23 de setembro de 2013

Aprender e Saber


Aprender é apropriar-se de um saber sobre si mesmo

Várias são as terminologias para o estudante que não apresenta os resultados estabelecidos desde a infância para o “sucesso e carreira profissional”: “queixa escolar”, “dificuldade de aprendizagem”, “fracasso de aprendizagem”, “fracasso escolar”. Dificuldades para que exigências e resultado no mercado de trabalho? Por que a demanda é geralmente da escola e não da criança ou adolescente? Qual o nível de pressão que a criança ou adolescente vive seja no ambiente familiar ou na comunidade para resultados de sucesso competitivo? Desde cedo as crianças são confrontadas pelo mercado de trabalho, pois as falas dizem que: “quando chegar sua vez vai ser difícil encontrar um emprego, portanto tem que começar desde cedo”. “Vivemos em um mundo competitivo”. E assim um bebê em frente ao computador é uma “questão importante”.

 Pouco se fala em ritmos diferentes de aprendizagem, em subjetividade. Ao educador cabe “diagnosticar” a criança ou adolescente com “dificuldade de aprendizagem” e encaminhá-la ao reforço escolar. Cabe apresentar para a instituição um bom desempenho, esse é seu indicador. O que “fica de fora” do indicador deve retornar como “dificuldade de aprendizagem”. Já se fala em “diagnóstico de dificuldade de aprendizagem”. Por que a criança ou adolescente é o sintoma? Que transferência está em jogo? A escola tem assumido um papel de “trabalho pedagógico infantil” e os educadores “coordenadores de formação de indivíduos para o trabalho”. A escola tem ao longo do tempo, com a pressão social por sucesso, se colocado não enquanto um lugar de saber, mas de trabalho, o significado enquanto instituição que “prepara” para o trabalho, exerce sobre as crianças e adolescentes um desprazer pouco compreendido, como se o estudar acadêmico fosse a “única” forma de prazer possível para essa forma de relação . Aprende-se pela repetição e não pela aquisição de um saber permeado pela compreensão conceitual e abstrata das realidades vivenciadas. As crianças e adolescentes não sabem por que estão estudando determinados conteúdos. Que o recurso da projeção é exaustivamente utilizado nos grupos sociais, onde é preciso eleger um sintoma e dar um diagnóstico para que todas as ansiedades se acalmem e finalmente seja dado um lugar aquele “não saber” é visível.

Aprender é algo que pertence ao saber. Saber que começa ao nascer. O bebê se apropria de um saber sobre o mamar, sobre as funções excretoras, engatinhar, andar, sobre as diferenças anatômicas entre meninos e meninas. O saber sobre o lugar na relação com os pais, e o saber acadêmico. Assim o saber é algo que se desenvolve de forma dialética com as vivências e o desenvolvimento físico-emocional. Sabemos que o recém-nascido tem a tendência para evitar a dor, e fixar-se nas experiências prazerosas. Durante o desenvolvimento a disciplina e autodisciplina pelo processo da educação, não exclui a tendência para evitar a dor e o psiquismo continua a regular-se num equilíbrio entre dor e prazer mesmo no adulto.

Não cabe aqui ser localizacionista sobre funções cerebrais até porque depois das últimas descobertas da neurociência sobre a plasticidade neuronal, as chamadas zonas cerebrais cada vez mais se expandem. As questões que se apresentam não são para diagnósticos individuais, dizem sim respeito ao processo do viver. Existe a dificuldade de se lidar com o diferente, pois isso é o padrão de valores da sociedade “moderna”, mas levar as “traquinices” próprias da infância a serem inseridas como “distúrbios” é não considerar a história de cada sujeito e tornar a criança adulta “antes do tempo”, sem a infância.

Há que interrogar sobre adequação de conteúdos, de metodologia e a pressão por resultados e o amadurecimento emocional dos profissionais e cuidadores para lidar com questão tão complexa que é o educar. O lar e a escola são espaços do educar. Gerar nomenclaturas é induzir uma demanda generalizada de mercado e de medicamentos. Se vivemos em uma sociedade com diz Ferenczi “a humanidade é atualmente educada para uma cegueira introspectiva”; (p.41) é por que não escutamos o outro, seja esse outro nós mesmos e o outro sujeito separado de nós companheiros(as), filhos, pais, amigos etc. Escutar é compreender as representações, os significantes que nos habita do inconsciente ao consciente de forma dialética. Essa escuta supõe que existe um sujeito que “já sabe sobre si próprio”. Isso implica a cuidadores, educadores, profissionais, “sair” do lugar de “sujeito suposto saber”.

