O fato de
estarmos diante do conflito na síria, bem descrito no artigo: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/09/1342442-horror-na-siria-vai-muito-alem-das-armas-quimicas-diz-presidente-de-comissao-da-onu.shtml leva-nos
inevitavelmente à reflexão entre direitos humanos e saúde mental. Das milhares
de morte, assassinatos, armas químicas, execuções de pessoas, comunidades,
torturas de adultos, crianças, idosos por todas as partes envolvidas no
conflitos parece tão grave quanto aos fatos da segunda guerra com judeus, negros,
ciganos, homossexuais. A forma de concepção “religião-guerra” é uma questão
difícil. São muitos interesses políticos, econômicos, religiosos, estratégicos
no jogo do poder. Compreender as origens de um ódio que se estende de geração a
geração e marcas traumáticas que alimentam esse ódio, constrói e estruturam o
perverso é compreender que algo para além de um obstáculo externo, alcança um
obstáculo interno de satisfação, na construção de uma moralidade e dignidade
pela vida. Se o superego cultural é esmagado é porque a consciência interna
está fragmentada. Qual a história de frustração narcísica dos grupos envolvidos
no sentido de construção e irrupção de um Estado doentio? As disposições e os
fatores precipitantes sempre estiveram nos sujeitos, grupos envolvidos, e as
influências do mundo externo presentes desde o nascimento. É possível que esses
sujeitos, grupos tenham sido saudáveis enquanto suas necessidades de amor foram
satisfeitas e na perda desse(s) objeto(s) não foi possível substitutos. Assim
se não é possível para o destino possibilitar uma cura, há que se pensar no
quanto esses sujeitos necessitam de acolhimento, escuta e tratamento, que
atendam suas demandas, cujo
cotidiano é marcado pela tragédia, e facilitador a instalação de patologias.
O processo
de frustração continuada, dos conflitos armados, e o quanto um sujeito pode
tolerar de tensão psíquica e que saída ou recursos psíquicos dispõe para lidar
com isso é a questão. Um dos recursos possíveis é transformar a tensão psíquica
em “energia ativa”, através de ações que possibilitem permanecerem voltados,
para o mundo externo, ou “resolver” a tensão psíquica sublimando. A questão das
sucessivas frustrações pode impulsionar o sujeito a virar às costas para a
realidade, pois esta perde o seu valor e volta-se para uma perspectiva de
fantasia, construindo novas estruturas de desejo, através dos traços mnêmicos
esquecidos e alimenta, por exemplo, a ilusão de que nos campos ou nos países em
que serão refugiados a realidade pode ser menos ameaçadora. Como confluir
subjetividades, identidades, histórias tão diversas entre si, diante do teste
de realidade e suas expectativas? O fato é que as frustrações com a realidade
vivenciada é considerável. Portanto os sintomas são inevitáveis sejam no nível
dos sujeitos ou dos grupos, uma vez que não são possíveis substitutos
satisfatórios.
Para os
sujeitos que estão envolvidos em conflitos de guerra, a realidade externa é tão
adversa, que para manter sua “saúde” é necessário um esforço interno para
conseguir a satisfação, que pode não lhe ser acessível pela realidade externa.
Mas se esse esforço não é suficiente, em quantidade de energia desprendida, por
dificuldades internas insuperáveis, o sujeito adoece, por tentar adaptar-se à
realidade. Guerrear pode ter inúmeros significados. Toda guerra por maiores que
sejam os interesses econômicos, políticos, religiosos, começa internamente em
cada sujeito, pois não é possível diluir este enquanto conjunto. Mas a questão
do poder e do ódio inevitavelmente estão envolvidos e diz respeito a uma
estrutura perversa. Se a mudança externa é difícil, longa, exige talvez
séculos, a mudança interna.
Uma
mudança interna dá-se através de sintomas, que pode ou não, ao renunciar a
satisfação cair doente pela incapacidade de reagir. Ou levar a busca de uma resinificação, de “cura”, que sucumbe se não houver flexibilidade. O conflito
para permanecer como se é e para modificar-se é inevitável e exige grande
dispêndio de energia e aproximações e afastamentos da realidade. Se as escolhas
forem incompatíveis, fixações surgirão como consequência de frustrações
externas. Essas fixações podem dizer respeito a locais e eventos passados,
presentes ou futuros e pode ser tão fortes que impossibilite descolamentos, o
que é um ponto importante no destino da saúde mental do sujeito. Transpor as
demandas instintivas e
buscar um ideal ético, também pode levar a frustrações devido à incapacidade de
correspondência com a realidade externa, que frustra as possibilidades de
satisfação, de sentir-se seguro.
Se há
confluência entre determinadas tendências do ego e a realidade externa a
formação de sintomas é maior, pois já habitavam o sujeito. As experiências
adversas e traumáticas da realidade potencializam a formação de sintomas de
acordo com o funcionamento estrutural do sujeito. Quando essas exigências
ocorrem nos anos da infância, quando ainda não há um amadurecimento emocional,
um ser integral, os efeitos na idade adulta ou no sujeito idoso, podem
cronificar-se. Pensar a saúde mental nos conflitos armados é pensar a saúde
mental de todos os sujeitos envolvidos. Assim talvez sejam possíveis os
prognósticos dos enlaces em questão, para os diversos grupos e características
etárias. Portanto os efeitos para uma criança, um adulto e um idoso, possam
apresentar-se diversos, ou em alguns casos inversos, se o debilitamento do ego
fizer parte da disposição do sujeito, facilitando os conflitos internos. Nestas
situações a arquitetura psíquica busca estabelecer uma constelação de defesas
que preservem o sujeito, ante as ameaças internas e externas, tentando acomodar
a individualidade do sujeito as suas condições de vida. Nossa solidariedade aos
refugiados de todos os conflitos armados no mundo. O exílio é sempre algo doloroso,
pois exige de quem o vive, o desenvolvimento de recursos psíquicos nem sempre
disponíveis ou difíceis de serem construídos.
Referência
FREUD,
S. – TIPOS
DE DESENCADEAMENTO DA NEUROSE (1912) Obras
Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
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