Muito
presente no mundo atual a ansiedade é um afeto que traz muito sofrimento, além
dos sofrimentos inerentes à vida. Desde a mais tenra idade as crianças e
adolescentes são colocados frente a um volume de vivências às quais, “eles têm
que dar conta”, permeada por falas de alcance de sucesso, na sociedade em que
vivemos. Assim são inseridos desde cedo a níveis de competição, de
resultados, na forma de vestir, nos aparelhos eletrônicos, em um consumo que, revela o sofrimento das subjetividades e "sublimações".
É assim
que a ansiedade tão presente nas crianças e adolescentes, atuais, manifesta-se como sintoma. A ansiedade é uma das vias pelas quais a
tensão acumulada escoa, e na angústia o surgimento da ansiedade é uma reação a
uma situação traumática. A ansiedade domina quando uma pessoa se sente incapaz
de lidar com uma situação, que para ela representa uma ameaça, ou um perigo
externo. Se houver uma ansiedade anterior, que precede, e geralmente há, de uma
condição interna a ação, pode tornar-se paralisante. É o caso de crianças e
adolescentes que ficam paralisados dá “um branco” diante de determinadas
situações.
Em sua
origem o determinante da ansiedade são situações traumáticas, que possibilitaram, uma experiência de desamparo pelo ego, seja interna ou externa, que se tem
dificuldade de elaborar. É uma resposta a uma ameaça que constitui uma situação de
perigo. Esse perigo pode ser a perda de algo amado, se não conseguir agir de
acordo com o esperado, ou um acidente externo ameaçador a integridade física ou
psíquica. A primeira experiência de ansiedade se dá com o nascimento. Todos
ao nascer experimentam o desamparo, ante as necessidades de respiração, fome,
estímulos ambientais de ruídos, frio, calor, falta da mãe ou cuidadores, e recorrem a descarga, seja como ansiedade ou angústia. Vários perigos sejam eles o
nascimento, perdas, separações, violência, abuso, podem desencadear uma situação traumática ao
longo da vida. Assim a ansiedade é um sinal no sentido de impedir um
agravamento da situação ameaçadora e manifestam-se pela dispneia, palpitações,
inquietude. Muitas vezes crianças ansiosas são “diagnosticadas”
com TDH( Transtorno de Déficit de Atenção).
A
ansiedade é um sintoma que desencadeia outros sintomas, como a inibição. Esta é
a restrição de uma função, seja comer, locomoção, trabalho, sexual. Enquanto
sintoma deve ser acolhido através de uma escuta. Algumas inibições podem
representar o abandono de uma função, porque sua prática produziria ansiedade.
Muitos atos obsessivos, por exemplo, são uma defesa, prevenção, contra
experiências sexuais, dentro ou fora da família, por exemplo, a inibição do
comer como inibição sexual, a compulsão por comer como medo de morrer de fome
ou a recusa de comer devido a ansiedade, ou delírios de envenenamento, a
inibição por andar e uma fraqueza no caminhar. A inibição na escola ou no
trabalho pode levar a paralisias orgânicas, em uma estrutura histérica e em uma estrutura obsessiva poderá gerar distração dos afazeres escolares ou trabalho,
perdendo tempo com o mesmo com demoras e repetições.
O ego pode
renunciar a essas funções, para não adotar outras medidas de repressão, e entrar
em conflito maior com o superego, e com o inconsciente. Tarefas psíquicas
difíceis como o luto, perda de afetos, “dificuldades escolares”, perdas de
trabalho, controle de fantasias sexuais leva o ego a perder uma grande
quantidade de energia, tendo que diminuir o dispêndio em outros recursos psíquicos. Um
sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação, que estava em estado
latente, portanto, consequência de um processo de repressão, quando o ego se
recusa a associar-se a uma energia do inconsciente. Assim a possibilidade de
prazer é transformada em desprazer, mas se o ego consegue inibir desaparece o
problema da transformação do afeto em desprazer. Portanto o estudo ou trabalho
ou relações sociais, que poderiam ser fonte de prazer torna-se fonte de
desprazer, mas se o ego não conseguir inibir o desprazer manifesta-se o
sofrimento psíquico. Assim o ego exerce uma ampla influencia sobre
os processos do inconsciente em função de seus vínculos
com o sistema de percepções, ao qual
está ligado a manifestação da consciência. O ego recebe
excitações, internas e externas e através das sensações de prazer e
desprazer orienta o curso dos fenômenos mentais buscando o prazer, ou seja, o
ego tem apenas que sinalizar o desprazer, a fim de alcançar seu objetivo. A
energia empregada para transmitir o sinal de desprazer virá da
defesa adotada contra um estímulo externo e assim os perigos internos e
externos são afastados, ou destruídos de forma semelhante em “linhas idênticas”. No
perigo externo ocorre a tentativa de fuga através da retirada da energia da
percepção do que é perigoso, e afastando-se na medida em que, torna o objeto do
perigo possível de ser percebido, através da repressão e utiliza a energia
para liberar a ansiedade, que é o desprazer.
