14 de outubro de 2013

Vida e Valores


  "só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal. Assim, nada há de mais inepto em amor do que se adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema interminável de concessões mútuas... e, quanto mais os seres chegam ao extremo do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um mundo para o outro.". Lou Andreas-Salomé

Lou Andreas-Salomé (1937)

A 5 de fevereiro deste ano, Frau Lou Andreas-Salomé faleceu pacificamente em sua casinha de Göttingen, com quase 76 anos de idade. Durante os últimos 25 anos de sua vida, essa notável mulher esteve ligada à psicanálise, à qual contribuiu com trabalhos valiosos e que também praticou. Não estarei dizendo demais se reconhecer que todos nós sentimos como uma honra quando ela se juntou às fileiras de nossos colaboradores e companheiros de armas, e, ao mesmo tempo, como uma nova garantia da verdade das teorias da análise.
Sabia-se que, quando moça, ela manteve intensa amizade com Friedrich Nietzsche, baseada em sua profunda compreensão das audazes ideias do filósofo. Esse relacionamento teve um fim abrupto quando ela recusou a proposta de casamento que ele lhe fez. Era bem sabido, também, que, muitos anos depois, ela atuou como Musa e mãe protetora para Rainer Maria Rilke, o grande poeta, que era um pouco desamparado em enfrentar a vida. Além disso, porém, sua personalidade permaneceu obscura. Sua modéstia e discrição eram mais do que comuns. Ela nunca falou de suas próprias obras poéticas e literárias. Claramente sabia onde devem ser procurados os verdadeiros valores da vida. Aqueles que lhe foram mais íntimos tiveram a mais forte impressão da genuinidade e da harmonia de sua natureza, e puderam descobrir com espanto que todas as fraquezas femininas e talvez a maioria das fraquezas humanas lhe eram estranhas ou tinham sido por ela vencidas no decorrer de sua vida.
Foi em Viena que, há muito tempo atrás, o mais comovente episódio de seu destino feminino fora representado. Em 1912, ela retornou a Viena, a fim de ser iniciada na psicanálise. Minha filha, que foi sua amiga íntima, ouviu-a um dia lamentar não ter conhecido a psicanálise em sua juventude. Mas, afinal, naqueles dias não existia tal coisa.
Sigm. Freud - Fevereiro de 1937.

Em um mundo onde falar de valores, caráter, parece algo estranho, ofensivo, antiquado, relembrar esta carta de Freud quando fala da morte de Lou Andreas Salomé, ressaltando valores tão importantes a todos os seres humanos: modéstia, discrição, harmonia, equilíbrio e firmeza para vencer as dificuldades da vida. “Claramente sabia onde devem ser procurados os verdadeiros valores da vida”.  Mostra-nos o avanço do materialismo na sociedade em que vivemos, como se tivéssemos caminhado para traz, apesar de todos os avanços científicos.
FREUD, S. - Breves Escritos (1937-1938) Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

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