25 de fevereiro de 2013

Lembranças e Paranoia - Considerações Finais

A relação entre as experiências vivenciadas e os conteúdos na paranoia

 Considerações Finais
  
A memória que interessa a cada um de nós é gravada e articulada de diversas maneiras. Que registros são esses? Que não é possível localizar no tempo e no espaço, que habitam nosso psiquismo e se interconectam como uma rede de infinitas ligações transcritas e retranscritas, inundadas de representações, significado e significantes que se refazem de forma dialéticas indo e vindo ininterruptamente? Que Lacan (2008, p.183) irá nos sinalizar a marcação que Freud faz de pontos de verificação cronológicos, em sistemas que se constituem “entre zero e um ano e meio, depois entre um ano e meio e quatro anos, depois entre quatro e oito anos” etc. Independente destas marcações no tempo o que importa é ter presente que esses registros se constituem e se refazem continuamente. Nossos pensamentos, lembranças vão sendo formados mutuamente contraditórios, combinando-se para formar condensações, por onde a representação da realidade pode ser remodelada de diversas formas, através de vínculos que se revelarão na “associação livre”. Decodificá-los, interpretá-los, encontrar os “fueros”, “amarrá-los” eis a questão.
Os traços mnêmicos de nossas impressões são lembrados sejam como palavras, atitudes de compromisso, repetições, delírios, alucinação, como lembranças fragmentadas, sintomas primários e secundários de defesa, sintomas. Os “delírios”, as “alucinações” que se impõe como percepções representam uma tentativa de unificação no texto do real, em busca de legitimidade.

A questão é que esses registros aparecem continuamente nas coisas que nos dão prazer e as que nos dão desprazer, embora de formas diferentes, porque o que vale em um sistema não vale em outro, o que vale em uma circunstancia, não vale em outra. E nessa confusão dos mecanismos surge a desordem, a defesa patológica, pois na regressão ocorre uma série de superposições de acordos, coerências, incoerências entre os discursos, que vai constituir as intenções, os lamentos, a obscuridade, a confusão em que vivemos. Quando afirmamos ao negar e negamos afirmando, diz respeito a uma dinâmica da simplificação do discurso, que é secreta e nos escapa e sentimos nem sempre decifrar esse mistério. Não é possível compreender a paranoia e nenhuma outra estrutura sem levar em conta, a organização anterior do sujeito, sua história, seus desejos, sua ancestralidade, o destino que dá à lei, o que não é possível integrar, simbolizar, o que é preservado e porque.

Saber até onde é possível recuar as lembranças não é possível precisar. É possível supor que esse já conhecido habita o psiquismo nos seus mais remotos e recônditos espaços e tempos, desde sempre, através dos arquétipos inconscientes e que a dualidade que vemos tão presente na estrutura das psicoses remete a duplicidade senhor-escravo que habita no interior da sociedade, nos mais diversos tempos pelas diversas formas de servidão e que pressiona o recalcado no sentido de uma libertação.

Apesar da satisfação do trabalho realizado e dos objetivos atingidos pela articulação das categorias aqui estudadas, fica sempre algo da falta, de novas interrogações. Há que repensarmos a ênfase na clínica medicamentosa e na clínica do sintoma. Estas reflexões continuarão de forma ininterrupta, em um movimento que faz parte da vida que flui e reflui. Há que ressaltarmos que sem compreender o sujeito como alguém que faz e constrói sua história, suas escolhas, que é determinado pela história cultural da qual faz parte e a determina, que não é possível ele compreender a si próprio, seu desejo sua história sem resgatar suas lembranças, sua memória, seus limites, sua lei, sem estar apaziguado com elas. Que a intervenção no âmbito da subjetividade do sujeito se dá pela ênfase no sintoma e não na compreensão dialética de suas lembranças, sua memória, sua história, nos remete as questões: está na memória do sujeito às respostas a todas os seus conflitos? A fragmentação vivenciada nas estruturas psíquicas dizem respeito a reintegração de diversos eus? Qual a diferenças entre essas fragmentações? Até onde é possível recuar na ancestralidade para compreender as articulações da existência do sujeito?  Estas são desdobramentos com ênfase no resgate da memória e lembranças, reflexões que poderão seguir seu curso e outras que por certo no fluir da vida há de vir.

