Nosso objetivo ao discutirmos o
que denominamos como “Doenças Silenciosas” como AIDS, Câncer, tantas outras que
não citaremos e Narcisismo é contribuir no sentido de uma clínica de saúde
pública onde possa existir o individual, em toda sua subjetividade. Porque o
narcisismo? Por que estamos marcados por ele desde que nascemos e temos que nos
haver com ele e se possível aliviar a dor da ferida narcísica e sublimar. O
estigma dessas doenças, principalmente a AIDS é relevante, o que tem refletido
em um impeditivo para análise epidemiológica no que diz respeito a vivencias
infantis e estruturas psíquicas mais vulneráveis dos sujeitos envolvidos. É
certo que não se contem uma doença pandêmica somente com ações sociais. Elas
são fundamentais, mas a subjetividade dos sujeitos envolvidos nem de longe é tocada.
Algo que é importante está relegada ao “esquecimento”. Quais traumas infantis e
“estruturas” se colocam em risco, ou são acometidas em seus organismos, e onde
a pulsão de morte se torna um imperativo é uma questão. Por que o crescimento
epidemiológico não cede? Tão importante quanto os dados
epidemiológicos, as campanhas e programas de prevenção realizados nos vemos
diante de impasses de doenças em crescimento, onde o Brasil no caso
da AIDS ocupa o 2º lugar na America Latina em notificação.
Não vamos aqui discutir dados
epidemiológicos, eles estão disponíveis em www.aids.gov.br/pagina/dados-e-pesquisas. Em relação aos diversos tipos de câncer é possível acessarhttp://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=488. No caso do câncer, vemos que os dados
são pulverizados em diversas categorias tornando mais difícil uma análise no
que diz respeito às subjetividades, o que é nosso objetivo neste artigo. Em
relação a AIDS alguns dados nos chamam atenção: A diferença entre a
contaminação do Sudeste e Sul responsável por mais de 50% sejam das
contaminações, comparada com o Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Em relação a AIDS a faixa etária de 25 a 49 anos, a forma de
transmissão prevalece a sexual e concentrada em homossexuais, prostitutas e usuários de drogas, com
grande crescimento entre os heterossexuais. Quanto mais parceiros mais
vulnerabilidade e maior possibilidade de reinfecção e aumento da carga viral e
se a isso, adiciona o uso de drogas temos componentes explosivos. Há que
interrogar como a arquitetura psíquica ( http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/04/arquitetura-psiquica.html) do sujeito “suporta” o diagnóstico de “positivo”. O que vemos é
que só o “coquetel” não “segura”, então a droga ocupa
esse lugar, O suporte psicológico a um sujeito que vem em sua
história em situação de exposição; e aqui não fica de fora as mulheres casadas
em uniões estáveis que se descobrem contaminados por HIV é fundamental. É
muito comum os indivíduos irem ao Centro de Referência somente para pegar a
medicação e continuarem suas vidas (baladas, troca de parceiros, drogas,
pequenos furtos), como se “nada tivesse acontecendo”. Se a lógica é
relacionar-se somente com parceiros soropositivos, ou “em um sentimento de
revoltas” com toda e qualquer pessoa, ou se o sentimento de viver intensamente
sem lei se eleva, pois o tempo para o hedonismo supostamente “está diminuído” é
algo a ser refletido. AIDS é muito complexa para ser tratada só com políticas
sociais ou individuais. Sem as duas abordagens e a elevação do número de
profissionais, que possam compreender as duas abordagens, não formaremos uma
prática que respondam às demandas dos sujeitos.