O ego é a
sede da ansiedade. Ao retirar a energia produz-se desprazer, ou seja,
ansiedade, que é por sua vez um aumento da energia, portanto a ansiedade não é
“criada” na repressão, é reproduzida de uma imagem mnêmica que retorna. Sendo a
ansiedade um estado afetivo precipita-se na mente como resquícios de
experiências traumáticas primitivas pré-nascimento ou nascimento. O psiquismo é
um só, estruturado de forma dialética, em que para fins didáticos coloca-se
como ego superego e id. O ego abarca o todo do que chamamos personalidade, o
superego está ligado ao sistema pré-consciente e consciente, e insere o sujeito na cultura, e o Id é o inconsciente. Se as vivências, os impulsos internos e externos forem mantidos
em equilíbrio, sem ocasionar uma divisão na estrutura o ego, este não se fragiliza a
ponto de cindir, mas se as vivências colocar ego e id vinculados, só
é possível distingui-los quando o conflito for explicitado. O id não mede sua
força com o ego, pois o ego é a parte organizada do id. A luta é contra o
impulso instintual (estímulo) até o momento de apresentação do sintoma.
O ego como
uma organização, trabalha para sua não desagregação, portanto ele se adapta ao
sintoma agregando, e incorporando-o, para que este não fique isolado, estranho a
ele, da mesma forma como faz em relação ao mundo real. É a frase
muito ouvida “eu sou assim mesmo, não dá para mudar”. Ao lado dos vínculos
construídos com os sintomas está a resistência, porque, o que o ego gostaria de incorporar o sintoma e fazê-lo parte dele mesmo. Mas como o sintoma representa
o impulso reprimido e ao executá-lo vai renovando suas exigências de
satisfação, até porque é um substituto e desta forma, obrigando o ego a
manifestar o desprazer, e então colocar-se em posição de defesa. Esse
deslocamento é denominado sintoma.
Como a
ambivalência faz parte da existência do sujeito, este por sua vez conta com
várias possibilidades de saída de um conflito, sem formação de uma reação.
Fazer regredir um instinto (um estímulo), causa menos dano do que fazê-lo
progredir, porque ao regredir pode em seguida reprimi-lo. E o movimento em direção a "progressão", possui um dispêndio maior de energia, pois a renuncia ao sintoma, é o esforço da cura. As ideias contidas na ansiedade são substituídas, distorcidas para que possam
ser suportadas. A ansiedade põe em movimento a repressão. Na histeria de
conversão (quando o sintoma físico aparece) não há ansiedade, mas enquanto
permanece a conversão. Assim a ansiedade e a formação de sintomas podem
excluir-se. A dor pode ser ativada por um estimulo externo, ou interno, por uma lembrança mnêmica. O ego tentará evitar que o sintoma seja despertado. É fato que nas neuroses obsessivas a ambivalência assume
papel importante, pois o que é proibição, é também satisfação, as forcas
repressoras falham garantindo ao ego e ao superego a formação de sintomas. A
dissolução dos impulsos sexuais na infância consolida o superego e contribui na
construção de barreiras morais, éticas e estéticas no ego, ao mesmo tempo
em que afasta, um impulso instintual desagradável, e faz com que ele retorne, como uma penalidade imposta pelo superego. A vivência sexual
infantil desenvolve-se de forma a deslocar a ansiedade para um ritual, uma
repetição e desperdício de tempo. Uma vez interrompida na infância retorna na
puberdade sob a forma de impulsos agressivos, onde as reações contrárias do
ego desviarão no sentido da sublimação, para defesa de princípios
éticos.
