29 de março de 2013

Paz - Pascoa - Passagem


 “A vida neste mundo serve a um propósito mais elevado; indubitavelmente, não é fácil adivinhar qual ele seja, mas decerto significa um aperfeiçoamento da natureza do homem. É provavelmente a parte espiritual deste, a alma, que, no decurso do tempo, tão lenta e relutantemente, se desprendeu do corpo, que constitui o objeto desta elevação e exaltação. Tudo o que acontece neste mundo constitui expressão das intenções de uma inteligência superior para conosco, inteligência que, ao final, embora seus caminhos e desvios sejam difíceis de acompanhar, ordena tudo para o melhor — isto é, torna-o desfrutável por nós. Sobre cada um de nós vela uma Providência benevolente que só aparentemente é severa e que não permitirá que nos tornemos um joguete das forças poderosas e impiedosas da natureza. A própria morte não é uma extinção, não constitui um retorno ao inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo de existência que se acha no caminho da evolução para algo mais elevado. E, olhando na outra direção, essa visão anuncia que as mesmas leis morais que nossas civilizações estabeleceram, governam também o universo inteiro, com a única diferença de serem mantidas por uma corte suprema de justiça incomparavelmente mais poderosa e harmoniosa. Ao final, todo o bem é recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade, sob esta forma de vida, pelo menos em existências posteriores que se iniciam após a morte. Assim, todos os terrores, sofrimentos e asperezas da vida estão destinados a se desfazer. A vida após a morte, que continua a vida sobre a terra exatamente como a parte invisível do espectro se une à parte visível, nos conduz à perfeição que talvez tenhamos deixado de atingir aqui. E a sabedoria superior que dirige esse curso das coisas, a bondade infinita que nela se expressa, a justiça que nela atinge seu objetivo, são os atributos dos seres divinos que também nos criaram, e ao mundo como um todo, ou melhor, de um ser divino no qual, em nossa civilização, todos os deuses da Antiguidade foram condensados” (Freud, p.27-28 – [1927-1931]).

Estamos na páscoa e toda a humanidade de alguma forma, em suas diversas concepções, expressões, cada um a sua maneira se recolhe em suas reflexões sobre a existência e seu sentido. Questão de longe muito antiga de angustia. Muitos se debruçaram e se debruçam sobre ela, principalmente nas concepções do mundo ocidental quando discute fé e ciência como contraditórias. Nesse belíssimo trecho de Freud onde mais adiante ele complementará:   “essas ideias — ideias religiosas no sentido mais amplo — são prezadas como o mais precioso bem da civilização, como a coisa mais preciosa que ela tem a oferecer a seus participantes. São muito mais altamente prezadas do que todos os artifícios para conquistar tesouros da terra, prover os homens com o sustento, evitar suas doenças”... (p.29).

Paz, passagem, mudança, transformação a toda a humanidade que existe em cada um de nós.

23 de março de 2013

Ansiedade seus Mecanismos e a Dor

Considerações Finais

Quando nos propomos a escrever sobre ansiedade, esse afeto “tão comum”, em nosso conturbado mundo atual, compreendemos que é difícil não sofrer ansiedade, em determinadas circunstancias da vida. É claro, que, cada um na sua dimensão, intensidade, elaboração. Compreender que nos mecanismos da ansiedade, visualizar o ego como a sede da ansiedade e da dor, de onde provem desprazer, e por sua vez um aumento da energia, que a ansiedade não é “criada”, é reproduzida de uma imagem mnêmica que retorna, (lembremo-nos do artigo de março onde falamos do recalcado e do retorno do recalcado), seja por um estímulo interno ou externo. Sendo a ansiedade (Angst) um estado afetivo, precipita-se na mente como resquícios de experiências traumáticas primitivas, antes do nascimento, no nascimento e no percurso da vida, acrescidas de conflitos, traumas e experiências vivenciadas. Assim a dor lhe é inerente. Nesse contexto há dispêndio de energia para manter ego e Id desvinculados, uma vez que esse vínculo é inerente a constituição psíquica, e que  se revelará através da explicitação do conflito. A luta é contra o impulso instintual (estímulo) até o momento de apresentação do sintoma.

Então onde começa tudo isso? Não há demarcação, mas podemos falar de experiências antes do nascimento, nascimento e de tempo. A continuação da experiência humana em forma embrionária e seus sofrimentos, dos quais a ansiedade, a dor é dos primeiros a se revelar pelas próprias necessidades fisiológicas. “Vencidas” esse primeiro momento virá a primeira infância que terá outras exigências de ordem tanto físico-psíquicas, em que a mãe ou cuidador, esse objeto-outro, que se estenderá por toda a vida passando por diversas fases, como medo da separação, a constituição da identidade na relação especular, a descoberta da sexualidade, o complexo de Édipo, que constitui a imersão na cultura, no mundo da lei. O perigo para o ego revela-se por um sinal de ansiedade, para o equilíbrio da instância do prazer-desprazer. 

No mecanismo da ansiedade nas situações de prazer-desprazer está inevitavelmente a dor. A ansiedade desloca-se de sua origem na situação de desamparo, para uma expectativa dessa situação e para determinante do perigo, como a perda dos afetos. Assim não é prudente ampliar a importância do perigo para uma criança ou adolescente, que potencializa o desamparo motor e psíquico. A relação sobre a origem do perigo, se interna ou externa deve ser dialética, na medida em que estão de certa forma interligadas, ou seja, o perigo interno representa um perigo externo, em sua manifestação e o perigo externo, representa um perigo interno em sua manifestação interna e assim é significativo para o ego. Essa ansiedade, angústia, gera uma dor ou a dor pode gerar uma ansiedade ou angústia, pelo acumulo de necessidades que não podem obter satisfação, sejam circunstanciais, ou por determinantes da cultura. Todos nós possuímos uma herança arcaica, cuja referência é uma perda, que necessita ser reelaborada. Dessa forma compreendemos que as fobias da infância ao se tornarem fixadas e fortes, persistindo ao longo da vida, seu conteúdo se associa a exigências psíquicas. Apesar de todo o avanço das pesquisas científicas sobre a vida intrauterina o nascimento e o psiquismo que está presente, e em construção há muito que se avançar. Existem lacunas que “parecem” intransponíveis no momento: quantos óvulos são fecundados? Quando é mais de um, eles se fundem como as pesquisas sobre "Gêmeos amalgamados" revelam? Há muito por fazer nesta incompletude do conhecimento. Mas eles são necessários, pois é o que sempre impulsionou a humanidade e nos impulsiona a seguir em frente, mesmo, que seja para saltos, que nem sempre estamos preparados. “E como se pode dizer de nossa vida: não tem muito valor, mas é tudo o que temos. Sem a revelação proporcionada pela qualidade da consciência, estaríamos perdidos na obscuridade da psicologia profunda; devemos, contudo, encontrar nosso rumo” Freud, (1933[1932] p.75). E encontrar esse rumo passa pelo autoconhecimento da própria desagregação do ego, advinda do sentimento de abandono, perdas. Quando pensamos que somos e não somos, nossos objetos de desejo são uma ilusão, era apenas o que desejávamos que fossem, não era real no sentido de possuir eco na vida cotidiana, era um véu para encobrir nosso abandono. Cabe continuar caminhando, percorrer o caminho do autoconhecimento, resinificar, encontrar novos objetos de desejos, verdadeiros, novos projetos no sentido do saudável, do prazer “sem a ansiedade e a dor”, ou seja, “dando conta” da própria ansiedade e dor, reelaboradas.   
Referências 
FREUD, S. A Dor (1950-[1895]). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Idem  -   A Experiência da Dor (1950-[1895]). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Idem  -  CONFERÊNCIA XXXI – (1933[1932]). Obras Completas de Psicanálise - volume XXII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Idem  -  Inibições, Sintomas e Ansiedade (1926 - 1925). Obras Completas de Psicanálise - volume XX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Idem  -  O Ego e o Id (1923-1925). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Idem  -   Rascunho E (1894). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.  

