16 de outubro de 2013

Obscuro Inconsciente

“Mas, e quanto ao valor prático desse estudo — já posso ouvir a pergunta — como meio de se chegar a uma compreensão da alma, a uma revelação das características ocultas de cada um? Acaso as moções inconscientes expressas pelos sonhos não têm o peso de forças reais na vida anímica? Será que se deve fazer pouco da significação ética dos desejos suprimidos — desejos que, assim como levam aos sonhos, podem um dia levar a outras coisas”? (Freud)

Essa reflexão de Freud sobre o inconsciente foi o “começo” de uma descoberta e a continuação de inúmeros estudos, que continuarão por muito tempo. Sabemos que o inconsciente é a base da vida psíquica e mais amplo do que o consciente. Há necessidade de ultrapassar juízos anteriores, procurar novos pontos de vista, que antes de serem postulados devem ser hipóteses. Embora o que ignoramos sobre o psiquismo seja a parte mais importante e revelador da existência humana, estamos longe de compreender a essência do psiquismo. Ao superar o impasse corpo-mente, reinsere-se psíquico na tessitura da vida na medida em que se admite ser os conteúdos conscientes ou inconscientes algo difícil de serem apreendidos pelo próprio sujeito. Por serem inconstantes, os conteúdos ora podem estar conscientes, ora inconscientes ou representados de forma enigmática. O estar consciente está muito mais ausente do que presente, portanto o psíquico é muito mais inconsciente do consciente. Se pensarmos nos lapsos de escrita, lapsos verbais, imagens referendadas, as leituras ou escutas “equivocadas”, desenhos aparentemente incompreensíveis, ou seja, todos os atos falhos, substituições, representações que falam muito mais do que podemos imaginar ou decifrar. Assim dilui-se a delimitação entre o que é inconsciente e consciente. O que revela as demandas do inconsciente são as resistências, que negam os impulsos inconscientes e as necessidades desse. Muitas têm sido as experiências de alteração da consciência para que o inconsciente assuma sem maiores reservas suas demandas. Deste a hipnose às históricas práticas religiosas, às substancias psicoativas na história da humanidade que alteram a consciência e eventos inexplicáveis que veem à tona. Assim “o psíquico é em si mesmo inconsciente e o inconsciente é o verdadeiro psíquico”. Mas a consciência traz à luz conteúdos importantes, que rememorados permite uma compreensão mais ampla, na medida em que preenche lacunas de uma história.

A mediação “pré-consciente” no que se refere aos conteúdos que transitam entre consciente e inconsciente é importante na compreensão dos processos mentais. É no pré-consciente que se supõe o inicio do recalque, do material que não deve vir ao consciente, isso não implica em um “espaço” localizacionista. Muitos pensamentos pré-conscientes são deslocados, acomodados pelo inconsciente, seja por repressão ou subtração. Esse auto manejo é possível porque a estrutura psíquica é móvel, flexível, resiliente. As representações, os pensamentos, as estruturas psíquicas, permeiam o sistema nervoso como um todo. Portanto “o que pode ser objeto de nossa percepção interna é virtual, tal como a imagem produzida num telescópio pela passagem dos raios luminosos”(Freud). Em nosso psiquismo existem sistemas, que projetam a imagem, tanto assim que enxergamos as imagens invertidas e são internamente modificadas. Por maiores que sejam os comprometimentos da estrutura psíquica há sempre um feixe de luz de consciência, mesmo que não seja permanente. Assim os processos de pensamento mais complexos podem existir sem tornar-se consciente, sendo o tornar-se consciente um “resultado psíquico remoto do processo inconsciente” e poderia já estar consciente, mesmo sem ser percebido por si mesmo. Então temos aqui a consciência de si. Todas as forças da alma são “formas de expressão de moções que se encontram sob a pressão da resistência” e do esquecimento, que em determinadas situações por alteração da consciência, seja pelo sono ou realidades diversas, são reforçadas por “fontes de excitação situadas em camadas mais profundas” do psiquismo. A questão a compreender é que há conteúdos do inconsciente inadmissíveis a consciência, portanto transitam por uma pré-consciência, (como se fosse uma “tela”) depois de serem liberados por uma censura, pois o consciente avalia se aquele conteúdo pode transitar alcançar hierarquias, sem grandes estragos. Nossa atenção exerce papel importante, pois serve de “filtro” ao poder de motilidade desses conteúdos energizados. Se não há divisória entre passado, presente e futuro, é possível supor que “subconsciente” e “supraconsciente” é uma mera denominação. A questão que se coloca no sistema pré-consciente é da memória, que alguns denominam de curto prazo, pois esse sistema não possui a capacidade de retenção de memória de longo prazo.

As excitações internas ou externas, muitas vezes mescla-se, sendo difícil identificar o que pertence a uma ou a outra. Antes de ser uma sensação consciente os conteúdos são submetidos a revisões para que as sensações de prazer-desprazer possam penetrar na consciência. Ao discernir as sensações de prazer-desprazer o inconsciente através do superego, da censura, delimita os investimentos de energia, os deslocamentos, as quantidades e qualidades. Nessa dinâmica inconsciente-consciente o recalque inibe as lembranças inconscientes que possam trazer sofrimento. Um pensamento que possa causar sofrimento pode ser impedido de tornar-se consciente, pode ser recalcado, ou retirado da percepção pré-consciente e recalcado por razões que nem sempre se conhece.

Diz a metáfora que “pensamentos voam”. Se seguirmos a metáfora diremos que para voarem precisam adquirir qualidades e para isso eles se associam com as lembranças, onde os resíduos de qualidade são significativos, para que se constituam lembranças que possam tornar-se conscientes e retornar à memória com maiores investimentos. Na análise dos processos de pensamento a passagem de um estagio inconsciente ao pré-consciente e deste ao consciente é marcado por uma censura, que opera dentro de um limite qualitativo daquilo que retorna, seja em forma de fantasia ou não. Assim “as estruturas de pensamento de baixa intensidade lhe escapam”. Se há qualidade e quantidade de energia a censura opera. Se a qualidade e quantidade de energia são baixas, segue livre curso possibilitando os estados patológicos mais complexos.

A “realidade” psíquica “é uma forma de existência”, que em muitos aspectos pode diferir das ações no dia a dia. Aquilo no qual pode inferir sobre o caráter de alguém. Muitas ações são movidas por impulsos, são retidos ou reduzidos em suas ações, mas o inconsciente sabe o que será retido ou não. Um caráter humano está envolto em forças que necessita elaborar, dominar, e nem sempre as escolhas são fáceis. “O inconsciente é a única realidade psíquica”, no sentido de arquitetura psíquica, “em sua natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido quanto a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente apresentado pelos dados da consciência quanto o é o mundo externo pelas comunicações de nossos órgãos sensoriais”(Freud). Assim podemos relembrar a obra de Freud sobre Totem e Tabu onde no prefácio nos chama atenção para o quanto nossa percepção interior é obscura seja no que diz respeito ao presente, passado, futuro a vida “além-mundo”.

Referências
FREUD, S.   ALGUMAS LIÇÕES ELEMENTARES DE PSICANÁLISE (1940 [1938]) A NATUREZA DO PSÍQUICO,  Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
 FREUD, S.   F) O INCONSCIENTE E A CONSCIÊNCIA - REALIDADE,  Obras Completas de Psicanálise - volume V. Rio de Janeiro, Imago-1996.

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