9 de julho de 2013

Lacan no percurso de Hegel

Muitos foram os conceitos apreendidos por Lacan na obra de Hegel, principalmente na Fenomenologia do espírito. Faremos aqui algumas anotações, no que diz respeito à relação sujeito-objeto, do que muito se ocupou Lacan. Como Hegel é contemporâneo de Kant e em certo sentido há que passar pela Crítica da Razão Pura, há que afirmar que a razão ocupa de si e dos objetos. Isso não há dúvida, tão pouco sua dialética. Sua dialética é o movimento que inspira o caminho da razão pela apropriação de um saber sobre si que desvela não só a si, mas o próprio caminho. Os contrários que compõe o movimento depara-se todo o tempo com inúmeras vicissitudes entre as certezas do sujeito e a verdade do objeto, que pertencem à história deste. No sentido de causalidade o sujeito é um fenômeno para si próprio ao tempo em que busca um saber sobre si e sobre os objetos ao longo de suas experiências. Se a vida é revelada enquanto verdade pela natureza, o destino do homem é decifrar seu próprio enigma no bioma que é ele. Escutando a natureza ele encontra pela razão significados para a aparência da sem-razão dos conflitos de sua existência. Só então surge a certeza da  consciência-de-si. Mas não é possível a consciência-de-si sem a “consciência do outro”, que é “consciência-de-si, ser-refletido em si, consciência de si mesmo no seu ser outro”.

Se a vida é um constante fluir, aonde as diferenças vão se extinguindo, a consciência-de-si um “retorno a partir do ser-outro”. Movimento esse que pertence ao mundo sensível da percepção, que encontra eco na essência do ser, que é o inconsciente. E para o inconsciente o que vale é o desejo. Assim se a verdade do objeto é a verdade do ser é por que o imperativo que irrompeu é o desejo. Então a consciência-de-si ao satisfazer-se, revela o desejo e a dependência do objeto para sua satisfação. Como há algo de egoísta no desejo e o objeto não exerce a mediação para um saber sobre a consciência-de-si, a solução dialética é a ressurgência do objeto transfigurado, o que não é uma solução. O caminho é encontrar-se no objeto e para isso a verdade da natureza e do universo deve estar na verdade do sujeito e de sua história, ou seja, "a consciência-de-si alcança a sua satisfação somente numa outra consciência-de-si".

Diferenciar-se do objeto é estabelecer a dialética do reconhecimento e assim o desejo encontra sua verdade, pela diferenciação. Se assim não for o objeto da pulsão é consumido na satisfação, ou é resinificado. É então pensando sobre si mesmo, resinificando que o homem vive pela razão, sublima os instintos e a consciência caminha para "a experiência do que é o Espírito, essa substância absoluta que, na liberdade acabada e na independência da sua oposição, a saber, de diversas consciências-de-si que são para-si, é a unidade das mesmas; Eu que é Nós, e Nós que é Eu” (p. 77). Essa dialética do reconhecimento é o que permite ao sujeito constituir-se em oposição ao outro, sem fusão, mantendo sua individualidade, sua existência histórica e desvelar essa história compreendendo de forma dialéticas as diversas interfaces, não só das vicissitudes da vida, mas de seu desejo a medida que vai apropriando-se de outra consciência-de-si e assim de si. Lacan fez várias incursões sobre o Sujeito (consciência-de-si) e o objeto, vários esquemas, formulas, metáforas, que merece considerações em outro momento. Mas que pode ser expressa na seguinte metáfora: é na minha imagem que vejo refletida no olhar do outro, que me encontro. Portanto, onde e como cada sujeito vê inscrito seu destino é um enigma. Nessa luta do reconhecimento a racionalidade ética, deve percorrer um caminho de busca de um saber que está dentro de si e que justifica sua existência.

Referência
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich - FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO (Apresentação) –– 1807, Editora Vozes LTDA - 7ª edição (2011)

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