19 de março de 2013

Dor e Ansiedade

Ansiedade e Dor 

O lugar de pai, mãe, filho são funções, que, uma vez exercida com apaziguamento diminui ou evita os sintomas que o ego expressará das situações de perigo. Se os sintomas não se formarem, o perigo se concretiza, ou seja, uma situação semelhante ao nascimento se revela, e o ego fica desamparado, pois existe o determinante mais antigo e original da ansiedade. Entre o sintoma e a ansiedade existe uma situação de perigo. O desencadeamento da ansiedade gera sintomas, pois se o ego não despertasse a instância de prazer-desprazer, não teria força para bloquear processos no id,  que ameaça, com perigo. A formação de sintomas neutraliza a situação de perigo, alterando no inconsciente a “visão” de perigo, o ego é afastado deste, e assim é criado uma formação substitutiva.

Como falamos na neurose histérica o perigo parece ser sentido como externo, porque sofreu um deslocamento externo no sintoma, como as fobias de forma geral, ou seja, há uma fuga de um perigo externo tornando maior a distância entre o sujeito e o que o está ameaçando. Na neurose obsessiva o perigo é mais internalizado, o sujeito não está preparado para defender-se contra ele ou tentando alterar algo a respeito dele. O ego assume uma atitude de autoproteção e vigorosas contra medidas. Seja qual for a estrutura de defesa a atitude por parte do ego resultará também numa alteração do processo instintual. É certo que a criança ou mesmo determinados adultos não estão preparados para dominar psiquicamente as “grandes somas de excitação que o alcançam quer de fora, quer de dentro”. Para a criança é importante que as pessoas das quais ela depende não retirem seu carinho. Na infância, quando se torna consciente de suas próprias inclinações agressivas e seu medo de ser punido “pode encontrar expressão através de reforço filogenético”, (Freud p.144) e quando trava relações sociais, teme seu superego e essa consciência dá margem a conflitos, muitas vezes expressados por supostas situações de perigo.


Desta forma seja qual for a fase da vida, os sintomas se apresentarão em sua forma própria. Aos quatro anos de idade pode chorar se seu brinquedo quebrar, aos seis se a professora, ou mãe reprová-la, aos dezesseis se o namorado (a) desprezá-la (o) e aos vinte e cinco, se a esposa (o) separar-se. Vale ressaltar que estes exemplos configuram sequencias da vida. Os sofrimentos mais profundos requerem outras considerações. A dor gera tensão, ansiedade e angústia. Dor psíquica e física. Cada determinante de dor tem a sua própria época e dependendo do trabalho entre id, superego e ego demoram muito a desaparecer. Existe um declínio nos determinantes da ansiedade, após produzirem reações neuróticas e sair-se delas crescendo, como por exemplo, os medos infantis de escuro, estranhos, de ficar sozinhos, violência, abusos, traumas de relações de sofrimento na infância. Embora muitas pessoas não superem esses determinantes de ansiedade ao longo de suas vidas, o que não se consegue acessar, pertence a algum fator que explicará, porque algumas pessoas obtêm sucesso em superar os determinantes de uma ansiedade e outras percorrem caminhos de dolorosos sofrimentos no sentido de um apaziguamento mínimo da dor. Uma vez que os perigos e frustrações estão no cotidiano de cada sujeito.


O trauma do nascimento se apodera de cada pessoa em grau variável de intensidade e a intensidade da ansiedade varia com a força do trauma. A dificuldade de reagir ao trauma exerce influência nas dificuldades que irá percorrer ao longo da vida, mesmo porque outras vivências e provações traumáticas por certo virão. O que não podemos retirar do trauma do nascimento são as legítimas reivindicações da constituição hereditária, como fator etiológico, dependendo ela própria, de muitas influências filogenéticas, extensão do dano e estado psicológico da mãe. É possível proteger-se de algo perigoso através, da repressão, por uma tentativa de fuga. Mas como o ego não pode satisfazer suas repressões, e para travar essa luta necessitará de relações qualitativas, uma vez que “a atração regressiva exercida pelo impulso reprimido e a força da repressão não tem outra opção senão obedecer à compulsão à repetição” (Freud p.150). Mas outras forças provenientes de dificuldades na vida real, outros sofrimentos maiores, podem exercer atração pelo que foi reprimido reforçando a ansiedade e estabelecendo um estado de dor psíquica, em curso por longo tempo.


Os fatores biológicos, filogenéticos e psicológicos fazem com que as forças do psiquismo se lancem umas contra as outras. Quando o ego é capaz de levantar suas repressões, ele mantém e recupera seu poder sobre o inconsciente reprimido, e pode permitir que antigas situações de perigo funcionem como se não existissem. O fator biológico, o tempo durante o qual se está em condições de desamparo e dependência, a existência intrauterina parece ser curta quando o indivíduo é lançado ao mundo num estado inacabado. Assim a influência do mundo externo é intensificada e uma diferenciação entre o ego e o id se estabelece. Os perigos do mundo externo têm maior importância de forma que o valor das pessoas que podem protegê-lo contra os perigos, é o valor da vida intrauterina aumentado de forma exponencial e intensa. O fator biológico, “estabelece as primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado que acompanhará a criança durante o resto de sua vida” (Freud p.151).


