29 de março de 2013

Paz - Pascoa - Passagem


 “A vida neste mundo serve a um propósito mais elevado; indubitavelmente, não é fácil adivinhar qual ele seja, mas decerto significa um aperfeiçoamento da natureza do homem. É provavelmente a parte espiritual deste, a alma, que, no decurso do tempo, tão lenta e relutantemente, se desprendeu do corpo, que constitui o objeto desta elevação e exaltação. Tudo o que acontece neste mundo constitui expressão das intenções de uma inteligência superior para conosco, inteligência que, ao final, embora seus caminhos e desvios sejam difíceis de acompanhar, ordena tudo para o melhor — isto é, torna-o desfrutável por nós. Sobre cada um de nós vela uma Providência benevolente que só aparentemente é severa e que não permitirá que nos tornemos um joguete das forças poderosas e impiedosas da natureza. A própria morte não é uma extinção, não constitui um retorno ao inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo de existência que se acha no caminho da evolução para algo mais elevado. E, olhando na outra direção, essa visão anuncia que as mesmas leis morais que nossas civilizações estabeleceram, governam também o universo inteiro, com a única diferença de serem mantidas por uma corte suprema de justiça incomparavelmente mais poderosa e harmoniosa. Ao final, todo o bem é recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade, sob esta forma de vida, pelo menos em existências posteriores que se iniciam após a morte. Assim, todos os terrores, sofrimentos e asperezas da vida estão destinados a se desfazer. A vida após a morte, que continua a vida sobre a terra exatamente como a parte invisível do espectro se une à parte visível, nos conduz à perfeição que talvez tenhamos deixado de atingir aqui. E a sabedoria superior que dirige esse curso das coisas, a bondade infinita que nela se expressa, a justiça que nela atinge seu objetivo, são os atributos dos seres divinos que também nos criaram, e ao mundo como um todo, ou melhor, de um ser divino no qual, em nossa civilização, todos os deuses da Antiguidade foram condensados” (Freud, p.27-28 – [1927-1931]).

Estamos na páscoa e toda a humanidade de alguma forma, em suas diversas concepções, expressões, cada um a sua maneira se recolhe em suas reflexões sobre a existência e seu sentido. Questão de longe muito antiga de angustia. Muitos se debruçaram e se debruçam sobre ela, principalmente nas concepções do mundo ocidental quando discute fé e ciência como contraditórias. Nesse belíssimo trecho de Freud onde mais adiante ele complementará:   “essas ideias — ideias religiosas no sentido mais amplo — são prezadas como o mais precioso bem da civilização, como a coisa mais preciosa que ela tem a oferecer a seus participantes. São muito mais altamente prezadas do que todos os artifícios para conquistar tesouros da terra, prover os homens com o sustento, evitar suas doenças”... (p.29).

Paz, passagem, mudança, transformação a toda a humanidade que existe em cada um de nós.

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