Referências

FREUD, S. Carta 52 (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Carta 57 (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise – volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________  Rascunho H (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________   Rascunho K (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ As Neuropsicoses de Defesa (1894). Obras Completas de Psicanálise - volume III. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A psicologia dos Processos Oníricos (1900-1901). Obras Completas de Psicanálise - volume V. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A Divisão do Ego no Processo de Defesa (1940/1938). Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Lembranças da Infância e Lembranças Encobridoras (1907/1920). Obras Completas de Psicanálise - volume VI. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Recordar, Repetir e Elaborar (1914). Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A História do Movimento Psicanalítico (1914). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Sobre o Narcisismo (1914). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________  O Inconsciente (1915). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Observações Adicionais Sobre as Neuropsicoses de Defesa (III Análise de um caso de Paranoia crônica) (1896). Obras Completas de Psicanálise - volume III. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Um caso de Paranoia que Contraria a Teoria Psicanalítica da
Doença (1915). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ O Caso Schreber, Artigos Sobre Técnica e Outros Trabalhos (1011 – 1913). Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose (1924). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________  Neurose e psicose (1924/1923). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ O Ego e o Id (1923). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Uma Nota Sobre o Bloco Mágico (1925/1924). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Lacan, J. – Da Psicose Paranoica em suas relações com a Personalidade (Primeiros escritos Sobre a Paranoia) - Tradução de Aluísio Menezes, Marco Antônio Coutinho Jorge, Potiguara Mendes da Silveira jr. - FORENSE-UNIVERSITÁRIA - Rio de Janeiro – 1ª edição – 1987 - Traduzido do original francês, De la Psychose Parano'iaque dans ses Rapports avec La Personnalisé. Paris, Seuil, 1975. Esta obra, que constituía a tese de doutorado em medicina de Jacques Lacan, foi publicada inicialmente por Le Françors, Paris, 1932.
_________ O Seminário 3 – As Psicoses – Rio de Janeiro, Zahar – 2008.
_________ O Seminário 5 – As Formações do Inconsciente - A Foraclusão do nome-do-pai – Rio de Janeiro, Zahar – 1999.
_________O Seminário 5 – As Formações do Inconsciente - A metáfora paterna  – Rio de Janeiro, Zahar – 1999. 

24 de fevereiro de 2013

Condição Humana


Foto: Êxodos – Sebastião Salgado

Na introdução de Êxodos, Sebastião Salgado escreveu: "Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações extremas…"

Em conferencias Introdutórias XXXI Freud (p. 72-73) escreveu: “quando levamos em conta o superego, estamos dando um passo importante para a nossa compreensão do comportamento social da humanidade — do problema da delinquência, por exemplo — e, talvez, até mesmo estejamos dando indicações práticas referentes à educação. Parece provável que aquilo que se conhece como visão materialista da história peque por subestimar esse fator. Eles o põem de lado, com o comentário de que as ‘ideologias’ do homem nada mais são do que produto e superestrutura de suas condições econômicas contemporâneas. Isto é verdade, mas muito provavelmente não a verdade inteira. A humanidade nunca vive inteiramente no presente. O passado, a tradição da raça e do povo, vive nas ideologias do superego e só lentamente cede às influências do presente, no sentido de mudanças novas; e, enquanto opera através do superego, desempenha um poderoso papel na vida do homem, independentemente de condições econômicas”.

23 de fevereiro de 2013

Lembranças e Paranoia - Considerações I

A relação entre as experiências vivenciadas e os conteúdos na paranoia

Considerações I

 Quando começamos este trabalho, colocando a questão da memória em primeiro plano em função da leitura da carta 52 de Freud, não imaginávamos que ela poderia ser o norte de todo o trabalho, e que iriamos nos deparar com a mesma carta no capitulo XI do seminário 3 de Jacques Lacan. Repetimos então a leitura que Lacan (2008, p.181) faz da carta 52 “há os desejos que não se extinguem jamais, que continuam a circular na memória e que fazem com que, o ser humano recomece indefinidamente as mesmas experiências dolorosas, as coisas se conectaram na memória de maneira tal que persistem no inconsciente”.  Nesta e em todas as cartas de Freud estão as bases da construção psicanalítica. Mas é surpreendente que em uma única carta ele tenha esboçado a estrutura da memória, das lembranças, do recalque e da paranoia, dentre outras estruturas.

Quando Freud pensa a topografia mental ele o faz a luz das experiências perceptivas externas e internas. Suas interrogações surgem quando se depara com o enigma: Os processos internos (pensamentos, sentimentos) avançam gerando a consciência ou a consciência abre caminho até eles? E assim ele coloca a terceira alternativa: o inconsciente é efetuado em algum material que permanece desconhecido, enquanto o pré-consciente é colocado em vinculação com representações verbais, que são resíduos de lembranças.

Não podemos deixar de considerar que existe uma história filogenética, que habita cada um de nós e diz respeito também a cultura. O desenvolvimento de cada pessoa é como nos diz Freud (1900-1901, p.578) a “recapitulação abreviada” da história humana através das circunstâncias e provações ao longo da vida que revelam seja como repetição, alucinação das antiguidades anímicas dos mais antigos e obscuros recantos da vida humana.

O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica, “em sua natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido quanto a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente apresentado pelos dados da consciência quanto o é o mundo externo pelas comunicações de nossos órgãos sensoriais”. (Freud 1900-1901 p.637). O que podemos relembrar e reelaborar do recalcado, é que nos traços mnêmicos que diz respeito a psicose paranoica o ego é arrastado para longe da realidade, e ao mesmo tempo tentaria reparar o dano causado e restabelecer as relações do indivíduo com a realidade às expensas do id, pela criação de uma nova realidade que não levanta mais as mesmas objeções que a antiga, através do delírio e da alucinação. Serve ao desejo de poder do id, e a fuga, da realidade é sucedida por uma fase de remodelamento do ego. A paranoia repudia e tenta substituir, transformar a realidade sobre os precipitados psíquicos de antigas relações com a própria realidade, ou seja, sobre os traços de memória, as ideias e os julgamentos continuamente enriquecida e alterada por novas percepções, ao longo do tempo. Mas não é só com o vivido que o sujeito tem que se haver, há que também conseguir para si próprio percepções de um tipo que corresponda à nova realidade, o que se dá através da alucinação. É claro que existe aflições, sofrimento nas alucinações e nos delírios, pelas forças conflitantes em jogo, pois o fragmento de realidade rejeitado  se impõe à mente.

