“…Aliás, que diria você se eu lhe contasse que toda aquela
minha história da histeria, história original e novinha em folha, já era
conhecida e tinha sido publicada repetidamente uma centena de vezes — há alguns
séculos? Você se lembra de que eu sempre disse que a teoria medieval da
possessão pelo demônio, sustentada pelos tribunais eclesiásticos, era idêntica
à nossa teoria de um corpo estranho e de uma divisão (splitting) da consciência? Mas por que é que o diabo, que se
apossava das pobres bruxas, invariavelmente as desonrava, e de forma
revoltante? Por que as confissões delas sob tortura tanto se assemelham às
comunicações feitas por meus pacientes em tratamento psíquico? Dentro em breve,
precisarei pesquisar a bibliografia do assunto. Aliás, as crueldades
possibilitam o entendimento de alguns sintomas da histeria, que até agora têm
permanecido obscuros. Os alfinetes que aparecem das formas mais surpreendentes,
as agulhas que fazem com que as pobres criaturas tenham seus seios operados, e
que são invisíveis aos raios X, embora possam ser encontradas na história de
sua sedução… Mais uma vez, os inquisidores espetam agulhas para descobrir os
estigmas do demônio, e, numa situação parecida, as vítimas inventam a mesma
cruel e velha história (ajudadas, talvez, pelos disfarces do sedutor). Assim,
não só as vítimas, mas também os seus algozes, relembram nisso os primórdios de
sua adolescência”.
Quando
falamos em dor recordamos que em algumas de suas cartas, Freud inquietou-se com
a crueldade da inquisição e seus representantes psíquicos. Dentre eles a tortura,
dor. Nesta carta enigmática sugere que a suposta possessão alegada pelos meios
eclesiásticos, seria um processo de divisão de consciência, processo ao qual,
as mulheres poderiam desenvolver em função da opressão a que estavam submetidas
na época. Recusar a relação com um homem ou ter habilidades que lhes desse
autonomia, era motivo para serem encarceradas, possuídas, queimadas. As agulhas
enquanto instrumento de tortura, possibilitavam os estigmas que procuravam os
inquisidores, para possuí-las, encarcerá-las e queimá-las.
Assim “uma
bruxa disfarçada, era enviada para o calabouço, fogueira”, seu ego dividido,
como consequência da tortura. Necessário que fossem “bruxas”, mulheres com
autonomia diferenciada, que ao recusarem ser “possuídas”, eram possuídas pelos
mandatários eclesiásticos e então alvo fácil da inquisição. Como iriam possuir
essas mulheres, encarcera-las e queimá-las, se não tivesse a designação de “bruxas”?
“Bruxas” seriam as que passaram por um processo de desagregação da consciência pela
“possessão”, de que? Lembremos o filme “Sombras de Goya”, 2007 de Milos Forman
ao narrar à inquisição espanhola.
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