Em um
momento em que se discute pelo mundo e no Brasil, vide artigos nossos
anteriores, sobre a violência no sistema prisional e se inicia o julgamento dos
responsáveis pelo massacre do Carandiru reportagem de 07.04.3013 do http://www.uol.com.br a
ser acessada http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/04/07/acao-da-pm-no-carandiru-comeca-a-ser-julgada-em-sp-apos-20-anos-e-com-crimes-prescritos.htm Iniciamos
nossas reflexões com a correspondência entre Einstein e Freud no
texto intitulado “Porque a guerra”? (Einstein e Freud -1933 [1932]), acerca da
guerra. Podemos hoje interrogar: Por que a violência? Por que tanto o sujeito
que comete, como quem sofre e quem é expectador possuem muitas vezes
sentimentos e potencial semelhantes de agressividade e violência?
Na carta
Einstein em setembro de 1932 interroga sobre como livrar a humanidade da ameaça
da guerra e de como todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em fracasso.
Questiona a criação de uma instituição acima dos Estados, pois suas ações
seriam “anuladas por pressões extrajudiciais”, pois segundo Einstein lei
e poder “andam de mãos dadas”. (Grifos nossos) Interroga
ele que fatores psicológicos estariam em jogo, mas identifica alguns deles como
o
“intenso desejo de poder que caracteriza a classe governante em cada nação,
é hostil a qualquer limitação de sua soberania nacional. Essa fome de poder
político está acostumada a medrar nas atividades, de outro grupo, cujas
aspirações são de caráter econômico, puramente mercenário... considera a
guerra, a fabricação e venda de armas simplesmente como uma oportunidade de
expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade pessoal” (
p. 194). Para
tal necessidade de poder ele designa a classe dominante, as escolas, a imprensa
e a Igreja, como instituições que influenciam as emoções do povo, mas essa
influencia só é possível porque dentro do homem habita o ódio e a destruição,
em que eles só fazem despertá-la para que se eleve a “potência de psicose
coletiva”. Como última questão coloca: É possível controlar a
evolução da mente do homem, de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e
da destrutividade? (Grifos nossos) Levanta a hipótese
do instinto agressivo do homem, as guerras por intolerância religiosa a
violência e massacre das minorias pelo mundo. O Carandiru seja paulista, gaúcho
ou paraibano é só mais algumas histórias de massacres como outras pelo mundo
como as prisões francesas, turcas, iraquiana, Guantánamo e tantas outras que
poderíamos listar afora o massacre de refugiados. Poderíamos falar que já
estamos em uma terceira guerra a qual Einstein diz que a quarta seria com paus
e pedras.
Freud
responde a carta abordando a questão do direito e poder e coloca que a palavra
“PODER” deve ser substituída por violência e considera que direito e violência
se desenvolveram uma da outra e que os conflitos entre os homens são resolvidos
pelo uso da violência. Resgata a origem da história humana da seguinte forma:
“No início, numa pequena horda humana, era a superioridade da força muscular
que decidia quem tinha a posse das coisas ou quem fazia prevalecer sua vontade.
A força muscular logo foi suplementada e substituída pelo uso de instrumentos:
o vencedor era aquele que tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior
habilidade no seu manejo. A partir do momento em que as armas foram
introduzidas, a superioridade intelectual já começou a substituir a força
muscular bruta;” (p.198) No caso
que volta a discussão essa semana (o massacre do Carandiru) vemos que a força
bruta aliada às armas continua em vigor acompanhada de nuanças perversas. Neste
caso em 1992, há 20 anos, “sobreviventes são obrigados a passar por corredor
polonês formado por PMs; policiais ordenam que eles tirem a roupa e corram
pelados. Detentos são convocados para ajudar a empilhar os corpos no
1º andar”. Situações semelhantes viveram os prisioneiros de
Guantánamo e no Iraque.