Que tudo o que é produzido pelas experiências remotas da infância,  através de vivências, ou do imaginário para tornar-se consciente ligam-se a novas percepções externas presentes, é algo que a vastidão do inconsciente retém como lembranças que voltará à consciência. Mas as lembranças residuais estão contidas próximas ao consciente, e sua energia pode estender-se do pré-consciente para o consciente. Quando uma lembrança é revivida a sua energia permanece na lembrança, enquanto que uma alucinação que não é distinguível de uma percepção pode surgir quando a energia se transfere inteiramente para o pré-consciente, sem se estender pelas lembranças. É certo que as vivências infantis barradas pelo inconsciente, tidas como desprazeirosas, no transcurso do desenvolvimento, há um aumento da necessidade de liberação, de descarga, que ocorrerá através da construção de vínculos, representações, significantes, para se tornarem conscientes. Com o recalque e o que Lacan chama de nome-do-pai, ou seja, a lei, estas lembranças aparecem na paranoia, como compulsão, alucinação, delírio.

Poderíamos pensar que quanto mais cedo as vivencias infantis forem barradas pelo superego estarão “a salvo” de um retorno deslocado da realidade. Mas se isso não é possível os pensamentos inconscientes e lembranças recalcadas são trazidos à consciência superando a resistência, os pensamentos que emergem do inconsciente são ouvidos então interiormente ou alucinados da mesma forma que as vozes. As alucinações (Lacan 2008, p. 168), seja nos “seus contrastes recíprocos, nas oposições complementares fazem parte da organização subjetiva sendo necessário segui-las em sua sucessão no tempo”, são fragmentos de lembranças, reproduções de uma impressão real, que se reproduzem por causa de um grande interesse ligado a elas, ou como uma (Lacan 2008, p.168) “realidade que se apresenta como significante”. Que o recalcado aqui habita disso não temos dúvida, da mesma forma que retorna. Os sintomas devem ser descritos como sintomas de retorno do recalcado. Na representação delirante há um conteúdo mnêmico. O retorno do recalcado em imagens visuais - as alucinações mnêmicas da paranoia - sofrem uma distorção, uma imagem nova, semelhante, toma o lugar da que foi recalcada. As autoacusações recalcadas retornam sob a forma de pensamentos ditos em voz alta, que ficam sujeitos a uma censura, que os leva a serem substituídos por outras representações associadas, ou são ocultados por um modo de expressão indefinido, sendo relacionados com experiências recentes que nada mais são do que experiências análogas às antigas.

Encontramos na paranoia uma fonte para a formação de sintomas, que são as representações delirantes que chegam à consciência através de uma formação de compromisso, os sintomas do retorno do recalcado, que fazem exigências à atividade de pensamento do ego, até que possam ser aceitas sem contradição. Como não são influenciáveis, o ego precisa adaptar-se a elas, numa formação delirante combinatória de delírios interpretativos que terminam por uma alteração do ego. Assim as lembranças que retornam (Freud 1896, p.274) “sofrem uma distorção ao serem substituídas por imagens análogas, extraídas do momento presente. As vozes lembram a autocensura, distorcidas a ponto de se tornarem indefinidas a se transformarem em ameaças”; configurando um estado de desconfiança. Os sintomas de compromisso do retorno do recalque e substituição subsequentes de lembranças que  contradizem a alteração do ego revela-se pelos sintomas do retorno do recalcado.

A lembrança está na ordem simbólica, onde os registros são distintos, assim não é possível saber o que está em primeiro ou segundo plano e porque esta ou aquela vem à lembrança e seu valor. São as percepções, as representações que emergem enquanto realidade, de uma significação que não foi simbolizada. Uma significação que é rejeitada e reaparece no fenômeno paranoico, como eus camuflados, refratados, só possível de acessar pelo registro da fala. A palavra é assim um acordo, um entendimento que é preciso reconectar com as marcas mnêmicas. Como falamos acima o que ficou de fora do recalque, que não foi incluído no recalque, é o destino que cada sujeito dá ao Nome-do-pai, à castração, ao pai simbólico, a lei. Diante da foraclusão o que retorna é o que fica de fora da lei. Assim o que fica de fora nos dá a imagem de um buraco, ao qual Freud irá falar de “fueros”, ou seja uma falha, uma ruptura que é preenchida pelo que Lacan (2008, p.59) fala “peça trazida pela fantasia psicótica”, em que o recalque e o retorno do recalcado são uma só e mesma coisa, expressa na linguagem. Então o que se trata é da ordem de um saber. O sujeito que alucina e/ou delira sabe do que se trata. O importante aqui é citar que o presidente Schreber em suas memórias, capitulo III, tanto sabia, das implicações dos fatos e lembranças de sua infância, relembrado por Lacan (2008, p.93) que Schreber “comportava observações concernentes à sua família, o que nos teria provavelmente esclarecido sobre seu delírio inaugural em relação a seu pai ou a irmão, ou a alguém entre seus parentes, e sobre o que se chama comumente os elementos significativos transferenciais”.

