19 de março de 2013

Dor e Ansiedade

Ansiedade e Dor 

O lugar de pai, mãe, filho são funções, que, uma vez exercida com apaziguamento diminui ou evita os sintomas que o ego expressará das situações de perigo. Se os sintomas não se formarem, o perigo se concretiza, ou seja, uma situação semelhante ao nascimento se revela, e o ego fica desamparado, pois existe o determinante mais antigo e original da ansiedade. Entre o sintoma e a ansiedade existe uma situação de perigo. O desencadeamento da ansiedade gera sintomas, pois se o ego não despertasse a instância de prazer-desprazer, não teria força para bloquear processos no id,  que ameaça, com perigo. A formação de sintomas neutraliza a situação de perigo, alterando no inconsciente a “visão” de perigo, o ego é afastado deste, e assim é criado uma formação substitutiva.

Como falamos na neurose histérica o perigo parece ser sentido como externo, porque sofreu um deslocamento externo no sintoma, como as fobias de forma geral, ou seja, há uma fuga de um perigo externo tornando maior a distância entre o sujeito e o que o está ameaçando. Na neurose obsessiva o perigo é mais internalizado, o sujeito não está preparado para defender-se contra ele ou tentando alterar algo a respeito dele. O ego assume uma atitude de autoproteção e vigorosas contra medidas. Seja qual for a estrutura de defesa a atitude por parte do ego resultará também numa alteração do processo instintual. É certo que a criança ou mesmo determinados adultos não estão preparados para dominar psiquicamente as “grandes somas de excitação que o alcançam quer de fora, quer de dentro”. Para a criança é importante que as pessoas das quais ela depende não retirem seu carinho. Na infância, quando se torna consciente de suas próprias inclinações agressivas e seu medo de ser punido “pode encontrar expressão através de reforço filogenético”, (Freud p.144) e quando trava relações sociais, teme seu superego e essa consciência dá margem a conflitos, muitas vezes expressados por supostas situações de perigo.


Desta forma seja qual for a fase da vida, os sintomas se apresentarão em sua forma própria. Aos quatro anos de idade pode chorar se seu brinquedo quebrar, aos seis se a professora, ou mãe reprová-la, aos dezesseis se o namorado (a) desprezá-la (o) e aos vinte e cinco, se a esposa (o) separar-se. Vale ressaltar que estes exemplos configuram sequencias da vida. Os sofrimentos mais profundos requerem outras considerações. A dor gera tensão, ansiedade e angústia. Dor psíquica e física. Cada determinante de dor tem a sua própria época e dependendo do trabalho entre id, superego e ego demoram muito a desaparecer. Existe um declínio nos determinantes da ansiedade, após produzirem reações neuróticas e sair-se delas crescendo, como por exemplo, os medos infantis de escuro, estranhos, de ficar sozinhos, violência, abusos, traumas de relações de sofrimento na infância. Embora muitas pessoas não superem esses determinantes de ansiedade ao longo de suas vidas, o que não se consegue acessar, pertence a algum fator que explicará, porque algumas pessoas obtêm sucesso em superar os determinantes de uma ansiedade e outras percorrem caminhos de dolorosos sofrimentos no sentido de um apaziguamento mínimo da dor. Uma vez que os perigos e frustrações estão no cotidiano de cada sujeito.


O trauma do nascimento se apodera de cada pessoa em grau variável de intensidade e a intensidade da ansiedade varia com a força do trauma. A dificuldade de reagir ao trauma exerce influência nas dificuldades que irá percorrer ao longo da vida, mesmo porque outras vivências e provações traumáticas por certo virão. O que não podemos retirar do trauma do nascimento são as legítimas reivindicações da constituição hereditária, como fator etiológico, dependendo ela própria, de muitas influências filogenéticas, extensão do dano e estado psicológico da mãe. É possível proteger-se de algo perigoso através, da repressão, por uma tentativa de fuga. Mas como o ego não pode satisfazer suas repressões, e para travar essa luta necessitará de relações qualitativas, uma vez que “a atração regressiva exercida pelo impulso reprimido e a força da repressão não tem outra opção senão obedecer à compulsão à repetição” (Freud p.150). Mas outras forças provenientes de dificuldades na vida real, outros sofrimentos maiores, podem exercer atração pelo que foi reprimido reforçando a ansiedade e estabelecendo um estado de dor psíquica, em curso por longo tempo.


