desenvolvimento de recursos psíquicos nem sempre disponíveis ou difíceis de serem construídos.  
Referência
FREUD, S.   TIPOS DE DESENCADEAMENTO DA NEUROSE (1912)  Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

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