 A questão é que memória, lembranças, recalque, lei, simbolização e paranoia há que lutar ao lado do id, do superego e do ego e a intervenção cabe a todas as instancias do psiquismo, porque o que é rejeitado do interior reaparece no exterior, é quase uma fórmula. Se não é possível simbolizar, fica de fora, tem que reaparecer, pois pertence ao sujeito e aqui devemos lembrar da supressão primitiva das lembranças. Como no psiquismo acontece toda espécie de acidentes, Lacan nos diz que não há garantia de que a supressão primitiva tenha sido efetivada de maneira apropriada e que nada podemos saber sobre isso, pois se situa além de toda simbolização.

É com o que resta que cada um compõe seu mundo. Se na paranoia a alucinação é o retorno do que não foi simbolizado e o que não foi simbolizado diz respeito às “escolhas” sexuais infantis, ao destino que se dá a lei, o que ocorre é a fragmentação do eu (p.119), pois no que vai sendo revelado pela alucinação e/ou delírio há a dificuldade de encaixar, amarrar (p.143). É o sentido do(s) trauma(s) primário(s) que vai dar significado ao conflito atual e servir-lhe de linguagem, pelo mecanismo da condensação das lembranças, a que nos referimos acima, ou seja, material ligado ao conflito antigo é conservado no inconsciente, para ser tomado no significado do conflito atual e servir-lhe de linguagem, isto é, de sintoma. Então no caminho que Freud fez ao analisar os casos de paranoia recorrendo à memória, às lembranças e tendo presente o recalque, Lacan (2008, p.143) irá retransmitir da seguinte forma:

...à medida que ele (o paranoico) avança, repensa retroativamente seu passado e encontra até nos anos mais recuados a origem das perseguições cujo alvo é ele. Ele tem algumas vezes maior a dificuldade em situar um acontecimento, e sente-se bem sua tendência a projetar isso por um jogo de espelhos num passado que se torna ele próprio bastante indeterminado, um passado de retorno eterno

A diferença é que enquanto o neurótico dá um testemunho encoberto do inconsciente, o paranoico dá um testemunho aberto, difícil de compartilhar no discurso dos outros. A memória e as lembranças aqui são de um ser humano atormentado pelo sofrimento, constituída de mensagens, códigos, imagens, cores, afetos, falas. Isso é a memória humana. Ao que não é dado a expressão, se extingue, mas há os que levam um longo tempo a se extinguirem “que continuam a circular na memória”, (Lacan 2008, p. 181) e faz com que o ser humano recomece  experiências de aparência prazerosa, que estão conectados à memória, persistem no inconsciente, e trazem em si conteúdos dolorosos, sombrios.
Observação: As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.

22 de fevereiro de 2013

O Bambu - Sabedoria e o Ciclo da Vida


Depois de plantada a semente deste arbusto, não se vê nada por cinco anos, exceto um lento desabrochar de um diminuto broto a partir do bulbo. Durante cinco anos, todo o crescimento é subterrâneo, invisível a olho nu, mas... Uma maciça e fibrosa estrutura de raiz que, se estende vertical e horizontalmente pela terra, está sendo construída. Então no final do 5º ano o bambu chinês cresce até atingir a altura de 25 metros. Após a bomba de Hiroshima foi a primeira planta a florescer; faz a captação do carbono; E em toda sua sabedoria obedece às estações com um ciclo lógico; no inverno a seiva está armazenada nas raízes; no verão espalha pelos colmos. Nas grandes tempestades se curva e nos dias de sol brilha.

 Todos os grandes mestres beberam nas fontes de sabedorias milenares de todas as civilizações, seus símbolos, representações, contribuições à humanidade. A filosofia e sabedoria chinesa do confucionismo muito têm a nos ensinar na compreensão da mutação da vida enquanto um ciclo e do caminho enquanto essência.