Mas Freud
considera que na história da humanidade é “comum” o vencedor aquele que matasse
o adversário ou de acordo com a conveniência deixa-o como escravo na realização
de trabalhos, ou seja, subjugar ao invés de matar, e arrisca sua segurança com
a sede de vingança do inimigo. Então ele coloca que isso se modificou no
transcurso da evolução e que havia um caminho que se estendia da violência ao
direito ou a lei. A força da comunidade passa a ser uma expressão de violência
sob a forma de lei que pode se voltar contra qualquer oponente. Isso nos lembra
das organizações criminosas que surgiram depois do massacre do Carandiru. Então
escreve: “desde os seus
primórdios, a comunidade abrange elementos de força desigual — homens e
mulheres, pais e filhos — e logo, como consequência da guerra e da conquista,
também passa a incluir vencedores e vencidos, que se transformam em senhores e
escravos. A justiça da comunidade então passa a exprimir graus desiguais de
poder nela vigentes. As leis são feitas por e para os membros governantes e
deixa pouco espaço para os direitos daqueles que se encontra em estado de
sujeição”. (p. 199-200) A
humanidade desde sua origem viveu infindáveis guerras e conflitos entre
comunidades, nações pelos motivos de domínio dos recursos naturais, por
extensão de domínios territoriais e por estabelecimento de ideias sejam
políticas ou religiosas e as armas sempre foram sua força. A guerra e a
violência nunca foi uma forma de estabelecer a paz e seus resultados têm sido
cada vez mais destrutivos.
Se a guerra e a violência foi ou é uma forma de estabelecer a lei é porque há como diz Freud há um “instinto de ódio e destruição”. Se a espécie humana ainda é movida por instintos de selvageria é porque nos habita o desejo da agressão e destruição. Por isso Freud dirá que: “uma parte do
instinto de morte, contudo, continua atuante dentro do organismo, e temos
procurado atribuir numerosos fenômenos normais e patológicos a essa internalização
do instinto de destruição” (p. 204).
Na sequencia interrogará sobre como
contrapor o instinto de destruição e afirma:
“A psicanálise não tem motivo porque se envergonhar se nesse ponto fala de
amor, pois a própria religião emprega as mesmas palavras: “Ama a teu próximo
como a ti mesmo”. Isto, todavia, é mais facilmente dito do que praticado. O
segundo vínculo emocional é o que utiliza a identificação. Tudo o que leva os
homens a compartilhar de interesses importantes produz essa comunhão de
sentimento, essas identificações. E a estrutura da sociedade humana se baseia
nelas, em grande escala” (p. 205).
Freud sugere evoluirmos na substituição
dos instintos pela razão, afirmando de forma belíssima:
“Nada mais poderia unir os homens de forma
tão completa e firme, ainda que entre eles não houvesse vínculos emocionais.
Por que o senhor, eu e tantas outras pessoas nos revoltamos tão violentamente
contra a guerra (e a violência)? Por que não a aceitamos como mais
uma das muitas calamidades da vida? A resposta à minha pergunta será a de que
reagimos à guerra (e à violência) dessa maneira, porque toda
pessoa tem o direito à sua própria vida, porque a guerra (e a
violência) põe um término a vidas plenas de esperanças, porque conduz
os homens individualmente a situações humilhantes, porque os compele, contra a
sua vontade, a matar outros homens e porque destrói objetos materiais
preciosos, produzidos pelo trabalho da humanidade”. (p. 206) A
verdade dessa fala nos causa perplexidade ante a violência, os conflitos
armados e a guerra. Se “nada podemos fazer”, podemos nos rebelar e defender uma
cultura de paz, onde cada um busque percorrer o caminho de cura interior de
seus instintos mais violentos e agressivos e que o gozo do poder possa fazer
uma passagem do perverso a uma estrutura mais sublimada. Sabemos que no
processo de evolução da humanidade o psiquismo tem evoluído, pois sensações que
para os nossos ancestrais eram agradáveis tem se tornado intolerável para nós.
Se a guerra e a violência foi ou é uma forma de estabelecer a lei é porque há como diz Freud há um “instinto de ódio e destruição”. Se a espécie humana ainda é movida por instintos de selvageria é porque nos habita o desejo da agressão e destruição. Por isso Freud dirá que:
Psiquismo e corpo têm evoluído para modificações éticas e estéticas, para o uso
da razão do fortalecimento intelectual e assim esperamos que a energia ou a
catexia dos instintos rasteiros vão se reduzindo como dirá Freud:
“E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também
se torne pacifista? Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará,
não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o
crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra”. (p.
206-207-208) Se
a palavra instinto vem do latim Latim
INSTINCTUS, “instigação, impulso”, “incitar, impelir”, de IN-, “em”, mais
STINGUERE, “fincar, espetar”. A questão é que milhões de objetos,
significantes nos instigam, impulsionam, incita, impele então saber qual
instinto está vinculado a essa ou aquela ação de violência e sintomas
patológicos é a questão. Porque podemos está falando de algo sem
controle, cheio de impulsividade, incapaz do uso da razão. No reino animal fome
e procriação, preservação da espécie é o motor que impulsiona o equilíbrio da
vida. E no mundo humano? Podemos falar de quais instintos impulsionam o
equilíbrio ou desequilíbrio da vida mental e da violência? A origem, objeto e
finalidade (Esse “Trieb”) do instinto é muito diverso de indivíduo para
indivíduo e em um mesmo indivíduo, podem passar por muitas modificações. Se a
finalidade é ativa ou passiva elas podem se interpor e conter a mesma carga de
energia. Um impulso que vem de uma origem pode ligar-se a outro que provem de
outra origem e compartilhar de suas vicissitudes.