Não é possível deixar de considerar o fator filogenético. Ao nascer inúmeras vicissitudes farão parte de sua vida. Vicissitudes estas que Freud no capitulo III de O ego e o Id afirma que o bebê “tem a época geológica glacial em mente”. Assim o desenvolvimento dos instintos, do ego, do superego, da sexualidade, da sexuação, desde o nascimento, não segue uma linearidade, sofre interrupções, traumas, distorções, que causam dor e que nem sempre retornam ou se retornam é com muitos conflitos e dificuldades. No que diz respeito a nossa estrutura psíquica temos um inconsciente e um superego (id e ego). O aspecto psicológico tem diz respeito ao que Freud chama de “um defeito do nosso aparelho mental” (Freud p.152), que é a diferenciação entre id e ego. Nessa relação dialética o ego se protege em relação a determinados impulsos do id, tratando-os como perigo, em função dos perigos da realidade externa, ou seja, ele faz uma associação.


Proteger-se da realidade externa é mais fácil do que proteger-se dos perigos que representam os instintos internos. Desta forma o ego faz o sintoma para proteger-se, mas se o instinto continuar o ataque ao ego vai comprometendo-o cada vez mais, e adquirindo aparência de algo patológico, ou seja, o sintoma que não é resinificado pode cronificar-se. A ansiedade (Angst) é ansiedade por algo, assim a relação é de expectativa, onde permeia a indefinição e a falta de algo. A ansiedade, cujo perigo ou é conhecido, está vinculada ao real e a ansiedade cujo perigo é desconhecido, e que precisa ser descoberto, tendo haver com o inconsciente, está no campo da neurose. A essência de uma situação de perigo diz respeito ao desamparo físico e psíquico, que diz respeito a realidade vivenciada como traumática. O sinal da ansiedade ou angústia é a expectativa de um trauma, que já foi vivido: quer dizer “estou esperando que algo de desamparo ou ameaça aconteça novamente” ou “esta situação me lembra uma situação que vivi e foi muito ruim”. Assim o psiquismo funciona para colocar de lado o perigo antes que ele aconteça. A ansiedade é uma reação ao desamparo no “trauma” e na situação de perigo e representa um pedido de socorro. As crianças em suas brincadeiras reproduzem essas situações tentando dominá-las, é o que se chama “ab-reação de um trauma” (Freud p.162). A dor e a ansiedade são de modulações que correspondem à história de cada sujeito e estão intrincadas, por conexões que a criança e muitas vezes o próprio adulto não consegue compreender consigo próprio. A separação, perda, violência é sempre algo traumático, uma situação de perigo, principalmente para a criança cujo universo transita entre a fantasia e a realidade.

A situação traumática do nascimento e a ansiedade ao nascer sofrem influência da vida intrauterina. O fato da mãe ou cuidadores moverem intensos afetos é balsamo para essa dor. Há muito que saber sobre a dor. O fato é que quando um estímulo seja externo ou interno, atinge a periferia rompendo os escudos protetores contra esses estímulos, passa a atuar como um estímulo psíquico contínuo, onde a ação muscular que procura afastar do estímulo, o ponto que está sendo estimulado, fracassa. O sentimento de perda, abandono, pode ser equivalente a dor física, pois mobiliza energia dos centros nervosos, para além da capacidade destes. Nesse processo o ego é esvaziado, Freud nos diz que: “quando os órgãos internos nos transmitem dor recebemos representações espaciais e outras representações de partes do corpo que de maneira comum não são absolutamente representadas em ideação consciente” (p.166). Pode ocorrer também “desvio psíquico” em relação à dor, quando outro interesse é colocado demandando mais energia. A dor deixa de estar concentrada, seja em alguma parte do corpo ou em um sofrimento psíquico, que estão interligados, é momentaneamente inibida e passa a concentrar-se, desloca-se, ao menos para outro objeto, o que pode não excluir a situação de desamparo. A dor pode manifestar-se através de um estímulo interno ou externo e manifestar-se pela dispneia, palpitações, sensação de angústia, dor no peito, respiração de choro.

É fato que “todos os dispositivos de natureza biológica têm limite de eficiência e falham quando um limite é ultrapassado” (Freud p. 358), ou seja, toda a perfeita rede neuronal que se estende pelo corpo humano funciona sempre para o equilíbrio, e  a vida, embora seja permeável a dor, quando alguma coisa “falha” nesses dispositivos, é a dor que se revela. Essa falha advém de fenômenos, que se apresentam como sintomas. O sistema nervoso é constituído de grandes quantidades de impulsos elétricos de magnitude que vem tanto do mundo interno quanto do mundo externo. Permanentemente possuem seus sistemas de autoproteção, “telas de terminação nervosa, e pela conexão meramente indireta entre o psíquico e o mundo externo”, (Freud p. 359) embora não há obstáculos a sua condução, pode ser amenizada, nos sistemas de defesa. Todos nós sob o comando de nosso sistema nervoso temos sempre a ação de fugir da dor, dessas grandes quantidades de impulsos e energias, sejam físicas ou psíquicas, mas elas estão interligadas: uma pode desencadear a outra. O que não desejamos é o aumento da magnitude de estímulos que nos causem tensão e desprazer, que é nossa tendência primitiva a fugir da dor. Desejamos sempre o estado do “nirvana” de preferência sem sacrifícios ou provações.


A arquitetura psíquica: ego, superego e id funcionam integrados na formação da dor e pode precipita-la por um aumento de quantidade da excitação sensorial interna ou externa à medida que o estímulo aumenta, diante das decepções e frustrações da vida. Uma quantidade interna através de um sonho ou uma lembrança e uma quantidade externa através de fatos vivenciados no dia a dia, “atua diretamente sobre as terminações dos neurônios”, e produz a dor. O que caracteriza a dor é a magnitude dos estímulos. Sejam esses estímulos advindos de significantes, que possuem seu ancoradouro na dor do abandono pelas figuras parentais, e no percurso da vida, o abandono de irmãos, conjugue, filhos, trabalho, amigos etc. Por exemplo, se alguém diz ao outro, ofensas, que para ele não está de acordo com seus valores, ou fatos, a descarga de energia da ofensa, ativa uma carga de energia que percorre o sistema neuronal, com sintomas de dor “física” e um conflito psíquico, que remete a dores anteriores. Por isso muitas vezes algumas pessoas falam: “mas isso está doendo no coração como um raio”. É por esse mecanismo que descrevemos. A dor passa, então, por “todas as vias de descarga” físico-psíquico, vencendo resistências, barreiras, para colocar-se enquanto tal. Não só os apaixonados, mas os que sofrem grandes decepções, violências, traumas, perdas relatam “essas dores”, da condição humana. Não é possível existir, sem dor, seja ela qual for. Toda vida contem em si suas provações e sofrimentos. A questão que se coloca é o que cada um faz com ela, que destino possível lhe é dado. Por quais vias são possíveis significá-las, transformá-las em amadurecimento, aprendizado, sabedoria. 


