25 de fevereiro de 2013

Lembranças e Paranoia - Considerações Finais

A relação entre as experiências vivenciadas e os conteúdos na paranoia

 Considerações Finais
  
A memória que interessa a cada um de nós é gravada e articulada de diversas maneiras. Que registros são esses? Que não é possível localizar no tempo e no espaço, que habitam nosso psiquismo e se interconectam como uma rede de infinitas ligações transcritas e retranscritas, inundadas de representações, significado e significantes que se refazem de forma dialéticas indo e vindo ininterruptamente? Que Lacan (2008, p.183) irá nos sinalizar a marcação que Freud faz de pontos de verificação cronológicos, em sistemas que se constituem “entre zero e um ano e meio, depois entre um ano e meio e quatro anos, depois entre quatro e oito anos” etc. Independente destas marcações no tempo o que importa é ter presente que esses registros se constituem e se refazem continuamente. Nossos pensamentos, lembranças vão sendo formados mutuamente contraditórios, combinando-se para formar condensações, por onde a representação da realidade pode ser remodelada de diversas formas, através de vínculos que se revelarão na “associação livre”. Decodificá-los, interpretá-los, encontrar os “fueros”, “amarrá-los” eis a questão.
Os traços mnêmicos de nossas impressões são lembrados sejam como palavras, atitudes de compromisso, repetições, delírios, alucinação, como lembranças fragmentadas, sintomas primários e secundários de defesa, sintomas. Os “delírios”, as “alucinações” que se impõe como percepções representam uma tentativa de unificação no texto do real, em busca de legitimidade.

A questão é que esses registros aparecem continuamente nas coisas que nos dão prazer e as que nos dão desprazer, embora de formas diferentes, porque o que vale em um sistema não vale em outro, o que vale em uma circunstancia, não vale em outra. E nessa confusão dos mecanismos surge a desordem, a defesa patológica, pois na regressão ocorre uma série de superposições de acordos, coerências, incoerências entre os discursos, que vai constituir as intenções, os lamentos, a obscuridade, a confusão em que vivemos. Quando afirmamos ao negar e negamos afirmando, diz respeito a uma dinâmica da simplificação do discurso, que é secreta e nos escapa e sentimos nem sempre decifrar esse mistério. Não é possível compreender a paranoia e nenhuma outra estrutura sem levar em conta, a organização anterior do sujeito, sua história, seus desejos, sua ancestralidade, o destino que dá à lei, o que não é possível integrar, simbolizar, o que é preservado e porque.

Saber até onde é possível recuar as lembranças não é possível precisar. É possível supor que esse já conhecido habita o psiquismo nos seus mais remotos e recônditos espaços e tempos, desde sempre, através dos arquétipos inconscientes e que a dualidade que vemos tão presente na estrutura das psicoses remete a duplicidade senhor-escravo que habita no interior da sociedade, nos mais diversos tempos pelas diversas formas de servidão e que pressiona o recalcado no sentido de uma libertação.

Apesar da satisfação do trabalho realizado e dos objetivos atingidos pela articulação das categorias aqui estudadas, fica sempre algo da falta, de novas interrogações. Há que repensarmos a ênfase na clínica medicamentosa e na clínica do sintoma. Estas reflexões continuarão de forma ininterrupta, em um movimento que faz parte da vida que flui e reflui. Há que ressaltarmos que sem compreender o sujeito como alguém que faz e constrói sua história, suas escolhas, que é determinado pela história cultural da qual faz parte e a determina, que não é possível ele compreender a si próprio, seu desejo sua história sem resgatar suas lembranças, sua memória, seus limites, sua lei, sem estar apaziguado com elas. Que a intervenção no âmbito da subjetividade do sujeito se dá pela ênfase no sintoma e não na compreensão dialética de suas lembranças, sua memória, sua história, nos remete as questões: está na memória do sujeito às respostas a todas os seus conflitos? A fragmentação vivenciada nas estruturas psíquicas dizem respeito a reintegração de diversos eus? Qual a diferenças entre essas fragmentações? Até onde é possível recuar na ancestralidade para compreender as articulações da existência do sujeito?  Estas são desdobramentos com ênfase no resgate da memória e lembranças, reflexões que poderão seguir seu curso e outras que por certo no fluir da vida há de vir.

Referências

FREUD, S. Carta 52 (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Carta 57 (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise – volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________  Rascunho H (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________   Rascunho K (1950/1892/1899). Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ As Neuropsicoses de Defesa (1894). Obras Completas de Psicanálise - volume III. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A psicologia dos Processos Oníricos (1900-1901). Obras Completas de Psicanálise - volume V. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A Divisão do Ego no Processo de Defesa (1940/1938). Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Lembranças da Infância e Lembranças Encobridoras (1907/1920). Obras Completas de Psicanálise - volume VI. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Recordar, Repetir e Elaborar (1914). Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A História do Movimento Psicanalítico (1914). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Sobre o Narcisismo (1914). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________  O Inconsciente (1915). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Observações Adicionais Sobre as Neuropsicoses de Defesa (III Análise de um caso de Paranoia crônica) (1896). Obras Completas de Psicanálise - volume III. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Um caso de Paranoia que Contraria a Teoria Psicanalítica da
Doença (1915). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ O Caso Schreber, Artigos Sobre Técnica e Outros Trabalhos (1011 – 1913). Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose (1924). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________  Neurose e psicose (1924/1923). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ O Ego e o Id (1923). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
_________ Uma Nota Sobre o Bloco Mágico (1925/1924). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Lacan, J. – Da Psicose Paranoica em suas relações com a Personalidade (Primeiros escritos Sobre a Paranoia) - Tradução de Aluísio Menezes, Marco Antônio Coutinho Jorge, Potiguara Mendes da Silveira jr. - FORENSE-UNIVERSITÁRIA - Rio de Janeiro – 1ª edição – 1987 - Traduzido do original francês, De la Psychose Parano'iaque dans ses Rapports avec La Personnalisé. Paris, Seuil, 1975. Esta obra, que constituía a tese de doutorado em medicina de Jacques Lacan, foi publicada inicialmente por Le Françors, Paris, 1932.
_________ O Seminário 3 – As Psicoses – Rio de Janeiro, Zahar – 2008.
_________ O Seminário 5 – As Formações do Inconsciente - A Foraclusão do nome-do-pai – Rio de Janeiro, Zahar – 1999.
_________O Seminário 5 – As Formações do Inconsciente - A metáfora paterna  – Rio de Janeiro, Zahar – 1999. 

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