19 de fevereiro de 2013

Lembranças e Paranoia - Paranoia

A relação entre as experiências vivenciadas e os conteúdos na paranoia
  
Paranoia
  
A função paterna e materna e os desejos infantis envolvidos vamos encontra-los ao falarmos de paranoia e dos casos analisados por Freud. Quando falamos de paranoia é importante ter presente a origem do termo derivado do grego (para = contra, noos = espírito), (ROUDINESCO, 1998, p.572) onde podemos ler “contra o espírito”, designando a loucura. Freud (1895, p.259 – Fig.1) fala da paranoia como “na paranoia o afeto é conservado. O conteúdo da ideia é conservado, mas projetado para fora, a alucinação é hostil ao ego e favorável à defesa o que resulta em uma defesa permanente sem ganho”. Uma pré-disposição psíquica a um estado paranoico e a dificuldade em tolerar situações que para outra pessoa seria possível, coloca a paranoia próxima dos estados chamados “normais”. Assim a defesa paranoica significa poupar o ego de algo; algo que foi recalcado e que ao retornar seja em forma de lembrança, alucinação ou delírio, poupa o ego e projeta seu conteúdo no mundo externo. O que chamamos de aproximação da vida “normal” dá-se pelo uso excessivo do mecanismo da projeção, muito utilizado na vida normal. A ideia delirante em contraponto ao conteúdo e ao afeto incompatível com o ego são projetados no mundo externo. Esse mundo interno retorna pela via do mundo externo não mais ao inconsciente, mas ao consciente através de uma formação de compromisso para serem aceitas, para que o ego se adapte a uma reestruturação do próprio ego.

Para Freud (1924 p.207) a noção de “normalidade” situa-se no que ele diz “chamamos um comportamento de ‘normal’ ou ‘sadio’ se ele combina certas características de ambas as reações — se repudia a realidade tão pouco quanto uma neurose, mas se depois se esforça, como faz uma psicose, por efetuar uma alteração dessa realidade”. Em uma psicose o ego, a serviço e por predominância do id, se afasta de um fragmento da realidade delineando uma perda de contato com esta. Ele define a paranoia como uma psicose de defesa; isto é, que ela provém do recalcamento de lembranças aflitivas, sendo seus sintomas determinados pelo conteúdo do que foi recalcado. Entretanto, a paranoia deve ter um mecanismo especial de recalcamento, uma sintomatologia que pode aparecer em sujeitos que tiveram boa saúde mental onde ocorre uma incompatibilidade com a vida representativa, ou seja, quando se confronta com uma experiência, uma representação ou um sentimento que desencadeia um afeto aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo. Nas representações incompatíveis Freud (1894) irá nos falar que é possível recordar os esforços defensivos, a intenção de “expulsar aquilo para longe”, de não pensar no assunto, de suprimi-lo.

Na análise de um caso de paranoia crônica (1894), ele irá conduzir com a paciente a sequencia terapêutica num sentido de regressão até as cenas do relacionamento sexual com o irmão que durou dos seis aos dez anos. As alucinações eram partes do conteúdo de experiências infantis recalcadas, ou seja, sintomas do retorno do recalcado, como também de uma formação de compromisso entre a resistência do ego e o poder do retorno do recalcado.
Freud (1894) afirma que na paranoia há um gradual comprometimento das resistências que enfraquecem as autoacusações, levando a um fracasso das defesas, e aquilo do qual o sujeito vinha tentando poupar-se, retorna em sua forma inalterada. Na paranoia o recalcamento é também o núcleo do mecanismo psíquico, e o que foi recalcado é uma experiência sexual na infância. Parte dos sintomas provém da defesa primária, todas as representações delirantes caracterizadas pela desconfiança e pela suspeita e relacionadas à representação de perseguição por outrem. Na paranoia, a autoacusação é recalcada por um processo que se pode descrever como projeção, e pela formação do sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas. Dessa maneira, o sujeito deixa de reconhecer a autoacusação, ficando privado de proteção contra as autoacusações que retornam em suas representações delirantes.

No artigo Um caso de paranoia que contraria a teoria psicanalítica da doença (1915, p.273.), Freud irá interrogar o conceito da escolha objetal narcisista como algo marcante no sujeito que sofre de paranoia. Embora ele afirma que “não sustentamos, é verdade, como universalmente válida e sem exceção, a tese de que a paranoia é determinada pelo homossexualismo”, há neste caso, o que ele denomina de um “complexo materno” que sustenta o desenvolvimento de um delírio de perseguição, ou seja, o amor pela mãe se torna, é colocado em termos de uma relação dual amorosa. A forma como o sujeito se desvencilha da relação pode coloca-lo em um delírio paranoico, para se proteger da relação com a figura masculina. A mãe torna-se então a perseguidora má. Se o complexo materno e as pulsões envolvidas não tivessem uma força desencadeadora, o desenvolvimento do delírio poderia ser dominado. Freud vai demonstrar novamente que através da regressão às memórias e vivências infantis, identificou como se deu as escolhas objetais e o processo de identificação em sua disposição paranoica. E afirma (Freud 1915 p. 277) que “esse uso retardado de impressões e esse deslocamento de lembranças com frequência ocorrem precisamente na paranoia e são característicos dela”. O mecanismo da projeção está presente de forma enfática. O que surpreende Freud neste caso é como na base paranoica em questão se realiza “o avanço de um objeto feminino para um masculino”.
Na construção paranoica há que haver desde a infância uma identificação com as figuras parentais que continuam onipotentes, permanecendo na fantasia e não no simbólico. Fica presente assim uma ameaça de aniquilamento que poderá ser um imperativo de perseguição no transcorrer da vida, ou seja, a figura paterna e materna continuará sendo ameaçadora. Então identificar-se com o pai ou com a mãe, o que é uma operação do ego, é uma possibilidade do inconsciente abandonar seus objetos. Como não foi possível a Schreber identificar-se com o pai, supõe-se aqui que as vivencias sofridas em sua infância com as experiências deste, e a manipulação de seu corpo, foi “mais fácil” a identificação com a figura feminina, ao mesmo tempo em que seus delírios podem revelar o que estava reprimido no inconsciente retornando através de um investimento narcísico.