Os fatores biológicos, filogenéticos e psicológicos fazem com que as forças do psiquismo se lancem umas contra as outras. Quando o ego é capaz de levantar suas repressões, ele mantém e recupera seu poder sobre o inconsciente reprimido, e pode permitir que antigas situações de perigo funcionem como se não existissem. O fator biológico, o tempo durante o qual se está em condições de desamparo e dependência, a existência intrauterina parece ser curta quando o indivíduo é lançado ao mundo num estado inacabado. Assim a influência do mundo externo é intensificada e uma diferenciação entre o ego e o id se estabelece. Os perigos do mundo externo têm maior importância de forma que o valor das pessoas que podem protegê-lo contra os perigos, é o valor da vida intrauterina aumentado de forma exponencial e intensa. O fator biológico, “estabelece as primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado que acompanhará a criança durante o resto de sua vida” (Freud p.151).


Não é possível deixar de considerar o fator filogenético. Ao nascer inúmeras vicissitudes farão parte de sua vida. Vicissitudes estas que Freud no capitulo III de O ego e o Id afirma que o bebê “tem a época geológica glacial em mente”. Assim o desenvolvimento dos instintos, do ego, do superego, da sexualidade, da sexuação, desde o nascimento, não segue uma linearidade, sofre interrupções, traumas, distorções, que causam dor e que nem sempre retornam ou se retornam é com muitos conflitos e dificuldades. No que diz respeito a nossa estrutura psíquica temos um inconsciente e um superego (id e ego). O aspecto psicológico tem diz respeito ao que Freud chama de “um defeito do nosso aparelho mental” (Freud p.152), que é a diferenciação entre id e ego. Nessa relação dialética o ego se protege em relação a determinados impulsos do id, tratando-os como perigo, em função dos perigos da realidade externa, ou seja, ele faz uma associação.


Proteger-se da realidade externa é mais fácil do que proteger-se dos perigos que representam os instintos internos. Desta forma o ego faz o sintoma para proteger-se, mas se o instinto continuar o ataque ao ego vai comprometendo-o cada vez mais, e adquirindo aparência de algo patológico, ou seja, o sintoma que não é resinificado pode cronificar-se. A ansiedade (Angst) é ansiedade por algo, assim a relação é de expectativa, onde permeia a indefinição e a falta de algo. A ansiedade, cujo perigo ou é conhecido, está vinculada ao real e a ansiedade cujo perigo é desconhecido, e que precisa ser descoberto, tendo haver com o inconsciente, está no campo da neurose. A essência de uma situação de perigo diz respeito ao desamparo físico e psíquico, que diz respeito a realidade vivenciada como traumática. O sinal da ansiedade ou angústia é a expectativa de um trauma, que já foi vivido: quer dizer “estou esperando que algo de desamparo ou ameaça aconteça novamente” ou “esta situação me lembra uma situação que vivi e foi muito ruim”. Assim o psiquismo funciona para colocar de lado o perigo antes que ele aconteça. A ansiedade é uma reação ao desamparo no “trauma” e na situação de perigo e representa um pedido de socorro. As crianças em suas brincadeiras reproduzem essas situações tentando dominá-las, é o que se chama “ab-reação de um trauma” (Freud p.162). A dor e a ansiedade são de modulações que correspondem à história de cada sujeito e estão intrincadas, por conexões que a criança e muitas vezes o próprio adulto não consegue compreender consigo próprio. A separação, perda, violência é sempre algo traumático, uma situação de perigo, principalmente para a criança cujo universo transita entre a fantasia e a realidade.

A situação traumática do nascimento e a ansiedade ao nascer sofrem influência da vida intrauterina. O fato da mãe ou cuidadores moverem intensos afetos é balsamo para essa dor. Há muito que saber sobre a dor. O fato é que quando um estímulo seja externo ou interno, atinge a periferia rompendo os escudos protetores contra esses estímulos, passa a atuar como um estímulo psíquico contínuo, onde a ação muscular que procura afastar do estímulo, o ponto que está sendo estimulado, fracassa. O sentimento de perda, abandono, pode ser equivalente a dor física, pois mobiliza energia dos centros nervosos, para além da capacidade destes. Nesse processo o ego é esvaziado, Freud nos diz que: “quando os órgãos internos nos transmitem dor recebemos representações espaciais e outras representações de partes do corpo que de maneira comum não são absolutamente representadas em ideação consciente” (p.166). Pode ocorrer também “desvio psíquico” em relação à dor, quando outro interesse é colocado demandando mais energia. A dor deixa de estar concentrada, seja em alguma parte do corpo ou em um sofrimento psíquico, que estão interligados, é momentaneamente inibida e passa a concentrar-se, desloca-se, ao menos para outro objeto, o que pode não excluir a situação de desamparo. A dor pode manifestar-se através de um estímulo interno ou externo e manifestar-se pela dispneia, palpitações, sensação de angústia, dor no peito, respiração de choro.

