4 de abril de 2013

Direitos Humanos - Prisões


Em 19/03/2013 o Zamanfrance, (desativado) par Mehmet Dinc publicou a matéria sobre a prisão e morte de turcos que vivem na França com o título “A abertura de uma investigação após a morte suspeita de prisioneiros turcos”. A reportagem coloca que “Segundo o relatório do Observatório Internacional das Prisões, as condições de detenção na França são as mais execráveis da Europa. De mortes misteriosas e suicídios são reportados a cada três dias".  A associação que apoia as famílias em processos judiciais, disse que, desde 2010, 309 presos morreram ou cometeram suicídio após negligência encontrada nas prisões.

Somos uma só humanidade, com diversas arquiteturas psíquicas. Se esses prisioneiros (296 nos últimos três anos e condenados de forma duvidosa; as famílias estão vivendo uma verdadeira batalha jurídica para apuração dos fatos) como diz suas famílias: estão sendo exterminados nas “precárias prisões francesas” desde 1994, sob o argumento de suicídio, nos deparamos com as mesmas práticas “bárbaras” de extermínios de seres humanos. A prática do extermínio sejam por quais meios: nas guerras em suas diversas formas, conflitos armados, prisões ao redor do mundo, bases militares, navios mercantes, extermínio de pessoas em situações de pobreza absoluta, de negros, das minorias, dos usuários de substancias psicoativas, os tão falados grupos de extermínio sejam institucionais ou a “margem” nos remete a algo do perverso. Quantas práticas de extermínio existem hoje no planeta sejam com seres humanos, animais, ou na natureza. Nossa reflexão é o que diz respeito a nossa razão e subjetividade como condição do humano e as práticas e estruturas patológicas. Podemos falar do “Carandiru Gaúcho” que tem população maior que 40% das cidades do Rio Grande do Sul”. Mais de um século de depósito de seres humanos. Essa é a “passagem ao ato do Estado.”  o “genocídio na Paraíba” e as facções “autônomas” que disputam bairros, situação dos “Médicos sem Fronteira no Congo”. Podemos citar inúmeras tragédias no  Brasil e no planeta. A subjetividade não pode ser diluída no social e assim perdemos a dimensão do outro e de nós mesmos.  “Mas eu me pergunto se o trabalho penal não foi organizado precisamente para produzir entre os delinquentes e os operários este desentendimento tão importante para o funcionamento geral do sistema. O que temia a burguesia era esta espécie de ilegalismo sorridente e tolerado que se conhecia no século XVIII. Não é preciso exagerar: os castigos do século XVIII eram de grande selvageria. Mas não é menos verdadeiro que os criminosos, pelo menos alguns dentre eles, eram tolerados pela população. Não havia uma classe autônoma de delinquentes. Alguém como Mandrin era recebido pela burguesia, pela aristocracia, bem como pelo campesinato, pelos lugares em que passava, sendo protegido por todos. A partir do momento em que a capitalização pôs nas mãos da classe popular uma riqueza investida em matérias−primas, máquinas e instrumentos, foi absolutamente necessário proteger esta riqueza. Já que a sociedade industrial exige que a riqueza esteja diretamente nas mãos não daqueles que a possuem, mas daqueles que permitem a extração do lucro fazendo−a trabalhar, como proteger esta riqueza? Evidentemente por uma moral rigorosa: daí esta formidável ofensiva de moralização que incidiu sobre a população do século XIX. Veja as formidáveis campanhas de cristianização junto aos operários que tiveram lugar nesta época. Foi absolutamente necessário constituir o povo como um sujeito moral, portanto separando−o da delinquência, portanto separando nitidamente o grupo de delinquentes, mostrando−os como perigosos não apenas para os ricos, mas também para os pobres, mostrando−os carregados de todos os vícios e responsáveis pelos maiores perigos. Donde o nascimento da literatura policial e da importância, nos jornais, das páginas policiais, das horríveis narrativas de crimes.” Pg,75 Microfísica do Poder Michel Foucault

A narrativa de Foucault reflete os tempos atuais. Hoje além de punir há a vigilância ostensiva, com os mesmos argumentos, pautado na construção do medo. O recente filme dedicado às prisões turcas “Un film sur les prisons turques" projetado em Paris produzido pela banda Yorun Grup é um apelo contra a solitária, como uma forma extrema de prisão, muito “comum pelo mundo”. Há uma dilaceração psíquica programada no sentido de quando o sujeito “retorna” a sua liberdade ele está dilacerado psicologicamente, ele já possui a identidade de criminoso e não de um sujeito que cometeu um ato ilícito. “Ele é o ato” há uma prisão interna que demanda liberdade. Quando nos remetemos ao artigo anterior sobre Arquitetura Psíquica podemos interrogar  sobre o que “resta” desses sujeitos.

É oportuno lembrar o "Tratado sobre a Tolerância" de Voltaire e o que o motivou. Em 10 de Março de 1762, na cidade de Toulose, um homem é torturado, supliciado na roda até à morte e seu cadáver lançado ao fogo. Assim se cumpria a condenação sentenciada, pelo Parlamento local. Supostamente, fazia-se justiça contra um monstro que enforcara o próprio filho, jovem mártir que apenas pretendera converter-se ao catolicismo numa terra de católicos, contra a vontade de um pai calvinista. O suposto assasinato revelava-se ainda mais hediondo, pois não poderia ter sucedido sem o conluio da mãe, de um dos irmãos e de um amigo da vítima. Este caso não é diferente de muitos outros pelo mundo, nem sequer pelo facto de três anos mais tarde a França inteira ter reconhecido a inocência do condenado, de nome Jean Calas, homem trabalhador, respeitado pela comunidade, pai de seis filhos, um dos quais aliás já era católico antes da morte do irmão. O que se tornou digno de registo não foi tanto o erro da justiça, nem sequer o horror da prática da tortura, mas aquilo que realmente motivou a condenação de um homem inocente: a intolerância religiosa. Um marco na história da França. Um ano após a morte de Jean Calas, Voltaire escreve em Dezembro de 1763, o "Tratado sobre a Tolerância". Expõe aí as inconsistências do processo judicial e a brutalidade com que se chegou o suplício. Segundo Voltaire, ninguém ficaria indiferente "quando o velho, agonizando na roda, tomou Deus por testemunha da sua inocência e lhe pediu perdão para os juízes." O erro de justiça era óbvio, mas igualmente óbvio era reconhecer que o erro não resultara de negligência ou de precipitação, mas sim de praticar, a intolerância religiosa. Mesmo o calendário convinha — aproximava-se o dia, escreve Voltaire, "desses singulares festejos que as gentes de Toulouse celebram todos os anos em memória de um massacre de quatro mil huguenotes; e 1762 era o ano de mais um centenário." O “Tratado” revela o grande crime, que é a intolerância, que percorre a história humana.

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