A dor sentida como desprazer que demanda uma descarga, se é de algo que vem de uma imagem mnêmica que é hostil, é novamente energizada por qualquer fato, uma nova percepção, pode surgir um estado de dor, ou de semelhança com ela. Na experiência da dor a quantidade de estímulo externo capaz de elevar o nível de dor parece ser a reprodução da experiência já vivenciada, e aqui ela está carregada de afeto, que é a lembrança, embora seja da natureza de qualquer outra percepção. Ou seja, as lembranças causam dor pelo desprazer que é “liberado do interior do corpo e de novo transmitido”. O mecanismo dessa liberação só pode ser retratado da seguinte maneira. Da mesma forma que neurônios motores, quando cheios, conduzem quantidade de impulsos e estímulos aos músculos, descarregando-os, existem os neurônios “secretores” que, “provocam no interior do corpo o surgimento de algo que atua como estímulo sobre as vias endógenas de condução de neurônios impermeáveis” (Freud p. 373) que, influenciam a produção de estímulo interno e fornecem por vias indiretas aos neurônios secretores. O que denominamos por sistema nervoso e sistema endócrino, que secreta, regula as respostas internas do organismo são interligados e sua relação é dialética. Freud refere-se a esses neurônios secretores como “neurônios-chave”. São excitados como experiência da dor, que é percebida no mundo externo ou por uma imagem mnêmica de algo que traz sofrimento, desprazer.

Observação: As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.  

16 de março de 2013

Poesia - Amor e amizade


Pode ser que um dia deixemos de nos falar... 
Mas, enquanto houver amizade, 
Faremos as pazes de novo. 
Pode ser que um dia o tempo passe... 
Mas, se a amizade permanecer, 
Um de outro se há-de lembrar. 
Pode ser que um dia nos afastemos... 
Mas, se formos amigos de verdade, 
A amizade nos reaproximará. 
Pode ser que um dia não mais existamos... 
Mas, se ainda sobrar amizade, 
Nasceremos de novo, um para o outro. 
Pode ser que um dia tudo acabe... 
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente, 
Cada vez de forma diferente. 
Sendo único e inesquecível cada momento 
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre. 
Há duas formas para viver a sua vida: 
Uma é acreditar que não existe milagre. 
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.
Albert Einstein 

13 de março de 2013

Ansiedade e seus mecanismos


Muito presente no mundo atual a ansiedade é um afeto que traz muito sofrimento, além dos sofrimentos inerentes à vida. Desde a mais tenra idade as crianças e adolescentes são colocados frente a um volume de vivências às quais, “eles têm que dar conta”, permeada por falas de alcance de sucesso, na sociedade em que vivemos.  Assim são inseridos desde cedo a níveis de competição, de resultados, na forma de vestir, nos aparelhos eletrônicos, em um consumo que, revela o sofrimento das subjetividades e "sublimações".

É assim que a ansiedade tão presente nas crianças e adolescentes, atuais,  manifesta-se como sintoma.  A ansiedade é uma das vias pelas quais a tensão acumulada escoa, e na angústia o surgimento da ansiedade é uma reação a uma situação traumática. A ansiedade domina quando uma pessoa se sente incapaz de lidar com uma situação, que para ela representa uma ameaça, ou um perigo externo. Se houver uma ansiedade anterior, que precede, e geralmente há, de uma condição interna a ação, pode tornar-se paralisante. É o caso de crianças e adolescentes que ficam paralisados dá “um branco” diante de determinadas situações.
       
Em sua origem o determinante da ansiedade são situações traumáticas, que possibilitaram, uma experiência de desamparo pelo ego, seja interna ou externa, que se tem dificuldade de elaborar. É uma resposta a uma ameaça que constitui uma situação de perigo. Esse perigo pode ser a perda de algo amado, se não conseguir agir de acordo com o esperado, ou um acidente externo ameaçador a integridade física ou psíquica. A primeira experiência de ansiedade se dá com o nascimento. Todos ao nascer experimentam o desamparo, ante as necessidades de respiração, fome, estímulos ambientais de ruídos, frio, calor, falta da mãe ou cuidadores, e recorrem a descarga, seja como ansiedade ou angústia. Vários perigos sejam eles o nascimento, perdas, separações, violência, abuso, podem desencadear uma situação traumática ao longo da vida. Assim a ansiedade é um sinal no sentido de impedir um agravamento da situação ameaçadora e manifestam-se pela dispneia, palpitações, inquietude. Muitas vezes crianças ansiosas são “diagnosticadas” com  TDH( Transtorno de Déficit de Atenção).
       
A ansiedade é um sintoma que desencadeia outros sintomas, como a inibição. Esta é a restrição de uma função, seja comer, locomoção, trabalho, sexual. Enquanto sintoma deve ser acolhido através de uma escuta. Algumas inibições podem representar o abandono de uma função, porque sua prática produziria ansiedade. Muitos atos obsessivos, por exemplo, são uma defesa, prevenção, contra experiências sexuais, dentro ou fora da família, por exemplo, a inibição do comer como inibição sexual, a compulsão por comer como medo de morrer de fome ou a recusa de comer devido a ansiedade, ou delírios de envenenamento, a inibição por andar e uma fraqueza no caminhar. A inibição na escola ou no trabalho pode levar a paralisias orgânicas, em uma estrutura histérica e em uma estrutura obsessiva poderá gerar distração dos afazeres escolares ou trabalho, perdendo tempo com o mesmo com demoras e repetições.

O ego pode renunciar a essas funções, para não adotar outras medidas de repressão, e entrar em conflito maior com o superego, e com o inconsciente. Tarefas psíquicas difíceis como o luto, perda de afetos, “dificuldades escolares”, perdas de trabalho, controle de fantasias sexuais leva o ego a perder uma grande quantidade de energia, tendo que diminuir o dispêndio em outros recursos psíquicos. Um sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação, que estava em estado latente, portanto,  consequência de um processo de repressão, quando o ego se recusa a associar-se a uma energia do inconsciente. Assim a possibilidade de prazer é transformada em desprazer, mas se o ego consegue inibir desaparece o problema da transformação do afeto em desprazer. Portanto o estudo ou trabalho ou relações sociais, que poderiam ser fonte de prazer torna-se fonte de desprazer, mas se o ego não conseguir inibir o desprazer manifesta-se o sofrimento psíquico.  Assim o ego exerce uma ampla influencia sobre os processos do inconsciente em função  de seus vínculos com o sistema de percepções, ao qual está ligado a manifestação da consciência. O ego recebe excitações,  internas e externas e através das sensações de prazer e desprazer orienta o curso dos fenômenos mentais buscando o prazer, ou seja, o ego tem apenas que sinalizar o desprazer, a fim de alcançar seu objetivo. A energia empregada para transmitir o sinal de desprazer virá da defesa adotada contra um estímulo externo e assim os perigos internos e externos são afastados, ou destruídos de forma semelhante em “linhas idênticas”. No perigo externo ocorre a tentativa de fuga através da retirada da energia da percepção do que é perigoso, e afastando-se na medida em que, torna o objeto do perigo possível de ser percebido, através da repressão e utiliza a energia para liberar a ansiedade, que é o desprazer.

