"Pelo
menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam
sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental.
Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava
ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas
violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse
morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do
casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram
apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças".
"Quando
chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus
nomes descartados pelos funcionários, que os rebatizavam. Daniela Arbex devolve
nome, história e identidade aos pacientes, verdadeiros sobreviventes de um
holocausto, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste, ou Antônio
Gomes da Silva, sem diagnóstico, que, dos 34 anos de internação, ficou mudo
durante 21 anos porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava. Os
pacientes da Colônia às vezes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam
sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites geladas da Serra da
Mantiqueira, eram deixados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Pelo
menos 30 bebês foram roubados de suas mães. As pacientes conseguiam proteger
sua gravidez passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo
depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados. Alguns morriam
de frio, fome e doença. Morriam também de choque. Às vezes os eletrochoques
eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos
períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam
lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos
para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando
houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em
ácido, no pátio da Colônia, diante dos pacientes, para que as ossadas pudessem
ser comercializadas. Nada se perdia, exceto a vida".
"No
início dos anos 60, depois de conhecer a Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo, da
revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: "Aquilo é um assassinato em
massa". Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da luta
pelo fim dos manicômios que também visitou a Colônia, declarou numa coletiva de
imprensa:" "Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar
nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa".
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