A questão é que o sujeito que opta
por uma troca constante de parceiros ou que escolhe viver relações ou uma
relação de risco, não “optou” por essas práticas depois de adulto. Há que
pensarmos que circunstancias em sua infância pode ter funcionado como um
facilitador. O culto ao consumo a e vida de alto padrão aquisitivo na
sociedade em que vivemos como a busca da vida ideal é um fator subjetivo de
vulnerabilidade. É certo que no mundo descartável, produzido para “ficar”
um curto tempo exerce uma pressão nesse sentido, como também conseguir “a
felicidade” e cada sujeito vai definir de acordo com sua história, seu desejo. As
variáveis a serem pesquisadas para exposição a comportamentos de risco vão
desde a abusos diversos, inclusive sexuais, a abandono, desagregação do ego,
violência doméstica, estados de mania e depressão e outros. Temos algumas
problemáticas como a não adesão ao tratamento, a dinâmica conjugal, o
envelhecimento, a heterossexualização, a feminilização, as condições
socioeconômica-cultural o uso de drogas e algo “novo” e preocupante a familiarização
da pandemia, um mecanismo utilizado para supostamente diminuir o
estigma, mecanismo esse que pode levar a um caminho de não compreensão dos
sujeitos envolvidos, de como acolhê-los e de quais terapias psíquicas podemos
oferecer-lhes no sentido de que possam resinificar suas vidas, potencializá-las
produtivamente. Comparecer ao Centro de Referência para pegar o coquetel e
participar de reuniões de grupo, quase como clandestinos não contribui em suas
profundas questões subjetivas. Muitas são as falas: “não vou falar de minhas
questões em grupo”, “tem que ir na hora que tem menos gente”, “tem que tirar o
rótulo da embalagem”. E a escuta individual onde fica? Se nos reportarmos a
imagem no espelho da qual Lacan fala como estão esses sujeitos? Se o ser
narcísico já é complexo, quando se insere uma patologia orgânica há que
interrogarmos como fica essa ferida narcísica, se ela não é destituída
de aspectos patológicos em nenhum sujeito. O narcisismo penetra nos profundos
problemas das relações entre o ego e os objetos externos, assim é necessário
haver um “ideal do ego” e ligado a ele o superego, ou seja, o funcionamento do
ego.
Como esses sujeitos irão tratar seus
corpos, marcados desde sempre, mas agora com um diagnóstico. Que no narcisismo
o sujeito trata seu corpo como trata o corpo de um objeto sexual, ou seja, o
acaricia para obter satisfação, seja satisfação pelo status social que ocupa, pela
forma como se veste, pela profissão que exerce, pelos bens materiais que
possui, pelas formas corporais admiradas, pelas relações sedutoras que
desenvolve, etc. Freud afirmará que “o narcisismo passa a significar
uma perversão que absorveu a totalidade da vida sexual do indivíduo, exibindo,
consequentemente, as características que esperamos encontrar no estudo de todas
as perversões” (p.81). O sujeito só ama a si próprio. Os objetos são
instrumentos de suas manipulações em função dele mesmo. A dificuldade do trabalho
analítico está justamente aqui, pois o sujeito usará os recursos possíveis da
transferência para não se deixar mostrar. Então como mostrar à família, amigos,
sociedade que é soropositivo? Como sair da clandestinidade e lutar pela vida
psíquica? Existe hoje uma frase, diferente dos anos 80, quando surgiu a AIDS,
que é “não parece de forma alguma que tem HIV”. A questão não é: parecer ou não
parecer. É o que isso implica, inclusive na prevenção. Compreendemos que um
sujeito que é acometido de doenças como AIDS, câncer, hipertensão, diabete,
precisa de uma mudança em seu modo de viver, para uma melhor qualidade de vida
e controle de seus sintomas, mas estamos falando do orgânico. Como essa resinifição ocorre
no caso do HIV positivo? Se a questão narcísica leva
o sujeito ao hedonismo do “agora vou viver tudo sem prevenção” podemos sugerir
algo que transpõe seu egoísmo no sentido de sua auto preservação, que é
considerar a dinâmica psíquica de cada pessoa.
Ao escrever sobre o narcisismo Freud
situou dois sintomas de defesa, quais sejam a megalomania e os desvios de
seu interesse do mundo externo de pessoas e coisas. Importante ressaltar que a
desistência da realidade está em todos os sofrimentos humanos, sejam eles
doenças ou não e sejam quais forem as designações que lhes damos, mas em que
intensidade e comprometimento do ego depende das circunstancias ou vicissitudes
da existência de cada sujeito. Se é um processo de neurose histérica, neurose
obsessiva, “enquanto sua doença persiste, também desiste de
sua relação com a realidade”(p.82). Todos sabemos que os estados febris tão
comuns sejam em crianças ou em adultos os afastam da realidade. Mas a relação
erótica com pessoas e coisas permanecem e assim o sujeito faz um “malabarismo”
com seu ego no sentido da defesa: substituem as pessoas e objetos imaginários
que estão na memória, por pessoas e objetos reais e se isso não é possível
mistura os objetos imaginários com os reais. A megalomania é suportada pela
libido objetal, que afastada do mundo externo é dirigida para o ego dando
margem ao narcisismo, a que Freud chama narcisismo secundário, onde ocorre uma
superestima do poder das pessoas e de objetos, bem como de atos mentais e uma
forma de lidar com o mundo externo mágica, como se tudo fosse possível como
“num passe de mágica”. Tudo fica grandioso.