O ego é a sede da ansiedade. Ao retirar a energia produz-se desprazer, ou seja, ansiedade, que é por sua vez um aumento da energia, portanto a ansiedade não é “criada” na repressão, é reproduzida de uma imagem mnêmica que retorna. Sendo a ansiedade um estado afetivo precipita-se na mente como resquícios de experiências traumáticas primitivas pré-nascimento ou nascimento. O psiquismo é um só, estruturado de forma dialética, em que para fins didáticos coloca-se como ego superego e id. O ego abarca o todo do que chamamos personalidade, o superego está ligado ao sistema pré-consciente e consciente, e insere o sujeito na cultura, e o Id é o inconsciente. Se as vivências, os impulsos internos e externos forem mantidos em equilíbrio, sem ocasionar uma divisão na estrutura o ego, este não se fragiliza a ponto de cindir, mas se as vivências colocar ego e id vinculados,  só é possível distingui-los quando o conflito for explicitado. O id não mede sua força com o ego, pois o ego é a parte organizada do id. A luta é contra o impulso instintual (estímulo) até o momento de apresentação do sintoma.

O ego como uma organização, trabalha para sua não desagregação, portanto ele se adapta ao sintoma agregando, e incorporando-o, para que este não fique isolado, estranho a ele, da mesma forma como faz em relação ao mundo real. É  a frase muito ouvida “eu sou assim mesmo, não dá para mudar”. Ao lado dos vínculos construídos com os sintomas está a resistência, porque, o que o ego gostaria de incorporar o sintoma e fazê-lo parte dele mesmo. Mas como o sintoma representa o impulso reprimido e ao executá-lo vai renovando suas exigências de satisfação, até porque é um substituto e desta forma, obrigando o ego a manifestar o desprazer, e então colocar-se em posição de defesa. Esse deslocamento é denominado sintoma.

Como a ambivalência faz parte da existência do sujeito, este por sua vez conta com várias possibilidades de saída de um conflito, sem formação de uma reação. Fazer regredir um instinto (um estímulo), causa menos dano do que fazê-lo progredir, porque ao regredir pode em seguida reprimi-lo. E o movimento em direção a "progressão", possui um dispêndio maior de energia, pois a renuncia ao sintoma, é o esforço da cura.  As ideias contidas na ansiedade são substituídas, distorcidas para que possam ser suportadas. A ansiedade põe em movimento a repressão. Na histeria de conversão (quando o sintoma físico aparece) não há ansiedade, mas enquanto permanece a conversão. Assim a ansiedade e a formação de sintomas podem excluir-se. A dor pode ser ativada por um estimulo externo, ou interno, por uma lembrança mnêmica. O ego tentará evitar que o sintoma seja despertado. É fato que nas neuroses obsessivas a ambivalência assume papel importante, pois o que é proibição, é também satisfação, as forcas repressoras falham garantindo ao ego e ao superego a formação de sintomas. A dissolução dos impulsos sexuais na infância consolida o superego e contribui na construção de barreiras morais, éticas e estéticas no ego, ao mesmo tempo em que afasta, um impulso instintual desagradável, e faz com que ele retorne, como uma penalidade imposta pelo superego. A vivência sexual infantil desenvolve-se de forma a deslocar a ansiedade para um ritual, uma repetição e desperdício de tempo. Uma vez interrompida na infância retorna na puberdade sob a forma de impulsos agressivos, onde as reações contrárias do ego  desviarão no sentido da sublimação, para defesa de princípios éticos. 

Ansiedade e Nascimento

A ansiedade é um produto do desamparo biológico e mental do Ser Humano. Nascer é sempre um desafio e provação a que todos os seres para vir ao planeta passam. Se tudo ocorre de forma “perfeita” a ansiedade e o medo do desamparo e desagregação será acolhido e atenuado, ficando diluído nos recônditos do inconsciente. Assim a primeira experiência de ansiedade, pela qual passa os seres humanos é o nascimento, como símbolo de separação e de “futuras possíveis ameaças”. Alguns estudos têm sido realizados seja por Frédérick Leboyer e os  mais recentes estudos de Joanna Wilheim sobre vida intrauterina, onde as pesquisas demonstram que o feto possui emoções e capta as emoções da mãe. Essa expectativa acerca de um mundo ainda desconhecido permeado por instintos, em que o pensamento e a palavra não foram elaborados, o ego recuará. Embora não saiba o que são, e é possível que alguns nem o próprio id abriria exceção. No percurso do desenvolvimento o sujeito irá se defrontar com algumas ideias  desagradáveis que são muitas vezes conscientes e quando o conteúdo do impulso agressivo permanece, o afeto é destituído, ou seja, deslocado. Nessa construção a ausência de sentimentos de culpa é substituída por um conjunto de sintomas como  restrições de natureza autopunitiva, ou seja, impulsos masoquista, reforçados pela repressão. Os sintomas serão cada vez mais substituídos apesar da frustração. O acirrado conflito entre o id e o superego pode arrastar o ego para o centro do conflito. Na neurose obsessiva o ego se apega a suas relações com a realidade, a consciência através de um pensar hipercatexizado, ou seja, hiperenergizado no psiquismo e nas células nervosas.

O movimento de desfazer o que foi feito, faz parte de sintomas bifásicos, uma ação é cancelada por uma segunda de forma que fica como se nenhuma ação tivesse ocorrido, mas as duas ocorreram. É dessa forma que o esforço para desfazer uma experiência traumática é importante na formação de sintomas e da repressão. Enquanto na histeria a experiência traumática é dominada pela amnésia, na neurose obsessiva não é esquecido, mas destituída de afeto e suas conexões e associações são interrompidas pelo reforço motor de forma mágica. Assim o isolamento motor interrompe o pensamento. No isolamento motor está o tabu de tocar, pois o toque e o contato físico são a finalidade imediata da energia agressiva e amorosa, que pressupõe o contato físico, um engalfinhar, que persegue o toque erótico. A finalidade é tornar o ego e o objeto amoroso um só e assim flexibilizar as barreiras.