Há que pensarmos nesta elaboração do caso Schreber, onde ele acreditava que existia um “método em sua loucura”. Compreendermos as causas da doença de Schreber é difícil, pois como sabemos Freud (1911, p.63-64)  não o analisou, mas afirmou encontrar-se “no terreno familiar do complexo paterno. A luta do paciente é explicável no campo de um conflito infantil com o pai que amava; os pormenores desde conflito (sobre o qual nada sabemos) foram o que determinou o conteúdo de seus delírios”. Os delírios de perseguição que diz respeito ao sujeito e ao seu perseguidor é, semelhante a alguém que desempenhou papel importante na vida emocional do sujeito e que funciona como um substituto. É uma forma de restabelecer, remontar um processo de reconstrução, que em uma idade remota, ficou por ser resolvida, resignificada. Então a emoção é projetada sob a forma de poder externo, e transformada no oposto. É possível que “a pessoa odiada e temida, foi, noutra época, amada e honrada”. Assim, no caso Schreber, é o contexto familiar e o que Freud chama de “complexo paterno”, vínculos de suas experiências infantis onde o pai interfere com a satisfação que a criança tenta obter e substituída na fantasia por alguma outra satisfação, é a ameaça paterna, a castração, que fornece o material para sua fantasia de desejo.

O caráter distinto da paranoia de Schreber revela-se nos sintomas onde para repelir uma fantasia de desejo homossexual, reagiu com delírios de perseguição e os delírios revelam estas relações e as remontam. No desenvolvimento do sujeito, o objetivo é a posse do objeto amoroso, objeto amoroso esse que pode começar por tomar a si próprio, como objeto amoroso, “que passa daí para a escolha de alguma outra pessoa que não ele mesmo”. O tempo que transcorre entre esse amor narcísico e o amor objetal é particular de cada sujeito, mas no caso da paranoia consideramos que ele se estende a outras etapas do desenvolvimento.

 Dois mecanismos revelam-se ao analisar as memórias do presidente Schreber: o mecanismo de projeção presente no processo paranoico, diz respeito a supressão e modificação do conteúdo, do afeto de uma percepção interna, acessa a consciência sob a forma de percepção externa. O que deveria ter sido sentido internamente como amor é percebido externamente como ódio. Embora a projeção não seja específica da paranoia, não desempenha o mesmo papel em todas as formas de paranoia, além de ter “participação regular em nossa atitude para com o mundo externo”.

Outra questão importante é o mecanismo da repressão, que diz respeito a fixação, onde um componente instintual não se conduz na sequencia dos demais em um caminho “normal” de acordo com o desenvolvimento, é deixado para trás, num estádio mais infantil. Na sequencia a repressão assume um processo ativo, e a fixação constitui um retardamento passivo. Em seguida o que ocorre é o “fracasso da repressão, da irrupção, do retorno do reprimido”. Que exista uma multiplicidade de pontos de fixação, tantos quantos forem as pulsões que habitam o sujeito, devemos assim compreender a multiplicidade de retardamento e do fracasso do reprimido e seu retorno na paranoia e a formação de sintomas. Assim é importante a compreensão de que o trabalho dos delírios, a formação delirante é uma tentativa de restabelecimento, ou seja, um processo de reconstrução. Se ela será bem sucedida ou não é outra questão. Vale ressaltar que na paranoia, é possível que após a libido ter sido retirada do objeto, reprimida, retorna ao sujeito como traços de megalomania, e que “a megalomania pode, por si mesma, constituir uma paranoia”. O que vale é o engrandecimento do ego. É um retorno a fase infantil do narcisismo, “no qual o único objeto sexual de uma pessoa é seu próprio ego”.

O mecanismo psíquico na psicose e na psicose paranoica é de uma engenhosidade semelhante a fortificação de uma cidadela: O inconsciente e o consciente são cidadelas guardadas por uma censura crítica, um superego. Quando o que acarreta o relaxamento dessa censura é uma redução patológica da força crítica ou uma intensificação patológica das excitações inconscientes e o portão de acesso à motilidade que é a censura crítica permanece aberto, o guardião que é o portão é subjugado, as excitações inconscientes dominam o pré-consciente e então controla nossa fala, nossas ações ou forçam a regressão alucinatória e dirigem o curso do psiquismo. “A esse estado de coisas damos o nome de psicose”. Lacan (2008, p. 13) irá nos lembrar no histórico da paranoia que 70% dos doentes dos manicômios portavam a etiqueta paranoia e que um paranoico era uma pessoa má, um intolerante, um tipo de mau humor, orgulho, desconfiança, suscetibilidade e quando era por demais paranoico, ele começava a delirar. A desconstrução não só em sua nosografia, mas em sua compreensão mais ampla Lacan o fará ao falar (p.27), “Há uma loucura necessária, que não ser louco da loucura de todo o mundo seria ser louco de uma outra forma de loucura”.