Aqui
situamos a familiarização da pandemia. Com o coquetel podemos dizer
“acabaram os sintomas”, a AIDS tornou-se invisível, não é possível mais dizer
quem possui e quem não possui. Excelente se não houvesse um inconsciente
demandando. Temos que nos ater a esse inconsciente em nossas práticas de saúde.
Da mesma forma que interrogamos qual o destino que o sujeito vai dar ao seu
Édipo, interrogamos qual o destino que o sujeito vai dar aos seus sofrimentos,
a sua soropositividade. A energia libidinal (catexia) do ego é em parte
transmitida a pessoas e objetos e está relacionada com a energia (catexia)
objetal, ou seja, aquela que não tem origem no ego, mas que podem ser
transmitidas e retiradas novamente. É assim que Freud utiliza a metáfora do
reino protista, na ameba, que projeta temporariamente a parede celular para
captação de alimentos e locomoção. Os leucócitos do sangue para fazerem a
fagocitose realizam essa extensão para englobar os agentes agressores e
destruí-los. O que subjetivamente o sujeito faz nesse sentido com o diagnóstico
de positividade?
Quanto mais a energia da libido do
ego é empregada, mais a libido objetal é esvaziada. Quando um sujeito está
apaixonado (entendemos aqui por qualquer objetos ou substituição de objeto),
ele parece desistir de sua própria personalidade em favor de uma energia
(catexia) objetal. Embora complexa e difícil a compreensão e distinção entre
energia psíquica dos instintos do ego e energia da libido do ego e a
libido objetal Freud nos sugere “que uma unidade comparável ao ego não
pode existir no indivíduo desde o começo”; o ego tem de ser desenvolvido” (p.84).
Então há que pensarmos nas situações traumáticas que esses sujeitos vivenciaram
em suas infâncias. Se os instintos auto eróticos, estão ali desde o começo, sua
intensidade e talvez podemos falar de quantidade e qualidade e a qual destino
ou função serve. É necessário interrogar, mas não podemos fugir a distinção de
instintos do ego e instintos sexuais, que está no escopo da distinção entre
fome e amor. É como se viver uma existência dupla: uma para servir as próprias
finalidades e uma outra que serve e se conduz como numa corrente contra a
vontade, é como se a sexualidade de um lado fosse considerada “como um
de seus próprios fins” e por outro lado fosse uma energia para uso
imediato ou futuro onde não se descarta os acessos já ocorrido, mas com fins de
uma “troca de uma retribuição de prazer”. Para os sujeitos que vivenciam a AIDS
a existência dupla torna-se mais enfática por que se por um lado não há
indícios por outro um sofrimento os habita e não há em sua maioria um
escoadouro, uma fala e uma escuta, para uma problemática em que a base da
contaminação é sexual. Por isso Freud compara com um germoplasma o que é muito
apropriado. Essa energia se torna o veiculo mortal de uma “substancia
imortal – como herdeiro de uma propriedade inalienável, que é o único dono
temporário de um patrimônio que lhe sobrevive” (p.85). Na sequencia
Freud levanta a hipótese de a energia sexual ser apenas o produto da energia
mental: “Por essa mesma razão, gostaria, nessa altura, de admitir
expressamente que a hipótese de instintos do ego e instintos sexuais (libido)
separados está longe de repousar, inteiramente, numa base psicológica,
extraindo seu principal apoio da biologia. Mas serei suficientemente coerente
para abandonar essa hipótese, se o próprio trabalho psicanalítico vier a
produzir alguma outra hipótese mais útil sobre os instintos... Pode ocorrer
que, com mais fundamento e numa visão de maior alcance, a energia sexual seja apenas
o produto de uma diferenciação na energia que atua generalizadamente na mente”
(p.85). Portanto há muito o que a ciência estudar sobre o psiquismo. Todos
sabemos que uma pessoa sofrendo de uma dor, mal-estar orgânico, doença grave,
deixa de se interessar pelas coisas do mundo externo, na medida em que não
dizem respeito ao seu sofrimento. “Ela também retira o interesse libidinal de
seus objetos amorosos: enquanto sofre, deixa de amar. Aqui a libido e o
interesse do ego partilham do mesmo destino e são mais uma vez indistinguíveis
entre si. O egoísmo familiar do enfermo abrange os dois”(p.89). A questão é
por que na AIDS vemos muitas vezes o contrário? Parece haver (é o que reflete
as falas) uma intenção de punir o outro. Sabemos que determinadas zonas
“erógenas” podem funcionar como substitutos dos órgãos sexuais e por que isso
não ocorre e a despeito do saber soropositivo não há proteção nas relações
sexuais? Podemos supor aqui que a relação está voltada para a libido objetal e
não a libido do ego?