Em uma pessoa cujos conflitos são interpretados e resinificados em seus significantes, o ego orienta  o curso dos pensamentos afastando o que é irrelevante, o que é inadequado com emoções de amor. Não permite que uma impressão entre em contato associativo com outros pensamentos. Os sentimentos de agressividade e ódio podem ser deslocados como uma projeção para outro objeto. Substitui-se um perigo interno por outro externo e perceptível. Sendo a ansiedade um sinal afetivo, uma reação afetiva do ego ao perigo, o que não é diferente da ansiedade realística que o ego sente em situações de perigo. Nas neuroses obsessivas o ego tem medo do superego. O ego tem de fugir da hostilidade do superego. O perigo é internalizado. A ansiedade é uma reação a uma situação de perigo. O ego faz algo para afastar-se dela através da formação de sintomas. Por isso nas neuroses traumáticas ocorre uma fuga iminente da morte. A ansiedade está não apenas emitindo sinais como um afeto, mas também sendo recriada a partir das condições de determinadas situações.

O nascimento é experimentado subjetivamente como uma separação da mãe porque o humano não é uma tábua rasa, pois não está alheio a sua existência intrauterina.  Apesar das reações afetivas a separação, a dor e o desamparo, a ansiedade e angustia de uma desagregação estão presentes. Como afeto a ansiedade, tem um caráter  acentuado de desprazer, pois há  sentimentos, como a tensão, que  são acompanhadas de sensações físicas mais ou menos definidas que podem ser referidas a órgãos específicos do corpo, como os órgãos respiratórios e ao coração.

Nos estados de ansiedade está à existência dos  atos de descarga e percepções desses atos. Assim a ansiedade, é um estado especial de desprazer, com atos de descarga que está baseada em um aumento de excitação, que produz o desprazer e, ao mesmo tempo encontra alívio através dos atos de descarga. Enfim, é um circuito estruturado de defesa. Os outros afetos são também reproduções de experiências antigas, “talvez pré-individuais” podendo ser “ataques histéricos universais, típicos e inatos” (Freud 1926 – 1925 p.132), comparados com os ataques recentes adquiridos que são revelados como símbolos mnêmicos.

A ansiedade é uma reação comum a todo organismo de ordem superior, tem uma função biológica indispensável a cumprir como reação a um estado de perigo. No nascimento a inervação ao ser dirigida para os órgãos respiratórios,  preparando a atividade dos pulmões, e acelerando as pulsações do coração, ajuda a manter o sangue isento de substâncias tóxicas. Por isso os mecanismos vinculados à respiração e ao coração. Quando uma  nova posição de perigo é colocada à reação é de uma repetição da ansiedade. No perigo do nascimento o bebê pode estar cônscio de alguma grande “perturbação na economia de sua libido narcísica”. O “bebê repetirá sua emoção de ansiedade em toda situação que recorde o evento do nascimento. O importante é saber o que recorda o evento e o que é recordado” (Freud, p. 134). As situações desagradáveis e difíceis para as crianças de serem dominadas psiquicamente ou descarregadas devem ser semelhante à experiência de nascer, ou seja, uma repetição da situação de perigo. Na  criança de colo, as reações são dirigidas para os pulmões e os músculos vocais, que ao chamar a mãe, livrar-se dos estímulos internos ou externos. A ausência da mãe ou do cuidador constitui o perigo, e assim o sinal de ansiedade, o que é uma providência para a sua autopreservação, possibilitando o aparecimento da ansiedade como um sinal de perigo.

A continuidade entre a vida intrauterina e a primeira infância se dá através da situação biológica da criança como feto e da relação de objeto psíquica com a mãe ou cuidador. Essa relação de objeto se estende por toda a vida passando por diversas fases, como a descoberta da sexualidade, o complexo de Édipo e constitui também medo da separação. Essa separação necessária faz parte do superego, por ser a imersão na cultura, se forma com base em modelos sociais e corresponde ao que o ego assimila das pessoas que estão ao seu redor dedicando-lhe cuidados. O perigo para o ego revela-se por um sinal de  ansiedade para tornar afetiva a instância do prazer-desprazer. Em toda essa dinâmica há deslocamento de energia.

Ocorre algo nos processos do inconsciente que fazem com que o ego produza ansiedade. Ou seja, a base dos processos está no id. Durante o processo de desenvolvimento do ego, as situações de perigo mais antigas tendem a perder sua força, na medida em que cada fase de vida possui suas próprias ansiedades, ou serem reforçadas se novas situações de perigo se colocarem. Mas o perigo de desamparo físico e psíquico em determinadas circunstancias de vida se mantém. As situações de perigo vivenciadas influenciam na neurose resultante. Assim a formação de sintomas e a geração de ansiedade, passa pela questão da ansiedade ser um sintoma de neurose, mas  a relação é muito mais ampla entre sintoma e ansiedade. Se os sintomas só se formam a fim de evitar a ansiedade, ou seja, destinam a energia psíquica a ser descarregada de outra forma que não a ansiedade, em formas de neuroses que permitam descarregar a ansiedade. Assim a inibição do  ego é uma forma de sintoma. Importante ressaltar que para o bebê, a criança e muitas vezes o adolescente e mesmo o adulto, o que se designa aqui por “perigo”  é muito amplo: vai desde as situações desagradáveis vividas na vida intrauterina ao medo de desagregação com o nascimento, ao desamparo, aos abusos de forma geral, ao excesso de cobranças, exigências, a indefinição de função de pai, mãe e filho.
Observação: As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais. 

11 de março de 2013

Poesia - Não deixe o amor passar


Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.
Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR.

Carlos Drummond de Andrade

10 de março de 2013

Anotações Ansiedade e Nascimento


“Talvez lhes interesse saber como pôde alguém formar essa ideia de que o ato do nascimento é a origem e o protótipo do afeto de ansiedade. Nisto a especulação teve muito escassa participação; antes, o que fiz foi tomá-la emprestada da naïve mente popular. Há muitos anos atrás, numa ocasião em que me encontrava em um restaurante com diversos outros jovens médicos do hospital, para uma refeição do meio-dia, um médico assistente do departamento de obstetrícia contou-nos um episódio cômico, acontecido no último exame para parteiras. Perguntou-se a uma candidata o que significava o aparecimento de mecônio (excrementos), no nascimento, quando da expulsão das águas, e ela prontamente respondeu: ‘significa que a criança está com medo.’ Ela foi objeto de risos e foi reprovada no exame. Porém, silenciosamente, tomei o partido dela e comecei a suspeitar de que essa mulher simples, proveniente das classes mais humildes, tinha apontado com precisão para uma correlação importante” (Freud, 1917 [1916-17] – p.398).