Que Freud tenha nos casos em que analisou buscado relação com as experiências infantis vivenciadas é fato e Lacan o irá referendar em caracterizar o delírio como delírio de relações, que há significação, que é possível compreender, como fenômeno incompreensível que é; Que no fundamento da estrutura paranoica algo se tornou palavra e que acontece quando alguma coisa do mundo interior, que não foi primitivamente simbolizada aparece no mundo exterior, então o sujeito, como ele diz, se vê desarmado, incapaz de juntar as peças de seu quebra-cabeças, ou seja, integrar o que não foi simbolizado no real e que acarreta uma desagregação em cadeia. O que aparece é o delírio, aquilo que do recalque escapa. E é através desse fenômeno intuitivo, persecutório, que a projeção assume relevância. Que Lacan irá considerar o inconsciente enquanto ponto de partida, não exclui o ego enquanto primordial, pois é o que vai (Lacan 2008 p. 171) “manejar a relação com a realidade, de transformar essa relação, com fins que definem como sendo de defesa”. Essa é a defesa que está na origem da paranoia sob a forma de alucinação, de delírio. Defesa que se estabelece em função da rejeição de um significante fundamental, algo do primitivo, de um primeiro corpo de significantes, que deveria estar no interior e fica no exterior, é então excluído.
Observação: As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.

18 de fevereiro de 2013

Código de Ética dos Índios Norte Americanos



Levante-se com o sol para orar. Ore sozinho. Ore com frequência.

O grande espírito o escutará, se você ao menos, falar!

Seja tolerante com aqueles que estão perdidos no caminho.

A ignorância, o convencimento, a raiva, o ciúme e a avareza, originam-se de uma alma perdida.

Ore para que eles reencontrem o caminho do grande espírito.

Procure conhecer-se, por si mesmo.

Não permita que outros façam seu caminho por você.

É sua estrada, e somente sua! Outros podem andar ao seu lado, mas ninguém pode andar por você!

Trate os convidados em seu lar com muita consideração, sirva-os com o melhor alimento, a melhor cama e trate-os com respeito e honra.

Não tome o que não é seu. Seja de uma pessoa, da comunidade, da natureza, ou da cultura.

Se não lhe foi dado, não é seu!

Respeite todas as coisas que foram colocadas sobre a terra, sejam elas pessoas, plantas ou animais. Respeite os pensamentos, desejos e palavras das pessoas.

Nunca interrompa os outros nem os ridicularize, nem rudemente os imite. Permita a cada pessoa o direito da expressão pessoal.

Nunca fale dos outros de uma maneira má. A energia negativa que você colocar para fora no universo, voltará multiplicada para você!

Todas as pessoas cometem erros e todos os erros podem ser perdoados!

Pensamentos maus causam doenças da mente, do corpo e do espírito. Pratique otimismo! a natureza não é para nós, ela é uma parte de nós. Toda a natureza faz parte da nossa família terrenal.

As crianças são as sementes do nosso futuro.

Plante amor nos seus corações e regue com sabedoria e lições da vida. Quando forem crescidos, dê-lhes espaço para que continuem crescendo!

Evite machucar os corações das pessoas. O veneno da dor causada a outros, retornará à você. Seja sincero e verdadeiro em todas as situações.

A honestidade é o grande teste para a nossa herança no universo. Mantenha-se equilibrado. Seu corpo espiritual, seu corpo mental, seu corpo emocional e seu corpo físico, todos necessitam ser fortes, puros e saudáveis.

Trabalhe o seu corpo físico para fortalecer o seu corpo mental. Enriqueça o seu corpo espiritual para curar o seu corpo emocional.

Tome decisões conscientes de como você será e como reagirá. Seja responsável por suas próprias ações.

Respeite a privacidade e o espaço pessoal dos outros. Não toque as propriedades pessoais de outras pessoas, especialmente objetos religiosos e sagrados, isto é proibido.

Comece sendo verdadeiro consigo mesmo.

Se você não puder nutrir e ajudar a si mesmo, você não poderá nutrir e ajudar os outros.

Respeite outras crenças religiosas.

Não force as suas crenças sobre os outros.

Compartilhe sua boa fortuna com os outros, participe com caridade. Com tantas guerras e fome o homem branco ainda se sente civilizado. 

17 de fevereiro de 2013

Lembrambras e Paranoia - Recalque

A relação entre as experiências vivenciadas e os conteúdos na paranoia
 
Recalque
 
Mas sem o recalque a normalidade psíquica coloca-se vulnerável a um abismo desconhecido.  Freud (1900-1901, p.635) irá falar do recalque como:  “recalcar” e “irromper” ou “penetrar”. Assim estamos falando de uma lembrança guardada no mais profundo do inconsciente, que pressiona para vir a tona através do pré-consciente para tornar-se consciente. O recalque ou a resistência criada por ele causa o esquecimento, mas também é responsável pelas dissociações que poderão se apresentar no funcionamento psíquico. É certo que o inconsciente tece sua rede de ligações, que Lacan (1999, p.152) irá falar de rede de significantes, em torno de impressões e representações, que não foram dadas atenção, rejeitada ou que não foram elaboradas, sem formação de vínculos. Freud (1900-1901 p.591) nos diz que “essas impressões e representações podem repetir grupos inteiros de novas ligações, estabelecendo associações que possa servir de cobertura para uma representação recalcada”.
 
