A relação entre as experiências vivenciadas e os conteúdos
na paranoia
Recalque
Mas sem o recalque a normalidade
psíquica coloca-se vulnerável a um abismo desconhecido. Freud (1900-1901, p.635) irá falar do
recalque como: “recalcar” e “irromper” ou “penetrar”. Assim
estamos falando de uma lembrança guardada no mais profundo do inconsciente, que
pressiona para vir a tona através do pré-consciente para tornar-se consciente.
O recalque ou a resistência criada por ele causa o esquecimento, mas também é
responsável pelas dissociações que poderão se apresentar no funcionamento
psíquico. É certo que o inconsciente tece sua rede de ligações, que Lacan
(1999, p.152) irá falar de rede de significantes, em torno de impressões e representações,
que não foram dadas atenção, rejeitada ou que não foram elaboradas, sem
formação de vínculos. Freud (1900-1901 p.591) nos diz que “essas impressões e representações podem repetir grupos inteiros de
novas ligações, estabelecendo associações que possa servir de cobertura para
uma representação recalcada”.
O recalque irá transformar essas
impressões, representações, desejos sexuais da infância e afetos que dão
desprazer, abandonados pelo pré-consciente, através de um investimento em uma
“nova” impressão, representação, proposta de desejo, inconsciente e o destino
final é a descarga motora, ou se houver uma possibilidade de subjetivação, a “revivificação alucinatória da identidade
perceptiva desejada” (Freud 1900-1901 p. 141).
A partir da carta 52 Lacan (2008
p.77) vai lembrar que o recalque retorna e o retorno do recalcado “são apenas o direito e o avesso de uma
mesma coisa”. Que o recalque reaparece nos sintomas e na “multidão de
fenômenos” psíquicos que ficou de fora na psicose e que esse fenômeno é a
“história do sujeito simbólico”.
Nome-do-Pai
O que ficou de fora do recalque,
que não foi incluído no recalque, é o destino que cada sujeito dá ao
Nome-do-pai, à castração, ao pai simbólico, a lei. Diante da foraclusão o que
retorna é o que fica de fora da lei. Nossa memória é constituída de lembranças
e esquecimentos e estes pertencem ao recalque. Assim desde o nascimento, quando
o sujeito é imerso na cultura, uma relação triangular se estabelece, pois há
que ter um “terceiro excluído”, para que a relação dual, dupla, não se
estabeleça enquanto forma de existir, ou seja estabelece-se uma comunicação
onde não é possível a diferença. É nas lembranças, sejam como significação ou
significante, que a falta de alguma coisa que funda a significação, que é o
significante, aquilo que na relação dual irá conferir autoridade a lei. Lei é “aquilo que se articula no nível do
significante, ou seja, o texto da lei” (Lacan 1999 p.152-153).
E o que vai faltar na cadeia de
significantes, que será marcante na paranoia? Vai faltar o Nome-do-pai, no que
ele funda como tal o fato de existir a lei, assim o que o sujeito tem de suprir
é a falta desse significante que é o Nome-do-pai, a lei, não é linear, é
descontínuo, dialético e isso vai se revelar nas lembranças cheias de
significantes que demandam a lei e se constituem enquanto defesas da falta da
lei, sejam enquanto palavras ou atos. Então a lei é o Outro, o terceiro
excluído da relação triangular, que não fica de fora, é o que dá alcance a lei.
Portanto na paranoia vamos encontrar a relação dual nas vozes, há um outro que
fala, um terceiro, que procura por uma lei. A entrada das vozes, desse terceiro
revela a falta, o vazio a que Lacan (1999 p.159) vai remeter é “se esse oco ou esse vazio aparece, é por
ter sido evocado ao menos uma vez o Nome-do-pai, é a garantia de que a lei como tal se
apresente como autônoma”, retoma a questão do recalque ao falar de
Nome-do-pai citando o presidente Schreber quando esclarece que na medida em que
o deliro e a alucinação se desenvolve se apresenta essa lei foi evocada ao
menos uma vez e a garantia de que ela possa se apresentar como autônoma. Algo
da castração foi preservado.
Em Schreber, essa rede de
significações, de lembranças é tão bem organizada que abrange o mundo. Cada uma
de suas palavras tem sua ênfase, é um significante. Ele as articula
relacionando-as entre si. E a clareza que elas comportam só é possível
identificar na rede de significantes, de suas lembranças. Nelas fica revelado
que na paranoia não se apropria da lei, da dimensão do Nome-do-pai. E o destino
de cada um reside em como cada sujeito se apropria do pai simbólico. Que o
conjunto de representações, imagens permeadas de significantes encontrarão
sempre um caminho por onde escoar sua dialética intersubjetiva da base do
triângulo mãe-pai-filho envolta num bom número de imagens com a função
unificadora da imagem total do corpo, ou seja, Lacan (1999 p. 164) conclui “a relação, do eu com a imagem especular já
nos fornece a base do triângulo imaginário”.
Observação:
As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.
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