Esse Insight de Freud sobre a ansiedade no nascimento é genial. Um afeto muito presente nesse nosso mundo "moderno", a ansiedade. Ninguém se atenta sobre sua origem, seus mecanismos, sua relação com as estruturas clínicas, que podem remontar a gestação, ao nascimento, ou seja muito antes do sujeito existir no mundo e para o mundo, antes da construção de suas relações, da construção da identidade, do superego, da castração, da falta; ou quem sabe, já faça parte da estrutura do sujeito ao nascer, como Freud descreve em o “Homem dos Ratos”.  

 Em outro escrito temos que considerar o nascimento como um momento traumático, em que o princípio do prazer é fracassa:

 “o nascimento, nosso modelo de estado de ansiedade, afinal, dificilmente pode ser considerado em si mesmo causa de dano, embora possa explicar um perigo de danos. O essencial no nascimento, assim como em toda situação de perigo, é que ele imprime à experiência mental um estado de excitação marcadamente intensa, que é sentida como desprazer e que não é possível dominar descarregando-a. Um estado desse tipo, ante o qual os esforços do princípio de prazer malogram, chamemo-lo de momento ‘traumático’. Então, se colocarmos numa série a ansiedade neurótica, a ansiedade realística e a situação de perigo, chegamos a essa proposição simples: o que é temido, o que é o objeto da ansiedade, é invariavelmente a emergência de um momento traumático, que não pode ser arrostado com as regras normais do princípio de prazer” (Freud, p. 96-97 -1933 [1932])

 "quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre o futuro". (Freud 1927-1931)

8 de março de 2013

Memórias Ancestrais


“quando levamos em conta o superego, estamos dando um passo importante para a nossa compreensão do comportamento social da humanidade — do problema da delinquência, por exemplo — e, talvez, até mesmo estejamos dando indicações práticas referentes à educação. Parece provável que aquilo que se conhece como visão materialista da história peque por subestimar esse fator. Eles o põem de lado, com o comentário de que as ‘ideologias’ do homem nada mais são do que produto e superestrutura de suas condições econômicas contemporâneas. Isto é verdade, mas muito provavelmente não a verdade inteira. A humanidade nunca vive inteiramente no presente. O passado, a tradição da raça e do povo, vive nas ideologias do superego e só lentamente cede às influências do presente, no sentido de mudanças novas; e, enquanto opera através do superego, desempenha um poderoso papel na vida do homem, independentemente de condições econômicas”. (Freud, p.73 – Conf.XXXI)

Neste recorte da Conferencia XXXI Freud evidencia a importância das condições socioeconômicas na construção do sujeito, como remete também a reflexão sobre a humanidade e de como a história de todas as civilizações determinam o que somos hoje, ou seja, podemos falar de uma memória ancestral e da evolução que a psique humana sofre ao longo da história da humanidade e da própria historia individual.

7 de março de 2013

"O caminho que pode ser expresso não é o Caminho constante"


O caminho que pode ser expresso não é o Caminho constante
O nome que pode ser enunciado não é o Nome constante
Sem-Nome é o princípio do céu e da terra
Com-Nome é a mãe de dez mil coisas
Assim, a constante não-aspiração  é contemplar as Maravilhas
E a constante aspiração é contemplar o Orifício
Ambos são distintos em seus nomes mas têm a mesma origem
O comum entre os dois se chama Mistério 
O Mistério dos Mistérios é o Portal para todas as Maravilhas

Todas as coisas possui um caminho, um destino, que ao mesmo tempo em que é constante, passa por mudanças. Entre o homem está o céu e a terra e a não aspiração ou ausência de intenção é contemplar as manifestações do caminho em constante aspiração, que é a manutenção da vontade, onde se contempla a luz. Assim mistério é a convergência da ausência de intenção e a manutenção da vontade para contemplar a luz.
TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng 

5 de março de 2013

Vídeo - Resumo Lembranças e Paranoia






Durante o mês de fevereiro publicamos o artigo Lembranças e Paranoia. Este vídeo é uma síntese dos tópicos abordados. Sabemos da complexidade que envolve a saúde mental, que o fundamental e inexorável é o homem frente a sua realidade. Dessa forma ficamos com a fala de Lacan(S/3): "O dia e a noite, o homem e a mulher, a paz e a guerra – eu poderia ainda enumerar outras oposições que não se extraem do mundo real, mas lhe dão sua armação, seus eixos, sua estrutura, que o organizam, que fazem com que haja efetivamente para o homem uma realidade, e com que ele nela se reconheça".

2 de março de 2013

O Caminho do Ensinamento



“A profundidade é o próprio caminho do mistério, a experiência do sagrado que corresponde à vivência espiritual. A simplicidade, um dos três tesouros 1dos ensinamentos de Lao Tse, conduz à naturalidade que orienta o indivíduo no macrocosmo”.
O “Tao Te Ching implica um desafio: esvaziar-se e ser natural como a água que flui no vale”.

Percorrer o “caminho da virtude” implica em esvaziar-se e ser natural “como a água que flui no vale”. Se as palavras “não parecem suficientemente claras, isso se deve ao fato de a sociedade contemporânea, na qual prolifera o pensamento, dificultar a ampliação da consciência”.
O caminho do ensinamento é o autoconhecimento, nas lembranças dos propósitos de cada existência, nas provas que por certo terá, no desenvolvimento da intuição, na delicada conexão de cada ser com o encadeamento dos acontecimentos, das vidas e do universo.
TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng

Direitos Humanos - "Carandiru gaucho"


A grande imprensa noticiou essa semana que “O Carandiru gaúcho' tem população maior que 40% das cidades do Rio Grande do Sul”. É assim que o Estado e suas instituições atendem os sujeitos que necessitam encontrar uma razão de viver. Essa é a “passagem ao ato do Estado.”  “Direitos Humanos”? para quem? Na história da humanidade sempre houve violência com seres humanos, que os colocam em situação de degradação física, moral, emocional. Mas, diz-se que no mundo “civilizado” isso são “exceções”, resquícios da “barbárie”. A situação do Presídio Central de Porto Alegre, hoje “Carandiru” já vem desde 1904, época da fundação.  Na época já havia superlotação. Em 2007 foi solicitada ajuda do governo federal, mas para que em uma cela para alojar 8 presos, sejam alojados 38 ao LONGO DE 109 ANOS e chegar ao estado que está hoje, quantos gestores públicos em todas as esferas existiram? Como irá se resolver esse depósito humano sem a intervenção de organismos internacionais? “Quando digo poder não se trata de detectar uma instância que estenda a sua rede de maneira fatal, uma rede cerrada sobre os indivíduos. O poder é uma relação, não é uma coisa”. Michel Foucault (1981 apud DOSSE, 2001: 223). Essa relação de subjugação sobre o corpo, o psiquismo do sujeito é da ordem do perverso. A história da humanidade e seus impérios está escrita sob o domínio do corpo e do psiquismo do outro. Outro esse que se revela no opressor. Em Arqueologia do Saber (pg.8) “Digamos, para resumir, que a história, em sua forma tradicional, se dispunha a "memorizar" os monumentos do passado, transformá-los em documentos e fazer falarem estes rastros que, por si mesmos, raramente são verbais, ou que dizem em silêncio coisa diversa do que dizem; em nossos dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos e que desdobra, onde se decifravam rastros deixados pelos homens, onde se tentava reconhecer em profundidade o que tinham sido, uma massa de elementos que devem ser isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter-relacionados, organizados em conjuntos.” Então quem vai contar a história e as realidades desses sujeitos “invisíveis,” destituídos de sua condição de sujeitos. 