Ansiedade
e Nascimento
A
ansiedade é um produto do desamparo biológico e mental do Ser Humano. Nascer é
sempre um desafio e provação a que todos os seres para vir ao planeta passam.
Se tudo ocorre de forma “perfeita” a ansiedade e o medo do desamparo e
desagregação será acolhido e atenuado, ficando diluído nos recônditos do
inconsciente. Assim a primeira experiência de ansiedade, pela qual passa os
seres humanos é o nascimento, como símbolo de separação e de “futuras possíveis
ameaças”. Alguns estudos têm sido realizados seja por Frédérick Leboyer e
os mais recentes estudos de Joanna Wilheim sobre vida
intrauterina, onde as pesquisas demonstram que o feto possui emoções e capta as
emoções da mãe. Essa expectativa acerca de um mundo ainda desconhecido permeado
por instintos, em que o pensamento e a palavra não foram elaborados, o ego
recuará. Embora não saiba o que são, e é possível que alguns nem o próprio id
abriria exceção. No percurso do desenvolvimento o sujeito irá se defrontar com
algumas ideias desagradáveis que são muitas vezes conscientes e
quando o conteúdo do impulso agressivo permanece, o afeto é destituído, ou
seja, deslocado. Nessa construção a ausência de sentimentos de culpa é
substituída por um conjunto de sintomas como restrições de natureza
autopunitiva, ou seja, impulsos masoquista, reforçados pela repressão. Os
sintomas serão cada vez mais substituídos apesar da frustração. O acirrado
conflito entre o id e o superego pode arrastar o ego para o centro do
conflito. Na neurose obsessiva o ego se apega a suas relações com a realidade,
a consciência através de um pensar hipercatexizado, ou seja, hiperenergizado no
psiquismo e nas células nervosas.
O
movimento de desfazer o que foi feito, faz parte de sintomas bifásicos, uma ação
é cancelada por uma segunda de forma que fica como se nenhuma ação tivesse
ocorrido, mas as duas ocorreram. É dessa forma que o esforço para desfazer uma
experiência traumática é importante na formação de sintomas e da repressão.
Enquanto na histeria a experiência traumática é dominada pela amnésia, na
neurose obsessiva não é esquecido, mas destituída de afeto e suas conexões e
associações são interrompidas pelo reforço motor de forma mágica. Assim o
isolamento motor interrompe o pensamento. No isolamento motor está o tabu de
tocar, pois o toque e o contato físico são a finalidade imediata da energia
agressiva e amorosa, que pressupõe o contato físico, um engalfinhar, que
persegue o toque erótico. A finalidade é tornar o ego e o objeto amoroso um só
e assim flexibilizar as barreiras.
Em uma pessoa
cujos conflitos são interpretados e resinificados em seus significantes, o ego
orienta o curso dos pensamentos afastando o que é irrelevante, o que
é inadequado com emoções de amor. Não permite que uma impressão entre em
contato associativo com outros pensamentos. Os sentimentos de agressividade e
ódio podem ser deslocados como uma projeção para outro objeto. Substitui-se um
perigo interno por outro externo e perceptível. Sendo a ansiedade um sinal
afetivo, uma reação afetiva do ego ao perigo, o que não é diferente da
ansiedade realística que o ego sente em situações de perigo. Nas neuroses
obsessivas o ego tem medo do superego. O ego tem de fugir da hostilidade do
superego. O perigo é internalizado. A ansiedade é uma reação a uma situação de
perigo. O ego faz algo para afastar-se dela através da formação de sintomas.
Por isso nas neuroses traumáticas ocorre uma fuga iminente da morte. A
ansiedade está não apenas emitindo sinais como um afeto, mas também sendo
recriada a partir das condições de determinadas situações.
O
nascimento é experimentado subjetivamente como uma separação da mãe porque o
humano não é uma tábua rasa, pois não está alheio a sua existência
intrauterina. Apesar das reações afetivas a separação, a dor e o
desamparo, a ansiedade e angustia de uma desagregação estão presentes. Como
afeto a ansiedade, tem um caráter acentuado de desprazer, pois
há sentimentos, como a tensão, que são acompanhadas de
sensações físicas mais ou menos definidas que podem ser referidas a órgãos
específicos do corpo, como os órgãos respiratórios e ao coração.
