17 de fevereiro de 2013

Lembrambras e Paranoia - Recalque

A relação entre as experiências vivenciadas e os conteúdos na paranoia
 
Recalque
 
Mas sem o recalque a normalidade psíquica coloca-se vulnerável a um abismo desconhecido.  Freud (1900-1901, p.635) irá falar do recalque como:  “recalcar” e “irromper” ou “penetrar”. Assim estamos falando de uma lembrança guardada no mais profundo do inconsciente, que pressiona para vir a tona através do pré-consciente para tornar-se consciente. O recalque ou a resistência criada por ele causa o esquecimento, mas também é responsável pelas dissociações que poderão se apresentar no funcionamento psíquico. É certo que o inconsciente tece sua rede de ligações, que Lacan (1999, p.152) irá falar de rede de significantes, em torno de impressões e representações, que não foram dadas atenção, rejeitada ou que não foram elaboradas, sem formação de vínculos. Freud (1900-1901 p.591) nos diz que “essas impressões e representações podem repetir grupos inteiros de novas ligações, estabelecendo associações que possa servir de cobertura para uma representação recalcada”.
 
O recalque irá transformar essas impressões, representações, desejos sexuais da infância e afetos que dão desprazer, abandonados pelo pré-consciente, através de um investimento em uma “nova” impressão, representação, proposta de desejo, inconsciente e o destino final é a descarga motora, ou se houver uma possibilidade de subjetivação, a “revivificação alucinatória da identidade perceptiva desejada” (Freud 1900-1901 p. 141).
 
 Há que anotarmos que o recalque, a propósito da defesa psíquica, conduz a uma renuncia das lembranças porque estas não podem receber nenhum investimento que chega dos órgãos sensoriais psíquicos. Quando um pensamento tem que ser descartado, não pode tornar consciente, pois sofreu recalcamento, mas quando um pensamento é descartado da consciência e recalcado é possível na intervenção clínica trazê-lo à consciência, mas pode ocorrer também que lembranças recalcadas por muito tempo retornem a consciência por caminhos indiretos, como imagens aparentemente sem sentido. Todo esse mecanismo não ocorre de forma linear. Dar-se-á de forma dialética, no caminho está o superego, que só deixa passar o que lhe é agradável. Assim o que é rejeitado pela censura fica em estado de recalcamento. É certo que em determinadas condições, o sono é uma delas, a correlação de forças entre essas instancias se modifica, porque a censura nunca é completamente eliminada do recalcado chegando ao consciente de forma alterada, pela alucinação, pelo delírio ou pela formação de compromisso.
 
A partir da carta 52 Lacan (2008 p.77) vai lembrar que o recalque retorna e o retorno do recalcado “são apenas o direito e o avesso de uma mesma coisa”. Que o recalque reaparece nos sintomas e na “multidão de fenômenos” psíquicos que ficou de fora na psicose e que esse fenômeno é a “história do sujeito simbólico”.
 
Nome-do-Pai
 
O que ficou de fora do recalque, que não foi incluído no recalque, é o destino que cada sujeito dá ao Nome-do-pai, à castração, ao pai simbólico, a lei. Diante da foraclusão o que retorna é o que fica de fora da lei. Nossa memória é constituída de lembranças e esquecimentos e estes pertencem ao recalque. Assim desde o nascimento, quando o sujeito é imerso na cultura, uma relação triangular se estabelece, pois há que ter um “terceiro excluído”, para que a relação dual, dupla, não se estabeleça enquanto forma de existir, ou seja estabelece-se uma comunicação onde não é possível a diferença. É nas lembranças, sejam como significação ou significante, que a falta de alguma coisa que funda a significação, que é o significante, aquilo que na relação dual irá conferir autoridade a lei. Lei é “aquilo que se articula no nível do significante, ou seja, o texto da lei” (Lacan 1999 p.152-153).
E o que vai faltar na cadeia de significantes, que será marcante na paranoia? Vai faltar o Nome-do-pai, no que ele funda como tal o fato de existir a lei, assim o que o sujeito tem de suprir é a falta desse significante que é o Nome-do-pai, a lei, não é linear, é descontínuo, dialético e isso vai se revelar nas lembranças cheias de significantes que demandam a lei e se constituem enquanto defesas da falta da lei, sejam enquanto palavras ou atos. Então a lei é o Outro, o terceiro excluído da relação triangular, que não fica de fora, é o que dá alcance a lei. Portanto na paranoia vamos encontrar a relação dual nas vozes, há um outro que fala, um terceiro, que procura por uma lei. A entrada das vozes, desse terceiro revela a falta, o vazio a que Lacan (1999 p.159) vai remeter é “se esse oco ou esse vazio aparece, é por ter sido evocado ao menos uma vez o Nome-do-pai,  é a garantia de que a lei como tal se apresente como autônoma”, retoma a questão do recalque ao falar de Nome-do-pai citando o presidente Schreber quando esclarece que na medida em que o deliro e a alucinação se desenvolve se apresenta essa lei foi evocada ao menos uma vez e a garantia de que ela possa se apresentar como autônoma. Algo da castração foi preservado.
 
Em Schreber, essa rede de significações, de lembranças é tão bem organizada que abrange o mundo. Cada uma de suas palavras tem sua ênfase, é um significante. Ele as articula relacionando-as entre si. E a clareza que elas comportam só é possível identificar na rede de significantes, de suas lembranças. Nelas fica revelado que na paranoia não se apropria da lei, da dimensão do Nome-do-pai. E o destino de cada um reside em como cada sujeito se apropria do pai simbólico. Que o conjunto de representações, imagens permeadas de significantes encontrarão sempre um caminho por onde escoar sua dialética intersubjetiva da base do triângulo mãe-pai-filho envolta num bom número de imagens com a função unificadora da imagem total do corpo, ou seja, Lacan (1999 p. 164) conclui “a relação, do eu com a imagem especular já nos fornece a base do triângulo imaginário”.
Observação: As referências bibliográficas serão publicadas com as considerações finais.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 



 
 
 

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