“A vida
neste mundo serve a um propósito mais elevado; indubitavelmente, não é fácil
adivinhar qual ele seja, mas decerto significa um aperfeiçoamento da natureza
do homem. É provavelmente a parte espiritual deste, a alma, que, no decurso do
tempo, tão lenta e relutantemente, se desprendeu do corpo, que constitui o
objeto desta elevação e exaltação. Tudo o que acontece neste mundo constitui
expressão das intenções de uma inteligência superior para conosco, inteligência
que, ao final, embora seus caminhos e desvios sejam difíceis de acompanhar,
ordena tudo para o melhor — isto é, torna-o desfrutável por nós. Sobre cada um
de nós vela uma Providência benevolente que só aparentemente é severa e que não
permitirá que nos tornemos um joguete das forças poderosas e impiedosas da
natureza. A própria morte não é uma extinção, não constitui um retorno ao
inanimado inorgânico, mas o começo de um novo tipo de existência que se acha no
caminho da evolução para algo mais elevado. E, olhando na outra direção, essa
visão anuncia que as mesmas leis morais que nossas civilizações estabeleceram,
governam também o universo inteiro, com a única diferença de serem mantidas por
uma corte suprema de justiça incomparavelmente mais poderosa e harmoniosa. Ao
final, todo o bem é recompensado e todo o mal, punido, se não na realidade, sob
esta forma de vida, pelo menos em existências posteriores que se iniciam após a
morte. Assim, todos os terrores, sofrimentos e asperezas da vida estão
destinados a se desfazer. A vida após a morte, que continua a vida sobre a
terra exatamente como a parte invisível do espectro se une à parte visível, nos
conduz à perfeição que talvez tenhamos deixado de atingir aqui. E a sabedoria
superior que dirige esse curso das coisas, a bondade infinita que nela se expressa,
a justiça que nela atinge seu objetivo, são os atributos dos seres divinos que
também nos criaram, e ao mundo como um todo, ou melhor, de um ser divino no
qual, em nossa civilização, todos os deuses da Antiguidade foram condensados”
(Freud, p.27-28 – [1927-1931]).
Estamos na páscoa e toda a humanidade de alguma forma, em suas diversas
concepções, expressões, cada um a sua maneira se recolhe em suas reflexões
sobre a existência e seu sentido. Questão de longe muito antiga de angustia.
Muitos se debruçaram e se debruçam sobre ela, principalmente nas concepções do
mundo ocidental quando discute fé e ciência como contraditórias. Nesse
belíssimo trecho de Freud onde mais adiante ele complementará: “essas
ideias — ideias religiosas no sentido mais amplo — são prezadas como o mais precioso bem da
civilização, como a coisa mais preciosa que ela tem a oferecer a seus
participantes. São muito mais altamente prezadas do que todos os artifícios
para conquistar tesouros da terra, prover os homens com o sustento, evitar suas
doenças”... (p.29).
Paz,
passagem, mudança, transformação a toda a humanidade que existe em cada um de
nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário