“O destino não foi até hoje tão favorável que
permitisse trilhar o caminho seguro da ciência a metafísica, conhecimento
especulativo da razão completamente à parte e que se eleva inteiramente acima
das lições da experiência, mediante simples conceitos, devendo, portanto, a
razão ser discípula de si própria; é porém, a mais antiga de todas as ciências
e subsistiria mesmo que as restantes fossem totalmente subvertidas pela voragem
de uma barbárie, que tudo aniquilasse. Na verdade a razão sente-se constantemente
embaraçada, mesmo quando quer conhecer a priori as leis que a mais comum
experiência confirma. É preciso arrepiar caminho inúmeras vezes, ao
descobrir-se que a via não conduz aonde se deseja; e no que respeita ao acordo
de seus adeptos, relativamente às suas afirmações, encontra-se a metafísica
ainda tão longe de o alcançar, que mais parece um terreiro de luta,
propriamente destinado a exercitar forças e onde nenhum lutador pode jamais
assenhorear-se de qualquer posição, por mais insignificante, nem fundar sobre
as suas vitórias conquistas duradoura. Não há dúvida, que até hoje o seu método
tem sido mero tacteio e, o que é pior, um tacteio apenas entre simples
conceitos”. (Kant, Crp. 19)
Esse
pequeno recorte nos faz refletir sobre a profundidade de nosso conhecimento
sobre nós mesmos e nos alerta não só que a “razão é discípula de si própria”,
ou seja, o sujeito “pode deter”, em determinadas circunstancias, o conhecimento
sobre si. Mas Kant levanta a possibilidade dos caminhos percorridos ainda
estarem distantes, embaraçados, daquilo ao qual se propõe a razão e na medida
em que se contrapõe à metafísica se coloca em “um terreiro de luta”, onde no
máximo há um exercício de forças e qualquer vitória de uma sobre a outra é
temporária, correndo o risco desse conhecimento ser apenas conceitual. Que o
conhecimento a priori realiza-se de duas maneiras: determinado pelo objeto e de
seu conceito, ou pela realização do mesmo, não há dúvida, pois a Razão Pura é a
priori, mas não é desprovida de idealidade. Para conhecer uma coisa a priori
deve atribuir-lhe as consequências de seu conceito. Interrogações que se
assemelham, pela angústia, daí decorrente fez Freud em “Projeto para uma Psicologia Científica
(1950 [1895]): Sinto-me literalmente devorado por ela, a ponto de ficar exausto
e me ver obrigado a interromper. Nunca passei por uma preocupação tão grande
assim. E dará algum resultado? Espero que sim, mas é um trabalho difícil e
lento.” No caminho do conhecimento há se que enfrentar batalhas internas e
externas, quando se fala do humano e quando a ciência contrapõe a Razão, a Metafísica e o Materialismo.
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