É fato que “todos os dispositivos de natureza biológica têm limite de eficiência e falham quando um limite é ultrapassado” (Freud p. 358), ou seja, toda a perfeita rede neuronal que se estende pelo corpo humano funciona sempre para o equilíbrio, e  a vida, embora seja permeável a dor, quando alguma coisa “falha” nesses dispositivos, é a dor que se revela. Essa falha advém de fenômenos, que se apresentam como sintomas. O sistema nervoso é constituído de grandes quantidades de impulsos elétricos de magnitude que vem tanto do mundo interno quanto do mundo externo. Permanentemente possuem seus sistemas de autoproteção, “telas de terminação nervosa, e pela conexão meramente indireta entre o psíquico e o mundo externo”, (Freud p. 359) embora não há obstáculos a sua condução, pode ser amenizada, nos sistemas de defesa. Todos nós sob o comando de nosso sistema nervoso temos sempre a ação de fugir da dor, dessas grandes quantidades de impulsos e energias, sejam físicas ou psíquicas, mas elas estão interligadas: uma pode desencadear a outra. O que não desejamos é o aumento da magnitude de estímulos que nos causem tensão e desprazer, que é nossa tendência primitiva a fugir da dor. Desejamos sempre o estado do “nirvana” de preferência sem sacrifícios ou provações.


A arquitetura psíquica: ego, superego e id funcionam integrados na formação da dor e pode precipita-la por um aumento de quantidade da excitação sensorial interna ou externa à medida que o estímulo aumenta, diante das decepções e frustrações da vida. Uma quantidade interna através de um sonho ou uma lembrança e uma quantidade externa através de fatos vivenciados no dia a dia, “atua diretamente sobre as terminações dos neurônios”, e produz a dor. O que caracteriza a dor é a magnitude dos estímulos. Sejam esses estímulos advindos de significantes, que possuem seu ancoradouro na dor do abandono pelas figuras parentais, e no percurso da vida, o abandono de irmãos, conjugue, filhos, trabalho, amigos etc. Por exemplo, se alguém diz ao outro, ofensas, que para ele não está de acordo com seus valores, ou fatos, a descarga de energia da ofensa, ativa uma carga de energia que percorre o sistema neuronal, com sintomas de dor “física” e um conflito psíquico, que remete a dores anteriores. Por isso muitas vezes algumas pessoas falam: “mas isso está doendo no coração como um raio”. É por esse mecanismo que descrevemos. A dor passa, então, por “todas as vias de descarga” físico-psíquico, vencendo resistências, barreiras, para colocar-se enquanto tal. Não só os apaixonados, mas os que sofrem grandes decepções, violências, traumas, perdas relatam “essas dores”, da condição humana. Não é possível existir, sem dor, seja ela qual for. Toda vida contem em si suas provações e sofrimentos. A questão que se coloca é o que cada um faz com ela, que destino possível lhe é dado. Por quais vias são possíveis significá-las, transformá-las em amadurecimento, aprendizado, sabedoria. 


A dor sentida como desprazer que demanda uma descarga, se é de algo que vem de uma imagem mnêmica que é hostil, é novamente energizada por qualquer fato, uma nova percepção, pode surgir um estado de dor, ou de semelhança com ela. Na experiência da dor a quantidade de estímulo externo capaz de elevar o nível de dor parece ser a reprodução da experiência já vivenciada, e aqui ela está carregada de afeto, que é a lembrança, embora seja da natureza de qualquer outra percepção. Ou seja, as lembranças causam dor pelo desprazer que é “liberado do interior do corpo e de novo transmitido”. O mecanismo dessa liberação só pode ser retratado da seguinte maneira. Da mesma forma que neurônios motores, quando cheios, conduzem quantidade de impulsos e estímulos aos músculos, descarregando-os, existem os neurônios “secretores” que, “provocam no interior do corpo o surgimento de algo que atua como estímulo sobre as vias endógenas de condução de neurônios impermeáveis” (Freud p. 373) que, influenciam a produção de estímulo interno e fornecem por vias indiretas aos neurônios secretores. O que denominamos por sistema nervoso e sistema endócrino, que secreta, regula as respostas internas do organismo são interligados e sua relação é dialética. Freud refere-se a esses neurônios secretores como “neurônios-chave”. São excitados como experiência da dor, que é percebida no mundo externo ou por uma imagem mnêmica de algo que traz sofrimento, desprazer.

Observação: As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.  

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