“Mas, e
quanto ao valor prático desse
estudo — já posso ouvir a
pergunta — como meio de se chegar a uma compreensão da alma, a uma revelação
das características ocultas de cada um? Acaso as moções inconscientes expressas
pelos sonhos não têm o peso de forças reais na vida anímica? Será que se deve fazer
pouco da significação ética dos desejos suprimidos — desejos que, assim como
levam aos sonhos, podem um dia levar a outras coisas”? (Freud)
Essa
reflexão de Freud sobre o inconsciente foi o “começo” de uma descoberta e a
continuação de inúmeros estudos, que continuarão por muito tempo. Sabemos que o
inconsciente é a base da vida psíquica e mais amplo do que o consciente. Há
necessidade de ultrapassar juízos anteriores, procurar novos pontos de vista,
que antes de serem postulados devem ser hipóteses. Embora o que ignoramos sobre o
psiquismo seja a parte mais importante e revelador da existência humana,
estamos longe de compreender a essência do psiquismo. Ao superar o impasse corpo-mente,
reinsere-se psíquico na tessitura da vida na medida em que se admite ser os
conteúdos conscientes ou inconscientes algo difícil de serem apreendidos pelo
próprio sujeito. Por serem inconstantes, os conteúdos ora podem estar
conscientes, ora inconscientes ou representados de forma enigmática. O estar
consciente está muito mais ausente do que presente, portanto o psíquico é muito
mais inconsciente do consciente. Se pensarmos nos lapsos de escrita, lapsos
verbais, imagens referendadas, as leituras ou escutas “equivocadas”, desenhos
aparentemente incompreensíveis, ou seja, todos os atos falhos, substituições,
representações que falam muito mais do que podemos imaginar ou decifrar. Assim
dilui-se a delimitação entre o que é inconsciente e consciente. O que revela as
demandas do inconsciente são as resistências, que negam os impulsos
inconscientes e as necessidades desse. Muitas têm sido as experiências de
alteração da consciência para que o inconsciente assuma sem maiores reservas
suas demandas. Deste a hipnose às históricas práticas religiosas, às
substancias psicoativas na história da humanidade que alteram a consciência e
eventos inexplicáveis que veem à tona. Assim “o psíquico é em si
mesmo inconsciente e o inconsciente é o verdadeiro psíquico”. Mas a consciência traz à luz conteúdos
importantes, que rememorados permite uma compreensão mais ampla, na medida em
que preenche lacunas de uma história.
A mediação
“pré-consciente” no que se refere aos conteúdos que transitam entre consciente
e inconsciente é importante na compreensão dos processos mentais. É no
pré-consciente que se supõe o inicio do recalque, do material que não deve vir
ao consciente, isso não implica em um “espaço” localizacionista. Muitos
pensamentos pré-conscientes são deslocados, acomodados pelo inconsciente, seja
por repressão ou subtração. Esse auto manejo é possível porque a estrutura
psíquica é móvel, flexível, resiliente. As representações, os pensamentos, as
estruturas psíquicas, permeiam o sistema nervoso como um todo. Portanto “o que pode ser
objeto de nossa percepção interna é virtual,
tal como a imagem produzida num telescópio pela passagem dos raios
luminosos”(Freud). Em nosso
psiquismo existem sistemas, que projetam a imagem, tanto assim que enxergamos
as imagens invertidas e são internamente modificadas. Por maiores que sejam os
comprometimentos da estrutura psíquica há sempre um feixe de luz de
consciência, mesmo que não seja permanente. Assim os processos de pensamento
mais complexos podem existir sem tornar-se consciente, sendo o tornar-se
consciente um “resultado psíquico
remoto do processo inconsciente” e
poderia já estar consciente, mesmo sem ser percebido por si mesmo. Então temos
aqui a consciência de si. Todas as forças da alma são “formas de expressão de moções que se encontram sob a
pressão da resistência” e do esquecimento, que em determinadas situações por
alteração da consciência, seja pelo sono ou realidades diversas, são reforçadas
por “fontes de excitação
situadas em camadas mais profundas” do
psiquismo. A questão a compreender é que há conteúdos do inconsciente
inadmissíveis a consciência, portanto transitam por uma pré-consciência, (como
se fosse uma “tela”) depois de serem liberados por uma censura, pois o
consciente avalia se aquele conteúdo pode transitar alcançar hierarquias, sem
grandes estragos. Nossa atenção exerce papel importante, pois serve de “filtro”
ao poder de motilidade desses conteúdos energizados. Se não há divisória entre
passado, presente e futuro, é possível supor que “subconsciente” e
“supraconsciente” é uma mera denominação. A questão que se coloca no sistema pré-consciente
é da memória, que alguns denominam de curto prazo, pois esse sistema não possui
a capacidade de retenção de memória de longo prazo.
As
excitações internas ou externas, muitas vezes mescla-se, sendo difícil
identificar o que pertence a uma ou a outra. Antes de ser uma sensação
consciente os conteúdos são submetidos a revisões para que as sensações de
prazer-desprazer possam penetrar na consciência. Ao discernir as sensações de
prazer-desprazer o inconsciente através do superego, da censura, delimita os
investimentos de energia, os deslocamentos, as quantidades e qualidades. Nessa
dinâmica inconsciente-consciente o recalque inibe as lembranças inconscientes
que possam trazer sofrimento. Um pensamento que possa causar sofrimento pode
ser impedido de tornar-se consciente, pode ser recalcado, ou retirado da
percepção pré-consciente e recalcado por razões que nem sempre se conhece.
Diz a
metáfora que “pensamentos voam”. Se seguirmos a metáfora diremos que para
voarem precisam adquirir qualidades e para isso eles se associam com as
lembranças, onde os resíduos de qualidade são significativos, para que se
constituam lembranças que possam tornar-se conscientes e retornar à memória com
maiores investimentos. Na análise dos processos de pensamento a passagem de um
estagio inconsciente ao pré-consciente e deste ao consciente é marcado por uma
censura, que opera dentro de um limite qualitativo daquilo que retorna, seja em
forma de fantasia ou não. Assim “as estruturas de
pensamento de baixa intensidade lhe escapam”. Se há qualidade e quantidade de
energia a censura opera. Se a qualidade e quantidade de energia são baixas,
segue livre curso possibilitando os estados patológicos mais complexos.
A
“realidade” psíquica “é uma forma de existência”, que em muitos aspectos pode
diferir das ações no dia a dia. Aquilo no qual pode inferir sobre o caráter de
alguém. Muitas ações são movidas por impulsos, são retidos ou reduzidos em suas
ações, mas o inconsciente sabe o que será retido ou não. Um caráter humano está
envolto em forças que necessita elaborar, dominar, e nem sempre as escolhas são
fáceis. “O inconsciente é a única realidade psíquica”, no sentido de
arquitetura psíquica, “em sua natureza mais íntima, ele nos é tão
desconhecido quanto a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente
apresentado pelos dados da consciência quanto o é o mundo externo pelas
comunicações de nossos órgãos sensoriais”(Freud). Assim podemos relembrar a
obra de Freud sobre Totem e Tabu onde no prefácio nos chama atenção para o quanto
nossa percepção interior é obscura seja no que diz respeito ao presente,
passado, futuro a vida “além-mundo”.
Referências
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