O mecanismo do adoecer e sua formação
de sintomas estão vinculados, pelo menos nas neuroses de transferências, a uma
inibição da libido objetal e na demência precoce e na esquizofrenia a um
represamento da libido do ego. Nosso aparelho mental é destinado a dominar as
excitações de forma que as descargas não se tornem patogênicas. Porque alguns
indivíduos conseguem mesmo com profundos sofrimentos e outros não eis a
questão. Diante da frustração a libido liberada não permanece ligada aos objetos
na fantasia, mas se retira para o ego. A megalomania é a expressão daquilo que
não foi possível ser introvertido, que pudesse ficar na fantasia. Assim
colocam-se algumas possibilidades: representar o que resta de um estado normal
de neurose ou representar o afastamento da libido dos seus objetos ou expressar
a megalomania e perturbações afetivas, regressão ou representar a libido
religando-a aos objetos como na neurose histérica, na demência precoce e na
esquizofrenia ou como na neurose obsessiva e na paranoia. Seja qual for a
defesa ou a dinâmica da estrutura é certo que tanto a libido objetal como a
libido do ego, mesmo em relação a escolha dos objetos revela-se e se desenvolve
desde o nascimento (narcisismo primário) onde as primeiras experiências de satisfação
ao sofrer alguma perturbação seja da ordem de abusos sexuais, abandono,
violências diversas, “as reações com que ele procura proteger-se e os
caminhos aos quais fica sujeito” podem adotar como objetos amorosos
não um outro (que não foi possível como modelo), mas seus próprios eus. “Procuram
inequivocamente a si mesmos como um objeto amoroso, e exibem um tipo de escolha
objetal que deve ser denominado narcisista” (p.93). Mas é possível
também que não tenha havido nenhuma perturbação no desenvolvimento e a escolha
ainda se dar no próprio eu.
A supervalorização sexual, que se
transfere ao objeto sexual, e que empobrece o ego em relação à libido em favor
do objeto amoroso é desfavorável para o desenvolvimento de uma verdadeira
escolha objetal, que implica em uma parte da renuncia de seu narcisismo. Qual é
o ideal de ego na nossa sociedade? Podemos “defender” a margem da
cultura da civilização que cada um é o que quer na famosa frase do senso comum:
“do quem paga as contas”, a qual podemos interrogar de quais contas de fala? É
o discurso chamado democrático para encobrir a perversão? “Os impulsos
instintuais libidinais sofrem a vicissitude da repressão” em função da
cultura, da moral e da ética. Para um ego ideal ou um ideal de ego há que se
condicionar, portanto a repressão, a cultura. Difícil localizar na infância a
renuncia a perfeição narcisista e quando adulto diante das frustrações em seus
intentos seja pelo julgamento crítico próprio ou de outrem, procure um
substituto do narcisismo perdido de sua infância “na qual ele era seu
próprio ideal” o sujeito projeta diante de si seus objetos como sendo
o ideal e então se afasta da realidade. Então a despeito de sejam quais forem
suas doenças orgânicas, funciona como se ainda vivesse na infância.