Se o problema da aprendizagem é um sintoma cabe interrogar o que o sujeito não quer saber ou de que forma ele não quer saber? A questão é de que sujeito se trata, ou sob qual olhar vemos o sujeito. Esse sujeito possui uma história e se apropria dela de que forma? como diz Ferenezi compreender “os sentimentos e as ideias assim reprimidos, nem por isso foram suprimidos, e no decorrer do processo educativo, eles se multiplicam, se avolumam, aglomeram-se” (p.40) e demandam uma escuta, uma resinificação. Que os processos emocionais inconscientes interferem substancialmente nos processos intelectuais conscientes não há dúvida. Mas de que forma, as transferências, a personalidade dos educadores influencia? Em que estas bloqueiam ou facilitam o aprendizado? É certo que estudantes imaginam simpatias e antipatias que provavelmente não existam ou que existam. Ao darem ênfase na submissão provocam oposição. Que os estudantes sejam inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los, faz parte da ambivalência para atitudes contraditórias.

Importante refletir que quando a criança nasce ela já vem sendo inserida no contexto familiar desde a concepção, em suas expectativas, ansiedade. Esse pai e essa mãe são detentores de uma história familiar que comporta desejos, estrutura moral, funções, expectativas masculinas e/ou femininas, possuem uma estrutura psíquica. É nesse e em tantos outros contextos que a criança será inserida. A qualidade das relações da criança com as pessoas do sexo oposto e do próprio sexo será permeada inicialmente nos primeiros seis anos pelas experiências de seus cuidadores. Que ela dará um destino, transformando-as em suas direções é certo. Assim pais irmãos e suas formas de funcionamento estarão irremediavelmente ligados à criança e adolescente. Quando a criança atinge a idade escolar outras relações passarão a fazer parte de seu universo - são os professores. E assim as imagens que a criança tem dos pais, irmãos ou cuidadores serão uma primeira extensão dessa herança emocional, defrontando-se com simpatias, antipatias. Mas, não só isso, as escolhas de amizades e amor seguem as lembranças desses primeiros tempos da infância. Para cada dificuldade apresentada por uma criança, caberá a pergunta: que subjetividade, determinações e forma de relacionamento ela traz em sua vida que a faz agir assim?

No percurso do desenvolvimento os pais amados são um modelo a ser imitado, mas também a ser eliminado para que a autonomia seja construída. Os impulsos afetuosos e hostis convivem lado a lado, às vezes até o fim da vida. Nessa existência de sentimentos contrários, muitas vezes não compreendidos por pais e professores que surgem os conflitos. Que é mais fácil dizer a um professor o que não pode dizer ao pai ou a mãe é certo. Como também é muitas vezes mais fácil ao professor dizer ao aluno o que não pode dizer aos pais ou filhos é também possível. E assim as relações de transferências vão sendo construídas e os conflitos internos de cada um não vão sendo elaborados. Os pais e professores vão se deparar com a criança, o jovem de hoje e com a criança que um dia eles foram e as crianças vão descobrir que os pais não são os mais poderosos e sábios, que possuem equívocos, mentem, quando dizem para eles não mentirem, colaram em provas quando falaram para eles estudarem, não são leais quando exigem deles lealdade incondicional. Então esse jovem revela-lhe isso e assim é inscrito como jovem desrespeitoso, aluno com falta de atenção, indisciplinado etc. Nesse desligamento dos pais e professores ideais, como pais e professores que muitas vezes não se apropriaram do saber sobre seu si próprio, fica esse jovem insatisfeito, aprende a criticá-lo sem compreender qual seu lugar na sociedade; em geral age de forma a que “paguem” pelo desapontamento que lhe causou. A elaboração dessas frustrações, do desligamento dos pais tão importantes na vida da criança, do jovem irá habitar a forma de ser do adulto.

Os professores e alunos são de certa forma pais e filhos substitutos e os colegas possíveis irmãos ou até sentimentos relativos aos pais. Transferindo para eles respeito e expectativas da infância e começam a tratá-los, confrontando com as ambivalências existentes nas famílias. Há que os pais, cuidadores e professores se apropriarem de suas subjetividades, infâncias, histórias acolherem seus sofrimentos, resinificá-los para o pleno exercício de suas funções e talvez assim o processo educacional valorizará não a “cegueira introspectiva”, mas a “verdade interior que liberta”. 

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