1 de março de 2013

Ética e Dignidade

“Age de tal modo que possas tratar sempre a humanidade, seja em tua pessoa, seja na do próximo, como um fim; não te sirvas jamais disso como um meio”. Kant 

Há que pontuar as transformações no significado das representações culturais: A existência do sujeito assume  mais que nunca, características de massa, onde  as subjetividades são ignoradas. Se para Kant faltava muito para a plenitude da liberdade e da racionalidade, que dizer dos dias atuais? Vemos grande parcela de indivíduos cuja condição ontológica não inclui a racionalidade, e aproxima-se da natureza primitiva, os fatos diários falam por si. Ao refletir-se sobre a representação do direito, através de suas instituições,  conclui-se em, Kant a posição dos sujeitos na sua “menoridade”, constituindo-se em “coisas humanas”, e que para conquistar sua “maioridade” deve exclui o medo das sombras e percorrer a natureza por baixo do envoltório, onde cada sujeito desenvolve o germe do pensamento livre. Este atua em retorno sobre a maneira de sentir, elevando-se mais do que ao simples animal, mas a “Ser Humano” de acordo com sua dignidade.

Apesar das máximas culturais muitas vezes colocarem-se de formas ascendentes, no que diz respeito ao direito e a moral, há que se ler que existe uma vontade, uma subjetividade nos indivíduos, determinada pela razão. A representação cultural por inúmeros objetos, dentre os quais a lógica repetitiva do modo de produzir, a cultura de que a legalidade é para legitimar a ilegalidade, possibilitando o embrutecimento social, onde todas as verdades estão nos “interesses corporativos”, leis de leis são aprovadas “para garantir direitos”, que representam a negação de leis morais (subjetivas). A tendência à atividade violenta é “trancado” onde a folga do ferrolho poderia acarretar o surto às tendências contraria a lei. A contradição da expectativa de que ao ser o que elabora e aplica a lei haveria por si só uma retribuição não se efetiva, pois estamos falando de indivíduos com interesses que podem ser aparentemente contraditórios, mas que se constitui o cerne do sujeito, “ele só quer garantir a posição dele, ou como dirá Lacan “o gozo”.
A existência da dignidade estaria em garantir a legalidade? A questão  que a dignidade, exige não somente o cumprimento da lei, mas constitui-se um valor ético e moral, que não deve ser razão para méritos. A razão prática enquanto fundamento que determina a vontade, tem consciência da necessidade do conceito de causalidade, ou seja, o conceito de liberdade e assim de dignidade. É neste ponto que a aplicação da lei, não considera o conceito de liberdade demonstrado por uma necessidade humana e sim necessidade de direito, do que está escrito. Se não existisse necessidade humana fora do direito, não seria possível existir lei moral, uma vez que a liberdade real se manifesta por meio da lei moral.  É desta forma que Kant fala na Crítica da Razão Prática “A liberdade é indubitavelmente a ratio essendi da lei moral, mas a lei moral é a ratio cognoscendi da liberdade...”. (P.14)

Como toda a concepção de moral assenta-se na “razão autônoma”, ou seja, na liberdade e autonomia, como compreender o sujeito enquanto sujeito da moral? Há que se pensar neste sujeito como reflexivo, em percurso do seu esclarecimento, com movimentos transformadores das inclinações, de forma que suas máximas sejam reflexos da pureza das intenções e possibilitem “imperativos categóricos”, de uma necessidade moral absoluta e ele seja assim, um sujeito da moral. Desta forma “A liberdade indiscutível afirmação da crítica especulativa é o sujeito pensante para si mesmo”.

Na força da razão está “a autonomia que é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda natureza raciocinante”, ou seja, o fundamento da moral. Esta autonomia nada mais é que a “autonomia da vontade livre”, que deve ser livre de contingências, mas e se as contingências forem os interesses de quem aplica a lei? Ou seja, para ser uma vontade inteiramente boa é necessário que a razão pura prática deva ser movida pela moralidade. 

O exercício pleno do direito que deveria ser um “imperativo categórico” vê-se que a vocação de parte dos aplicadores tem sido representada por uma fragilidade no exercício jurídico. A política não dobra os “joelhos diante do direito”. Quando a política entra em conflito com a moral o exercício do direito é quebrado, pois para que este venha a ser plenamente realizado é necessário, que o conflito seja “superado”, que haja estabelecido um status moral e a prática do direito seja um reflexo da moral. Se o Estado não se representa enquanto um Estado de direito, as leis são exercidas de forma fragilizada e desta forma a liberdade a dignidade.

Há que se pensar na aplicação da lei de forma humanitária, como leis para as ações transformadoras, embora muitos deveres envolvam máximas, constituindo-se em deveres de virtude e assim imperfeitos, e seu cumprimento contingencial, nem sempre a legislação de deveres está incluída na ética, embora a ética possa englobar todo tipo de deveres. Como a máxima do arbítrio é determinada a priori pela lei do direito, de forma que a liberdade do sujeito “possa manter-se juntamente com a liberdade de qualquer outro segundo uma lei universal”, pois o dever estabelece uma relação intrínseca com a lei.

A concordância da liberdade de um indivíduo com a liberdade de todos, deve existir com o postulado da lei pública exterior, enquanto vontade unificada de todos segundo o princípio da igualdade, sem a qual não haveria liberdade para cada um. Desta forma “O direito nunca deve ser adaptado à política, muito menos aos interesses corporativos ou pessoais, mas estes é que devem ajustar-se ao direito”.  O direito, as leis, o direito à liberdade, ao uso público da razão, não é uma opção, mas deve ser o exercício da  força moral para que possam vir a ser razão pura prática, em que todos pudessem ser legisladores.  

REFERÊNCIA
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática – 1788. Tradução de Bertagnoli, Afonso. 3ª edição. Edições e Publicações Brasil Editora S.A – S. Paulo 1959