Nos
estados de ansiedade está à existência dos atos de descarga e
percepções desses atos. Assim a ansiedade, é um estado especial de desprazer, com atos de descarga que está baseada em um aumento de excitação, que produz o
desprazer e, ao mesmo tempo encontra alívio através dos atos de descarga.
Enfim, é um circuito estruturado de defesa. Os outros afetos são também
reproduções de experiências antigas, “talvez pré-individuais” podendo
ser “ataques histéricos universais, típicos e inatos” (Freud 1926 –
1925 p.132), comparados com os ataques recentes adquiridos que são revelados
como símbolos mnêmicos.
A
ansiedade é uma reação comum a todo organismo de ordem superior, tem uma função
biológica indispensável a cumprir como reação a um estado de perigo. No
nascimento a inervação ao ser dirigida para os órgãos
respiratórios, preparando a atividade dos pulmões, e acelerando as
pulsações do coração, ajuda a manter o sangue isento de substâncias tóxicas.
Por isso os mecanismos vinculados à respiração e ao coração. Quando
uma nova posição de perigo é colocada à reação é de uma repetição da
ansiedade. No perigo do nascimento o bebê pode estar cônscio de alguma grande
“perturbação na economia de sua libido narcísica”. O “bebê repetirá sua
emoção de ansiedade em toda situação que recorde o evento do nascimento. O
importante é saber o que recorda o evento e o que é recordado” (Freud,
p. 134). As situações desagradáveis e difíceis para as crianças de serem
dominadas psiquicamente ou descarregadas devem ser semelhante à experiência de
nascer, ou seja, uma repetição da situação de perigo. Na criança de
colo, as reações são dirigidas para os pulmões e os músculos vocais, que ao
chamar a mãe, livrar-se dos estímulos internos ou externos. A ausência da mãe
ou do cuidador constitui o perigo, e assim o sinal de ansiedade, o que é uma
providência para a sua autopreservação, possibilitando o aparecimento da
ansiedade como um sinal de perigo.
A
continuidade entre a vida intrauterina e a primeira infância se dá através da
situação biológica da criança como feto e da relação de objeto psíquica com a
mãe ou cuidador. Essa relação de objeto se estende por toda a vida passando por
diversas fases, como a descoberta da sexualidade, o complexo de Édipo e
constitui também medo da separação. Essa separação necessária faz parte do
superego, por ser a imersão na cultura, se forma com base em modelos sociais e
corresponde ao que o ego assimila das pessoas que estão ao seu redor
dedicando-lhe cuidados. O perigo para o ego revela-se por um sinal
de ansiedade para tornar afetiva a instância do prazer-desprazer. Em
toda essa dinâmica há deslocamento de energia.
Ocorre algo nos processos do inconsciente que fazem com que o ego produza
ansiedade. Ou seja, a base dos processos está no id. Durante o processo de
desenvolvimento do ego, as situações de perigo mais antigas tendem a perder sua
força, na medida em que cada fase de vida possui suas próprias ansiedades, ou
serem reforçadas se novas situações de perigo se colocarem. Mas o perigo de
desamparo físico e psíquico em determinadas circunstancias de vida se mantém.
As situações de perigo vivenciadas influenciam na neurose resultante. Assim a
formação de sintomas e a geração de ansiedade, passa pela questão da ansiedade
ser um sintoma de neurose, mas a relação é muito mais ampla entre
sintoma e ansiedade. Se os sintomas só se formam a fim de evitar a ansiedade,
ou seja, destinam a energia psíquica a ser descarregada de outra forma que não
a ansiedade, em formas de neuroses que permitam descarregar a
ansiedade. Assim a inibição do ego é uma forma de sintoma.
Importante ressaltar que para o bebê, a criança e muitas vezes o adolescente e mesmo o adulto, o
que se designa aqui por “perigo” é muito amplo: vai desde as
situações desagradáveis vividas na vida intrauterina ao medo de desagregação com
o nascimento, ao desamparo, aos abusos de forma geral, ao excesso de cobranças,
exigências, a indefinição de função de pai, mãe e filho.
Observação:
As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.