A satisfação de um impulso pode ser substituído por outro, bem como a
modificação de finalidade e objeto pode determinar a sublimação.
Surpreendentemente na perfeição que a espécie humana é formada...
“os instintos sexuais fazem-se notar por sua plasticidade, sua
capacidade de alterar suas finalidades, sua capacidade de se substituírem, que
permite uma satisfação instintual ser substituída por outra; e por sua
possibilidade de se submeterem a adiamentos”. (p.100) Ou seja,
por maiores demandas instintuais que possa haver, principalmente com a
finalidade de destruição, violência, é possível exercer o controle sobre eles
no caminho da evolução. A questão que Freud coloca “porque necessitamos
de tempo tão longo para nos decidirmos a reconhecer um instinto agressivo?”, (p.105)
nos remete a colocação de que se fosse para atribuir ao mundo animal não
haveria problemas, mas o narcisismo humano “não permite” que cada um se
implique como um agressor, chegando como diz Freud a ser um “sacrilégio”, pois
o homem deve ser bom e acreditamos que muitos conseguem a sublimação de seus
instintos, mas que muitos se mostram sádicos, cruéis e perversos, vindo a se
constituir em estruturas patológicas, onde seus objetos, mesmo estando muitas
vezes ressarcindo seus débitos com a sociedade, devem sofrer dor, maus-tratos e
humilhações. Essa ainda é a história da humanidade, nas guerras, conflitos
armados, violação dos Direitos Humanos, violência doméstica, abuso com crianças
e adolescentes, maus tratos de trabalhadores. Necessário
ressaltar que não vamos falar aqui sobre os instintos de morte, aos quais Freud
fala em Além do Princípio do Prazer(1920) e O Ego e o Id(1923). Aprofundaremos
em outra oportunidade. Se é necessário destruirmos o outro para não destruirmos
a nós mesmos estamos repetindo o ato violento do outro que está dentro de nós e
a existência dos animais inferiores, qual seja a capacidade de regenerar órgãos
perdidos em seu instinto de recuperação.
Em nossa busca terapêutica
de retorno do recalcado (falamos no artigo sobre Lembranças e Paranoia) ficamos
aqui com o trecho de Freud:
“Peixes que migram para a desova, pássaros que voam em migração, e
possivelmente tudo o que qualificamos como manifestação de instinto em
animais, realizam-se sob as ordens da compulsão à repetição, que exprime
a natureza conservadora dos instintos. E não temos de procurar muito
por suas manifestações na área mental. Chamou-nos a atenção o fato de que
experiências reprimidas e esquecidas da infância são reproduzidas, durante o
trabalho da análise, nos sonhos e nas reações, particularmente naquelas
ocorrentes na transferência, embora seu revivescimento vá de encontro ao
interesse do princípio de prazer.” (p. 108) Se a
guerra, a violência em todas as suas formas é uma repetição dos instintos
primários, sintomas de estruturas patológicas que se repetem em um primeiro
momento dirigido aos outros, mas em prejuízos das próprias pessoas e que estas
obtém satisfação com o próprio sofrimento ou o sofrimento do outro remete a uma
sintomatologia patológica a ser tratada. Que a resistência será erigida e a
dificuldade de desvinculação dos sintomas do Ego são aspectos a serem
“vencidos”, não há dúvida. Se no processo de evolução humana, na “passagem de
matéria inorgânica” a matéria orgânica há um instinto de preservação do
inorgânico, ou seja, um instinto de morte; estamos falando da matéria e se o
que anima essa matéria ao longo dos bilhões de anos no planeta é um processo
vital que a ciência busca incessantemente desvendar, que é a psique humana,
temos a considerar nesse circuito de vida-morte-vida, a vida a despeito de
todas as patologias seja psíquica, social, tem sido vencedora, senão não
estaríamos aqui.
Referencia
FREUD,
S. POR QUE A GUERRA? (EINSTEIN E FREUD) (1933 [1932]). Obras
Completas de Psicanálise - volume XXII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
FREUD,
S. CONFERÊNCIA XXXII - A VIDA INSTINTUAL Obras Completas de
Psicanálise - volume XXII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
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