Importante remetermos às estruturas,
que compreendemos de forma flexível. Em uma neurose há no ego uma predominância
da influencia da realidade, ele depende da realidade, está a serviço desta,
pois se dispõe à repressão de impulsos instintuais e desta forma suprime
fragmentos do id. Mas em relação a esse mesmo fragmento o ego necessita também
relaxar sua relação com a realidade em função da repressão ocorrida. Ou seja, é
semelhante ao equilíbrio do potencial de membrana em repouso devido a uma pequena
estocagem de íons de carga negativa, fosfatos orgânicos e proteínas
no citosol, e uma estocagem igual de íons de carga positiva (íons de sódio),
externamente. Não acreditamos que essa repressão seja fracassada na medida em
que o psiquismo consiga manter o seu equilíbrio. Existindo situações
traumáticas na infância a defesa é o sujeito “esquecer” a experiência,
transferindo-o à amnésia. A consciência, enquanto instancia
individualizada com todas as suas vicissitudes, seja influenciada pelos pais,
cuidadores ou pela sociedade, mesmo com todas as resistências erigidas como
defesa é possível a observação do ego real medindo-o com o ego ideal.“Mas a
revolta contra esse ‘agente de censura’ brota não só do desejo, por parte do
indivíduo (de acordo com o caráter fundamental de sua doença), de libertar-se
de todas essas influências, a começar pela dos pais, mas também do fato de
retirar sua libido homossexual delas. A consciência do paciente então se
confronta com ele de maneira regressiva, como sendo uma influência hostil vinda
de fora” (p.103). Em uma psicose e
ego está a serviço do id, pois a influencia deste é predominante, e se afasta
da realidade, arrastando o ego para longe da realidade, mas ao mesmo tempo
tenta reparar o dano que isso causa restabelecendo a relação do sujeito com a
realidade através do id. Assim na reação psicótica a situação traumática seria
uma negação do fato. Dessa forma tenta reparar a perda da realidade
restringindo-a, negando-a de forma autoritária e na medida em que nega cria uma
nova realidade, da negativa. Tanto na neurose como na psicose o id tem
dificuldades de adaptar-se às exigências e necessidades do mundo externo. Nas
situações de doenças graves essas dificuldades são ainda maiores.
Na neurose ignora-se a realidade, é
uma espécie de tentativa de fuga, ou seja, a repressão pode em um momento ou
outro vai fracassar. Como existe um grande dispêndio de energia psíquica para
que não fracasse, uma vez fracassando nos deparamos com os sintomas. As
tentativas de substituir a realidade desagradável por outra é possibilitado
pela fantasia. Na psicose nega-se a realidade e tenta substituí-la, dando uma
nova roupagem às vivências, ao real, através dos precipitados psíquicos (http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/04/arquitetura-psiquica.html), sobre os traços de memória, ideias, juízos, representações que vão
estar “guardadas”. (http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/02/lembrancas-e-paranoia-memoria.html) Como é necessário novas percepções que correspondam a nova realidade
(negada) isso é realizado através de pequenas, às vezes imperceptíveis e muitas
vezes intensas alucinações e delírios, o que demanda ainda muito estudo pela
sutileza dos mecanismos. O fragmento de realidade rejeitado irá sempre
pressionar pelo retorno, o que vai gerar ansiedade e angústia. “Ao passo que
o novo e imaginário mundo externo de uma psicose tenta colocar-se no lugar da
realidade — um fragmento diferente daquele contra o qual tem de defender-se —,
e emprestar a esse fragmento uma importância especial e um significado secreto
que nós (nem sempre de modo inteiramente apropriado) chamamos de simbólico.
Vemos, assim, que tanto na neurose quanto na psicose interessa a questão não
apenas relativa a uma perda da realidade, mas também a um substituto
para a realidade” (1924 - p.209). Não podemos deixar de considerar a
relação entre a formação, que aumenta as exigências do ego, de um ideal e a
sublimação, que diz respeito tanto a libido do ego como a libido objetal no
sentido de dirigir sua finalidade. Compreender o movimento da carga libidinal,
energia psíquica, em doenças graves é tarefa difícil e requer compromisso ético
incondicional. Mesmo que o sujeito seja acolhido e trabalhe
por resinificar, seu narcisismo por um ideal elevado, o que não é fácil,
pois envolvem instintos e demandas do id, a sublimação continua a ser um
processo especial que pode ser estimulado e potencializado. Que a criança
existente nesse sujeito cresça, amadureça para afastar-se do seu narcisismo
primário é importante para um novo adulto saudável psicologicamente. Ser
amado por seus objetos (trabalho, família, estudo, amigos) eleva a
autoestima. Um amor fraterno é condição para que a libido objetal e libido do
ego não possam ser distinguidas e sejam sublimadas. Importante ressaltar que a
continuidade de escolha de um ideal sexual segundo o tipo narcisista implica na
possibilidade de manutenção do sofrimento e do reinstalar e instalar de
perversões. É certo que um ideal de ego tem um aspecto social, que é
extensivo a todo o contexto de vida do sujeito seja através de um ideal comum
em família, uma classe, um grupo. Compreender a dinâmica narcísica nestas
situações graves de vida é importante no sentido de uma clínica não só do
medicamento, mas do acolhimento, da escuta, da interpretação no sentido de
aliviar os sofrimentos humanos.
Referencias
FREUD, S. - SOBRE
O NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO – (1914). Obras Completas de Psicanálise
- volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
FREUD,
S. - A PERDA DA REALIDADE NA NEUROSE E NA PSICOSE - (1924).
Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
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