O recalque irá transformar essas impressões, representações, desejos sexuais da infância e afetos que dão desprazer, abandonados pelo pré-consciente, através de um investimento em uma “nova” impressão, representação, proposta de desejo, inconsciente e o destino final é a descarga motora, ou se houver uma possibilidade de subjetivação, a “revivificação alucinatória da identidade perceptiva desejada” (Freud 1900-1901 p. 141).
 
 Há que anotarmos que o recalque, a propósito da defesa psíquica, conduz a uma renuncia das lembranças porque estas não podem receber nenhum investimento que chega dos órgãos sensoriais psíquicos. Quando um pensamento tem que ser descartado, não pode tornar consciente, pois sofreu recalcamento, mas quando um pensamento é descartado da consciência e recalcado é possível na intervenção clínica trazê-lo à consciência, mas pode ocorrer também que lembranças recalcadas por muito tempo retornem a consciência por caminhos indiretos, como imagens aparentemente sem sentido. Todo esse mecanismo não ocorre de forma linear. Dar-se-á de forma dialética, no caminho está o superego, que só deixa passar o que lhe é agradável. Assim o que é rejeitado pela censura fica em estado de recalcamento. É certo que em determinadas condições, o sono é uma delas, a correlação de forças entre essas instancias se modifica, porque a censura nunca é completamente eliminada do recalcado chegando ao consciente de forma alterada, pela alucinação, pelo delírio ou pela formação de compromisso.
 
A partir da carta 52 Lacan (2008 p.77) vai lembrar que o recalque retorna e o retorno do recalcado “são apenas o direito e o avesso de uma mesma coisa”. Que o recalque reaparece nos sintomas e na “multidão de fenômenos” psíquicos que ficou de fora na psicose e que esse fenômeno é a “história do sujeito simbólico”.
 
Nome-do-Pai
 
O que ficou de fora do recalque, que não foi incluído no recalque, é o destino que cada sujeito dá ao Nome-do-pai, à castração, ao pai simbólico, a lei. Diante da foraclusão o que retorna é o que fica de fora da lei. Nossa memória é constituída de lembranças e esquecimentos e estes pertencem ao recalque. Assim desde o nascimento, quando o sujeito é imerso na cultura, uma relação triangular se estabelece, pois há que ter um “terceiro excluído”, para que a relação dual, dupla, não se estabeleça enquanto forma de existir, ou seja estabelece-se uma comunicação onde não é possível a diferença. É nas lembranças, sejam como significação ou significante, que a falta de alguma coisa que funda a significação, que é o significante, aquilo que na relação dual irá conferir autoridade a lei. Lei é “aquilo que se articula no nível do significante, ou seja, o texto da lei” (Lacan 1999 p.152-153).
E o que vai faltar na cadeia de significantes, que será marcante na paranoia? Vai faltar o Nome-do-pai, no que ele funda como tal o fato de existir a lei, assim o que o sujeito tem de suprir é a falta desse significante que é o Nome-do-pai, a lei, não é linear, é descontínuo, dialético e isso vai se revelar nas lembranças cheias de significantes que demandam a lei e se constituem enquanto defesas da falta da lei, sejam enquanto palavras ou atos. Então a lei é o Outro, o terceiro excluído da relação triangular, que não fica de fora, é o que dá alcance a lei. Portanto na paranoia vamos encontrar a relação dual nas vozes, há um outro que fala, um terceiro, que procura por uma lei. A entrada das vozes, desse terceiro revela a falta, o vazio a que Lacan (1999 p.159) vai remeter é “se esse oco ou esse vazio aparece, é por ter sido evocado ao menos uma vez o Nome-do-pai,  é a garantia de que a lei como tal se apresente como autônoma”, retoma a questão do recalque ao falar de Nome-do-pai citando o presidente Schreber quando esclarece que na medida em que o deliro e a alucinação se desenvolve se apresenta essa lei foi evocada ao menos uma vez e a garantia de que ela possa se apresentar como autônoma. Algo da castração foi preservado.
 
Em Schreber, essa rede de significações, de lembranças é tão bem organizada que abrange o mundo. Cada uma de suas palavras tem sua ênfase, é um significante. Ele as articula relacionando-as entre si. E a clareza que elas comportam só é possível identificar na rede de significantes, de suas lembranças. Nelas fica revelado que na paranoia não se apropria da lei, da dimensão do Nome-do-pai. E o destino de cada um reside em como cada sujeito se apropria do pai simbólico. Que o conjunto de representações, imagens permeadas de significantes encontrarão sempre um caminho por onde escoar sua dialética intersubjetiva da base do triângulo mãe-pai-filho envolta num bom número de imagens com a função unificadora da imagem total do corpo, ou seja, Lacan (1999 p. 164) conclui “a relação, do eu com a imagem especular já nos fornece a base do triângulo imaginário”.
Observação: As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.